Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

terça-feira, julho 19, 2016

Encontros do FRES 27 de Maio de 2016 - Contratos de Associação


 
 
 
Realizou-se no passado dia 27 de Maio em Lisboa mais um jantar/debate do FRES, durante o qual se abordou e discutiu com maior profundidade o tema dos contratos de associação do Estado português com as escolas do ensino privado e cooperativo. Esta discussão já decorria há várias semanas dentro do Grupo mas foi exposta de forma presencial neste encontro. Ainda que as posições dos membros presentes tenham divergido em determinados pontos do tema, como seria aliás de esperar e louvar dada a dimensão do grupo presente, deste debate ressaltaram algumas ideias chave que se resumem neste texto.

 1.   Os Contratos de Associação

É consensual que existem vantagens e virtudes nos contratos de associação e que a Lei vigente sobre este tema é satisfatória e adequada ao bom funcionamento deste instrumento do sistema educativo português. Quer se seja mais ou menos adepto ou defensor da atual Constituição, é consensual a ideia de que cabe ao Estado assegurar a criação e manutenção de um sistema de ensino público que cubra as necessidades de toda a população. Porém, tal como está definido no artigo 73.º e seguintes da mesma, em nenhum deles é dito que o Estado está impedido de contratar com escolas do ensino privado ou cooperativo, se tiver como objetivo reforçar essa rede através de acordos com estes estabelecimentos de ensino. Aliás, como está claramente definido no artigo 74.º, «Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar». Ora desta forma, em nenhuma das alíneas do referido artigo transparece qualquer norma que pareça impedir o recurso a contratos de associação com os privados. Tal significa que essa é matéria para a Lei ordinária e que depende das políticas e programas de cada Governo.

Ainda que a Lei vigente nos pareça adequada e satisfatória o problema prende-se, como sempre, com o seu cumprimento. Na prática, há que acautelar o interesse dos alunos, dos pais, dos professores, do sistema educativo e, em última instância, do próprio Estado e contrariar o que parecem ser, por vezes, formas deturpadas e encapotadas de uso abusivo da Lei através do favorecimento de clientelismos e interesses privados instalados dentro desse sistema educativo. Por isso se coloca muitas vezes a interrogação se os contratos de associação não deveriam – modo condicional – ser apenas firmados quando não exista oferta da rede pública de ensino nas condições definidas na própria Lei. A resposta é claramente sim. Uma coisa é certa: o Estado não deve nunca ser permeável a tais clientelismos e interesses instalados, como foi o caso de alguns exemplos tornados públicos.

 2.   Existirão redundâncias?

Do acima exposto sobressai que importa fazer um estudo sobre a existência de redundância de escolas públicas, bem como de escolas privadas no sistema de ensino público. Importa saber se estamos a otimizar os recursos disponíveis na lógica da relação entre custo e benefício, de modo a poder concluir-se se é necessário finalizar com este ou aquele contrato ou encerrar algumas escolas privadas ou públicas, ou, alternativamente, manter tudo como está. Na prática, importa efetuar um estudo global mas, ao mesmo tempo, caso a caso.

Se observarmos que, numa determinada região do país, existe oferta de rede pública suficiente para a satisfação das necessidades do sistema educativo, então não se justifica firmar com privados contratos de associação. A tão propalada liberdade de escolha funciona para ambos os lados, neste caso para o lado público. Cada um de nós, como pais ou encarregados de educação, temos direito à liberdade de escolha de poder ter os nossos filhos no sistema de ensino público. Se em dada região as escolas do ensino privado ou cooperativo lá tiverem chegado primeiro, garantindo ao sistema educativo uma oferta suficiente e adequada à região, então não se justifica que o Estado tenha (ou pretenda) desperdiçar recursos na rede pública de ensino, quando pode bem vir a estabelecer com aqueles estabelecimentos contratos de associação exigindo-lhes, por sua vez, que cumpram os requisitos de qualidade e façam sobrepor o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades – conforme consagrado na Constituição.

Continua a haver dúvidas e muita discussão quanto à qualidade de umas e outras escolas; porém, a realidade não é a preto e branco. Há escolas públicas e privadas com boa e má qualidade de ensino. O que sabemos é que, descontando alguns aspetos pontuais relacionados com o problema da demografia (redução do nº de alunos a frequentar o ensino básico e secundário), uma escola privada com uma oferta de ensino de qualidade, ao melhor nível e com reconhecimento na sua região, não depende de dinheiros públicos para sobreviver. As boas escolas privadas têm os pais em fila de espera para inscrever os seus filhos. Por isso é polémica e mal compreendida esta discussão posta em primeiro plano após a tomada de posição do atual governo quanto à renúncia em prolongar alguns dos atuais contratos de associação com escolas privadas. Pelo que sabemos, haverá apenas 3% de escolas com contratos de associação, quando a rede privada representa já 20% da oferta de ensino. E é polémica porque estamos a falar de apenas 72 de entre as 2400 escolas do país e das quase 500 escolas privadas. Levantam-se questões sobre as razões desta discordância e das manifestações contra e a favor da continuidade dos contratos.

