Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

terça-feira, janeiro 24, 2017

Os eternos falhados que, ainda assim, por vezes não falham

Se há 900 anos Portugal andasse a falhar, já não existiria como país e nós provavelmente falaríamos espanhol.

Não devemos nem sobrevalorizar nem subestimar ou desprezar o povo e o país a que pertencemos (faces da mesma moeda). Ou seremos nós melhores do que os outros desse povo?

Expressamo-nos na língua que dele recebemos, desse tal povo que “há 900 anos anda a falhar”. É uma língua falhada? Longe disso, independentemente das polémicas em torno do acordo ortográfico! A língua, como todas as outras, continua a evoluir. E somos nós, os atuais portugueses, que a fazemos evoluir e a transmitiremos aos que virão.

Mas há mais. O que dizer sobre várias coisas que nós próprios e tantos estrangeiros – de nações que não têm vindo a falhar – apreciamos particularmente: gastronomia, vinhos, atitude, enfim toda a herança cultural que recebemos e desenvolvemos? Que devemos estimar, reavivar de um modo crítico e ampliar na medida das nossas possibilidades? Toda ela é fruto da vivência e dos esforços daqueles que nos precederam e de nós que ainda cá estamos. São esforços pontuais? Frequentemente sim, por vezes não.

Luís de Camões, Eça de Queirós ou Fernando Pessoa são figuras geniais e incontornáveis da humanidade. Mas nada seriam sem a herança cultural do país em que nasceram e viveram, essa herança que os moldou e os fez portugueses, mesmo na sua reação crítica a ela.

O que aconteceu, afinal, aos descendentes dos “heroicos portugueses da expansão marítima”? Desapareceram? Ou nunca existiram porque descendemos dos que cá ficaram? Que ideia, mesmo em termos simbólicos! Os que foram, na sua maioria, voltaram. Mas houve, na mesma época heroica, muitos “Velhos do Restelo” que criticaram os audaciosos. E ainda hoje os há – e, nisso, Portugal não é caso singular no planeta. Contudo, apesar dos resmungões, apesar da mentalidade conservadora e conformista, tantas vezes retrógrada, ainda hoje muitos portugueses trazem significativas contribuições para a humanidade: na ciência, na música, na literatura, enfim, na arte em geral.

Há 18 anos a EXPO’98 abriu-nos portas para o Mundo. Portugal deu decididamente um passo em frente, numa marcha que ainda hoje se prolonga; a realidade cultural enriqueceu-se, a começar pela música, as expetativas tornaram-se maiores e mais exigentes. A internet deixa-nos hoje menos isolados neste “cantinho da Europa”, o que deixa de constituir desculpa para o derrotismo. Trata-se apenas de não nos ficarmos pela fase mais simples: a do consumo.

O sentimento alheio de negação de tudo isso, baseado não na razão, mas em apreciações de ordem afetiva, traz-me à consciência a seguinte observação: a humanidade avança pelo esforço e muitas vezes o sacrifício de uns poucos, apesar de todos os que remam contra o tempo.

E este, creio eu, é o aspeto essencial: desde sempre, Portugal (o Mundo) vai progredindo, desbravando novas fronteiras apesar da resistência e relutância da maioria das gentes, uma resistência que, contudo e até certo ponto, é compreensível e necessária. Claro que se falha frequentemente! Só não falha quem não tenta, mas quem não tenta contraria a essência da vida, não precisa sequer de estar vivo. O importante, quando se falha e se acerta, é a lição que se tira, o que se aprende e o que se faz com isso. Estamos sempre de passagem para o futuro. E, como sempre, poucos têm a coragem de avançar apesar de...

Em resumo: para que não falhemos nós próprios, é necessária uma atitude combativa que promova a mudança do mundo (português, mas não só) e não uma espécie de imobilismo contrariado, decorrente de excessivo e pernicioso, supostamente crítico, niilismo.

Luís Dias Ferreira

segunda-feira, janeiro 23, 2017

Há 900 anos que Portugal anda a falhar? (II)

1. Há uma constante que nunca muda ao longo de toda a História: Portugal era e é um pequeno território isolado nos confins da Europa, geograficamente isolado dos grandes centros de decisão política e económica da Europa, e por conseguinte, com uma participação esporádica nos grandes acontecimentos da História da Europa. Nos últimos 300 anos (após a Guerra da Sucessão de Espanha, em que um exército português chegou a ocupar Madrid), Portugal apenas teve protagonismo internacional no quadro das Guerras Napoleónicas e no ano de 1975, no contexto da Guerra Fria.

2. Essa condicionante geográfica determinou, em parte, quer os feitos ultramarinos, quer o atraso económico que Portugal vive face ao resto da Europa, que se acentuou com a chegada do ouro do Brasil, graças à qual Portugal morreu enquanto nação comercial, passando apenas a ser um lugar de passagem do ouro, investido na aquisição de bens de luxo e não nas manufaturas e na indústria.

3. Quando o Condado Portucalense passa a ter um rei independente da tutela dos reis de Leão, o novo reino de Portugal não era uma exceção na Península Ibéria, então dividida em duas civilizações, sendo que a cristã estava dividida em cinco reinos: Portugal, Leão, Castela, Navarra e Aragão. O processo de unificação destes reinos em torno de uma só coroa culminou em 1492, com o casamento de Fernando de Aragão e de Isabel, a Católica. O Reino de Espanha data de 1492. Porque razão o pequeno Reino de Portugal foi resistindo ao processo de unificação dos reinos ibéricos?

Em parte desconheço, mas calculo que a prioridade na luta contra os mouros e posteriormente a aliança inglesa poderão ter tido um efeito dissuasor nos reis de Leão (e posteriormente de Leão e Castela, e posteriormente Espanha). Ainda assim, provavelmente não terá sido uma prioridade, pois o reino de Leão e Castela tinha muito mais população e poder militar que o Reino de Portugal, facto que é também ele uma constante na História de Portugal até ao fim do Estado Novo. Não teria sido impossível aos castelhanos empreender a conquista militar de Portugal, se essa fosse a prioridade absoluta.

4. Nas artes e nas ciências na Idade Média, Portugal estava em linha com o resto da Europa. A tal não será alheio o facto de a população portuguesa à época contar, entre os súbditos da dinastia de Borgonha, com 1 terço de árabes/mouros e judeus. Esta riqueza e diversidade foram totalmente destruídas com um dos piores erros da História: a perseguição e expulsão aos judeus e muçulmanos. Esta perseguição privou Portugal de parte substancial da sua capacidade inventiva, conhecimento científico e criatividade artística. A partir de D. Manuel I, o povo português passa a ser uma entidade monolítica, sem diversidade. Interessante notar que o Padre António Vieira apresentou ao Rei D. João IV, o Restaurador, um plano para a recuperação que incluía o regresso dos judeus sefarditas a Portugal. O plano foi boicotado pelas forças reacionárias e retrógradas, contra as quais o rei se viu impotente para lutar (ou não quis).

5. O isolamento geográfico permitiu a Portugal poupar imensos recursos em conflitos militares que então assolavam a Europa. Ao invés, pôde contar com os recursos que os outros reinos não tinham e investi-los na expansão marítima, aliados ao conhecimento científico dos árabes, que os portugueses souberam aproveitar e desenvolver. A cartografia portuguesa da época dos descobrimentos era unanimemente considerada a mais avançada e valiosa da época. E era guardada com grande sigilo e secretismo por ordem expressa dos diversos monarcas.

6. Portugal na Idade Média e posteriormente no Renascimento estava razoavelmente bem integrado com os circuitos comerciais da época, em particular a Liga Hanseática. Esta integração foi essencial para escoar os produtos vindos do Oriente e abastecer o Oriente de produtos europeus. A feitoria portuguesa de Antuérpia era das mais importantes daquela grande cidade portuária da Liga Hanseática.

7. O Império Português compreende três fases muito distintas entre si, podendo mesmo falar-se em 3 impérios distintos: a fase do Índico, a fase do Atlântico Sul e a fase das colónias africanas. A fase do Índico e do Pacífico não era sustentável, pois o pequeno reino não tinha população nem armada suficiente para sustentar um império tão longínquo e disperso. Este Império não teve colónias, mas apenas cidades e fortalezas em pontos fundamentais. Ainda assim, foi forte a presença no Índico. Em Muscat, por exemplo, hoje capital de Omã, as duas fortalezas que existem nas duas extremidades da baía foram as que se construíram sob as ordens de Afonso de Albuquerque, com recurso à arquitetura militar portuguesa. As fortalezas aguentaram mais de 100 anos sob domínio português.

A fase seguinte foi a do Atlântico Sul, com a colonização do Brasil e com a expansão das Bandeiras. Contudo, o Brasil do século XVII já não era Portugal: era uma sociedade distinta de senhores, de senzalas e de mestiçagem. Foi esta mistura que expulsou os holandeses na Batalha dos Guararapes e não um exército vindo de Portugal.

Finalmente, a independência do Brasil deixou Portugal órfão durante todo o século XIX, de grande decadência económica e política. As colónias africanas, que finalmente se começaram a ocupar a sério, foram apenas um paliativo para um reino empobrecido, enfraquecido e incapaz de apanhar o comboio da Revolução Industrial, que degenerou na República em 1910.

Em defesa de Portugal, diga-se que apenas meia dúzia de países estavam altamente industrializados, e que nessa altura, Suécia, Dinamarca e Noruega eram tão pobres quanto Portugal.

8. Em 1580 Portugal não perdeu a sua independência, manteve-a. O que se passou foi que mudou de soberano. Mas era um soberano particular: Filipe de II de Espanha, filho de Carlos I de Espanha (imperador Carlos V da Alemanha), foi educado por uma mãe portuguesa. Falava português e comprometeu-se a respeitar a autonomia de Portugal e a garantir que Portugal continuava governado pelos portugueses.

Infelizmente o neto dele começou a distribuir os tachos portugueses a nobres espanhóis. Os portugueses privados dos seus tachos só podiam revoltar-se e colocar no trono o Bragança que garantia que os tachos portugueses eram ocupados por nobres portugueses. A independência custou caro: ceder muitas possessões ultramarinas que constituíram o embrião do Império Britânico (cedência de Bombaím, por exemplo), por força do casamento da nossa Catarina de Bragança com Carlos I de Inglaterra. Também foi preciso o apoio da República das Províncias Unidas (hoje Reino dos Países Baixos), o que custou dinheiro e a cedência de mais praças e possessões.

No entanto, foi a existência de um império global que garantiu a independência de Portugal: a Catalunha ou o País Basco nunca tiveram colónias na América ou em África.

9. A maior parte dos reis de Portugal foram reacionários e conservadores. Muito ciosos do seu título de reis protetores do catolicismo, bloquearam a Revolução Científica do século XVII e asfixiaram a criatividade intelectual e científica. Este isolamento foi apenas rompido pelo Marquês de Pombal, o enérgico e voluntarioso Ministro do Rei D. José. A reconstrução de Lisboa após o Terramoto é, para mim, o maior de todos os feitos da História de Portugal. Lisboa poderia perfeitamente ter desaparecido, transferir-se para outro lugar, etc. Foi um esforço absolutamente imenso e a reconstrução criou uma cidade que para a época era de um urbanismo absolutamente pioneiro, com ruas racionais, traçadas a régua e esquadro. As invasões francesas e a perda do Brasil, acabaram por ditar que a revolução urbanística empreendida por Manuel da Maia, Eugénio dos Santos e Carlos Mardel ficasse limitada ao pequeno espaço que hoje é a Baixa pombalina.

10. Portugal falhou completamente a Revolução Industrial, e até aos anos 80, ainda tinha mais habitantes nas zonas rurais que urbanas. A infraestrutura ferroviária era insuficiente, as comunicações também. A construção de infraestruturas durante o fontismo era necessária, mas degenerou na bancarrota de 1891, conjugada com a humilhação do ultimato. Eça de Queirós lamentou que Portugal apontasse culpas à Inglaterra em vez de lutar por um país mais rico, dinâmico e desenvolvido.

11. O século XX foi uma sucessão de desastres políticos, começando na I República incapaz de garantir a estabilidade política e económica, que degenerou no Estado Novo, conservador e reacionário. Porventura, mais que a falta de liberdade, foi deplorável a promoção do espírito de pobreza e mediocridade remediada do povo português. A mentalidade do pobrezinhos mas felizes, o elogio da aldeia e da ruralidade. A mentalidade do padre de província. A ausência de uma economia de mercado capitalista e competitiva. O desprezo pelo progresso intelectual e por influências externas.

O Estado Novo cavou a sua própria sepultura com a Guerra Colonial. A vontade quixotesca de manter um império colonial que nos anos 60 já era completamente obsoleto levou a uma guerra impossível de ganhar e à ainda pior impossibilidade de negociar uma solução sensata e ponderada que garantisse os direitos dos portugueses das colónias. A descolonização de 75 é culpa de Marcelo Caetano e de Salazar, não de Mário Soares, como uma certa direita chauvinista e arrivista gosta de proclamar, assim como Marcelo Caetano e Salazar, mas Marcelo em particular, ao se recusarem a reformar o regime ou a preparar a transição para a democracia como o Franco em Espanha, preferiram sentar-se na panela de pressão.

O resultado foi um golpe de estado que uns dias depois gerou uma onda popular cavalgada pelo PCP e extrema-esquerda para todo o género de tropelias que gravemente danificaram a nossa economia. O período cavaquista foi o último neste ciclo da incapacidade de tornar a economia portuguesa internacionalmente competitiva e da manutenção da crónica incapacidade para combater a corrupção, a incompetência e fomentar a coesão social.

Enfim, tudo visto e ponderado, há muitas coisas no nosso país de que não nos podemos orgulhar. Somos velhos e pobres, mas temos a sorte de viver, neste mundo perigoso, num dos países mais seguros do mundo, e isso não é um pormenor. Temos a capital com mais dias de sol na Europa e come-se e bebe-se muito bem por cá. Pena o património histórico estar em geral maltratado e não termos uma rede de transportes públicos dignos desse nome.

Parece-me ainda que com as suas glórias e misérias, a História de Portugal é muito singular face à dos outros países da Europa, e em geral todos os estrangeiros a quem tenho explicado aspetos da nossa História interessam-se muito por um país sobre o qual pouco sabem, muito por culpa da nossa incapacidade de nos vender.

Aproveitemos as low cost e esta nova onda do turismo para, pelo menos, nos tornarmos mais conhecidos lá fora. Para que os miúdos mundo fora aprendam sobre Vasco da Gama, Pedro Álvares e Afonso de Albuquerque e as enciclopédias de História sejam menos injustas com o lugar de Portugal na História, pelo menos na da expansão da Europa pelo mundo.

Eurico Pedrosa

quarta-feira, janeiro 18, 2017

Há 900 anos que Portugal anda a falhar? (I)


Examinemos em primeiro lugar a referência à nossa idade histórica como país; em seguida verificaremos alguns exemplos (sem preocupação cronológica), que atestam vitórias significativas e a resiliência necessária e fundamental para a manutenção da identidade de Portugal.  
  1. Portugal foi fundado em 1128, após a vitória de D. Afonso Henriques contra sua mãe, D. Teresa de Leão, na batalha de S. Mamede, embora essa fundação só tenha sido ratificada em 1143, pelo Tratado de Zamora, após o reconhecimento do país pela Santa Sé. Portugal é até hoje o país com as fronteiras mais antigas da Europa. Se observarmos a sua evolução, elas mantêm-se quase idênticas às que se estabeleceram mediante as conquistas de territórios antes povoados por povos ditos “mouros”, oriundos do norte de África.
     
  2. Portugal venceu os cercos de Lisboa, do Porto e de Elvas e derrotou as tentativas de invasão de Castela, nas batalhas de Aljubarrota (1385) e várias outras; muito mais tarde, impediu as Invasões Francesas através de diversas batalhas, mormente nas Linhas de Torres.
     
  3. Ao longo da sua história, Portugal apenas perdeu a sua independência uma vez: a seguir à crise de poder decorrente da tomada de posse de D. Sebastião e à sua morte prematura na batalha suicida de Alcácer Quibir, em 1580, o maior desastre militar da história de Portugal. No mesmo ano morreu Luiz de Camões.
     
  4. Existiam em Portugal sistemáticos parentescos entre reis portugueses e espanhóis, fruto dos casamentos arranjados de príncipes portugueses com princesas de Castela, Aragão e Leão. Bastou que D. Sebastião, efebo de orientação sexual indefinida, tão imaturo como obstinado, não tenha deixado descendentes à data da sua morte, para que o poder caísse fatalmente nas mãos de Castela. Este poderoso reino vizinho nunca se havia curado do mal-estar causado pelo “grito de independência” do resiliente Afonso Henriques e, como tal, não perdeu tempo a instalar representantes da corte espanhola em Lisboa.
     
  5. Portugal, ocupado e reprimido, perdeu a sua soberania durante 60 anos, mas nunca perdeu a sua identidade, os seus hábitos, a sua cultura e a sua língua. Um grupo de fidalgos, na altura a elite intelectual de vanguarda política, conseguiu organizar-se na clandestinidade e conspirar para preparar um golpe de Estado que restaurou a independência. O grupo, de quarenta conjurados, conseguiu penetrar no Palácio Real, no terreiro do Paço, defenestrar o Secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos, e prender a sua putativa amante, a Duquesa de Mântua. Esta detinha o título de ‘vice-rei’ da coroa espanhola em Portugal, mas era ao Secretário ‘traidor’ que os portugueses tinham ido ganhando realmente um ódio de morte; de norte a sul esperava-se apenas um momento mais frágil da coroa espanhola para colocar em prática o golpe que havia de restituir a independência ao país. No dia 1 de Dezembro de 1640 deitava-se literalmente pela janela o poder de Castela e acabando com o reinado dos Filipes de Espanha em Portugal.
     
  6. Não será alheio a este feito heroico a autoestima elevada que os portugueses tinham conquistado após o período áureo dos Descobrimentos. No início dos anos de 1500 arrastava-se uma feroz perseguição aos judeus, obrigando-os a que se convertessem ao Cristianismo. Por via de um decreto de D. Manuel I, ou abandonavam o país ou se convertiam, sob pena de morte e confisco dos bens. Muitos fugiram, mas muitos outros foram massacrados. Queimados vivos no Rossio mais de 20 mil, são hoje recordados num memorial perto da Igreja de S. Domingos. Além de seca e da peste, Lisboa sofreu incêndios e saques em massa; barcos piratas chegavam aqui carregados de bandidos que se aproveitaram da perseguição aos judeus para roubar as suas muitas riquezas. Grassava por volta de 1506 uma situação quase caótica. Porém, nos alvores do século XVI, a cidade havia-se tornado num dos portos mais importantes da Europa, considerada a capital de comércio mais florescente do velho continente. O comércio era de tal modo próspero no século XVI, que chegavam mercadores de muitos países procurando desde tecidos sofisticados (como sedas e brocados), até especiarias, mobiliário, joias, chá, sal e toda a sorte de artigos raros e caros. Aqui se ditava a moda e se produziam das mais interessantes trocas de import-export da época.
     
  7. A par do comércio florescente, surge sempre um florescimento nas Artes e na Cultura; Portugal não foi exceção. Basta ver a quantidade de soberbas pinturas e construções monumentais da época, para perceber, por um lado, que existia riqueza, e por outro, mestria, ligada a um importante conhecimento nos campos da arquitetura e engenharia. Só para citar alguns exemplos, internacionalmente reconhecidos como importante património, o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém são símbolos da cultura portuguesa dos Descobrimentos (construídos entre 1501 e 1563).
     
  8. Poder-se-á objetar que tanto o ‘bom gosto’ como as vanguardas políticas são forjadas dentro e pelas elites… Sem dúvida! Mas já na Antiga Grécia, berço não só da Democracia como de toda a Cultura Ocidental, assim era. Também em Roma, os arquitetos, pintores, escultores, engenheiros, filósofos, pedagogos, dramaturgos, poetas e músicos, não provinham das classes populares nem dos escravos, mas sim das elites instruídas. Contudo, a questão das assimetrias de classe não cabe neste artigo; talvez noutro, cujo título poderia ser “Educação, Educação e Educação”. Mas prossigamos nos exemplos do que de bom se fez.
     
  9. Portugal foi dos primeiros países a instituir as Misericórdias, para prestar assistência aos pobres e mendigos, fornecendo abrigo, alimento e assistência na doença às pessoas carenciadas. A obra deveu-se no início à Rainha D. Leonor, em Lisboa, e a D. Manuel I no resto do país.
     
  10. D. Dinis fora o fundador da Universidade de Coimbra, a mais antiga do país e das primeiras do mundo, em 1290. Foi considerada uma referência até aos finais do século XIX, nas áreas da Teologia, Direito e Medicina. É desde 2013 Património Mundial da UNESCO.
     
  11. D. Dinis foi o primeiro governante a ter uma visão estratégica no campo da Ecologia, tendo decidido mandar plantar o Pinhal de Leiria para evitar a erosão do litoral leste de Portugal, ainda hoje uma zona de fragilidade ambiental por via do avanço do mar e dos ventos fortes.
     
  12. D. Dinis, para além de um enorme apreço pela cultura e instrução, manifestou enorme talento para a poesia, tendo composto belos poemas conhecidos no cancioneiro português como Cantigas de Amor e Cantigas de Amigo.
     
  13. D. Duarte e D. Henrique, filhos de D. João I e D. Filipa de Lencastre, foram eminentes Infantes, o primeiro pelo seu talento literário e equestre e o segundo pelas capacidades de estratégia náutica, a quem se atribui um forte contributo para as epopeias marítimas portuguesas, por estudos e conhecimentos do mar.
     
  14. No campo da expansão marítima, os portugueses foram pioneiros em muitos feitos, que, na época e com embarcações relativamente frágeis e poucos instrumentos de auxílio à navegação, foram considerados nada menos que heroicos: por exemplo, dobrar os terríveis Cabos Bojador e da Boa Esperança, descobrir o caminho marítimo para a Índia, chegar à Tailândia, à China e ao Japão e achar o Brasil. Gil Eanes, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama ou Pedro Álvares Cabral são nomes incontornáveis do que se pode chamar, com orgulho, “grandes portugueses”.  
     
  15. Portugal aboliu a pena de morte em 1867, no reinado de D. Maria II. Dois anos depois em 1869, por decreto do Marquês de Pombal, era abolida também a escravatura. Em ambos os casos Portugal foi dos primeiros países a tomar tais medidas, o que revela já na época, algum sentido civilizacional de caráter humanista.
     
  16. À semelhança da França, Portugal derrubou a monarquia e instaurou um regime republicano, com nova Constituição e abertura do direito a eleições livres e periódicas. No dia 5 de outubro de 1910 adotava-se a ‘bandeira’ dos valores da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”.
     
  17. O primeiro governo republicano decretou o ensino básico (escola primária) para todos, como uma das suas prioridades, dado que a população portuguesa registava, em 1910, 80% de indivíduos analfabetos, o que era absolutamente urgente alterar.
     
  18. O Portugal da 1ª República conheceu figuras como Carolina Beatriz Ângelo, Ana de Castro Osório e outras personalidades, à altura das Sufragistas Inglesas, que lutaram tenazmente pela igualdade das mulheres, nomeadamente no direito ao voto e no direito ao acesso ao Ensino Superior Universitário, em paridade com os colegas homens.
     
  19. Durante a segunda metade do século XX, os portugueses, apesar de 48 anos de repressão e cultura do medo, apesar do aparente conformismo e mediocridade que o sistema lhes infundiu, demonstraram uma tenacidade insuspeita. Ao conseguir derrubar uma ditadura fascista, numa revolução sem sangue, que instaurou a democracia por meios pacíficos, demonstrou uma atitude cívica sem precedentes. A democracia, construída sem violência, serviu de inspiração ou exemplo para diversas outras ‘transições’ pacíficas por essa Europa fora, a começar pela vizinha Espanha. Até o Brasil sofreu a influência positiva deste acontecimento.
     
  20. Portugal conseguiu restabelecer a paz e a diplomacia com povos que outrora oprimira nas ‘províncias’ de África, pelo colonialismo nacionalista e imperialista de Oliveira Salazar. Hoje, e apesar de todas as guerras sangrentas da sua história, mantém o diálogo possível e cumpre todos os acordos de cooperação assinados.
     
  21. Last but not least, Portugal foi dos primeiros países europeus a abrir-se à atual crise dos refugiados, tendo também oferecido ajuda humanitária em variadíssimas outras situações de crise no mundo. Recentemente acabou por obter o lugar de maior prestígio entre todas as organizações mundiais, com António Guterres como Secretário-Geral da ONU, o que não é ‘coisa pouca’…
     

Poderíamos continuar a citar muitos mais momentos bons, para demonstrar que os quase 900 anos de história de Portugal não foram feitos só de falhanços, derrotas e tristezas. Se assim fosse, certamente que já nem sequer existiríamos enquanto país.

Cabe ao leitor ajuizar, após esta breve reflexão crítica, qual o grau de autoestima que os portugueses devem (ou não), manter e cultivar após quase 900 anos de existência do país. Será admissível pensar que não temos senão falhado ao longo de toda a história?

Perante estes exemplos, de momentos em que Portugal foi vitorioso, não parece haver fundamento para a manutenção do pessimismo nem da cultura do fatalismo; não há, de facto, razões para pensarmos que temos andado sistematicamente a falhar em 900 anos.

Muito há por fazer, mas com espírito positivo, já que desistir, isso sim, seria falhar.



Helena Jacques Feliciano

segunda-feira, janeiro 16, 2017

10º aniversário do FRES


O FRES comemorou em 2016 o seu 10º Aniversário. Para marcar esta data o grupo realizou no dia 03 de dezembro no Restaurante Sonho do Oriente em Lisboa, um jantar/café/concerto onde estiveram presentes, para além de um número alargado dos seus membros, outros convidados externos enriquecendo assim um serão com um pequeno Evento Musical oferecido pelos nossos amigos da Academia de Música e Canto - Vocal Emotion.

Pudemos assim contar com a presença do mentor e fundador da Academia, o Maestro, compositor, autor e Diretor Artístico, Manuel Rebelo, para além dos seus membros Sofia Formigal, Jaime Santiago Pinto e Mário Jacques.

Tratou-se de um encontro comemorativo vivido em ambiente de amigos, informal e de pleno convívio e interação pessoal e familiar que o FRES marcou com algo do que há de melhor - a música.