Independentemente da avaliação que cada um queira fazer deste problema, importa ter presente que o Estado é uma pessoa de bem (é suposto ser) e cumpridora dos compromissos assumidos. Desta forma, há necessariamente que ter em conta o cuidado quanto ao momento da renúncia destes contratos, já que podemos assistir a situações diversas, pois uma coisa é renunciar um contrato com o prazo de um ano que termina a curto prazo; já outra é renunciar, sem aviso prévio (se for o caso), contratos com prazos de três anos, deixando as escolas em situações difíceis pois podem ter incorrido em custos de contratação de novos docentes. Aqui, deve o Estado avaliar cada caso de rescisão, levando em conta se estamos perante o caso de uma decisão unilateral e antes de cumprido o seu prazo de vigência.

 3.   Os problemas colocados pela demografia

É certo que o país vive um grave problema demográfico que afeta já a população estudantil, uma vez que esta tem vindo a ser reduzida ao longo dos anos, o que se irá refletir na rentabilização das estruturas existentes, no número de professores e no emprego. Porém, no momento atual, a redução da natalidade não é igual em todos os locais do país. A desertificação observada no interior que tem levado ao encerramento de muitas escolas não impede o aumento da rede escolar pública em zonas geográficas que o justifiquem. No entanto, é importante olhar para a demografia quando se tenta fazer um balanço ou analisar a relação entre a oferta pública e privada. Daqui resulta a necessidade de ajustar a oferta de ensino e a otimização dos recursos à evolução demográfica e à realidade demográfica de cada região.

Neste pressuposto, caberá ao Estado tomar a decisão de investir prioritariamente nas escolas com melhor desempenho e condições físicas e logísticas quando for necessário aumentar a oferta pública de ensino ou, se necessário for, encerrar aquelas com pior desempenho. Ao mesmo tempo, esta gestão tem de levar em conta a oferta local de ensino privado, “jogando” com estes ativos disponíveis de forma a otimizar recursos, como já dito atrás. Mas também aqui o Estado tem de ter mão firme e não tolerar situações de tráfico de influências e de jogos de interesses particulares. Mais uma vez, esta discussão não pode nem deve ser ideológica mas sim política.

4.   Cuidados a ter com o excesso de centralidade do sistema educativo

Existem entre nós correntes de opinião que defendem que o sistema educativo é demasiado expositivo e que apenas visa a propagação de um conteúdo pedagógico, em alguns casos demasiado generalista, sistema esse criado, defendido e implementado por um conjunto de burocratas sentados nos gabinetes do Ministério da Educação, cuja qualidade é fortemente aferida através da avaliação periódica em exames nacionais. Muitos de nós nos questionamos se este é o melhor sistema e se não estaremos a cair num excesso de centralidade, deixando pouca ou nenhuma liberdade às escolas para implementarem o seu próprio projeto educativo. É certo que não podemos cair nos extremos. Deve existir um conjunto de diretrizes e de regras definidas centralmente, como os programas base e as regras de avaliação, deixando porém às escolas a liberdade e a imaginação quanto a diferentes métodos pedagógicos e opções extracurriculares distintas, de acordo com a realidade socioeconómica do seu universo estudantil.

5.   Será a educação um negócio ou um papel social do Estado?

A Constituição é a Magna Carta de todas as leis do país; está por isso acima de todas as leis. No entanto, não deve ser visto como um documento intocável, nem o tem sido. A prova disso é que desde 1976 foi revista por sete vezes. E é importante que as entidades soberanas a acompanhem permanentemente e a avaliem sem dogmas nem posicionamentos ideológicos. Mas, ainda que mereça uma discussão sobre determinados temas delicados quanto ao seu ajustamento ao mundo atual, designadamente às novas realidades políticas, económicas e sociais, não deve ser abastardada. Não pode levianamente ser usada para justificar alterações por quaisquer interesses momentâneos de natureza político-partidária ou corporativista.

A Constituição portuguesa dedica um capítulo inteiro à educação e cultura, de onde se destaca aqui os artigos 73º, 74º e 78º. Daqui podemos retirar que a educação é uma responsabilidade do Estado, a ele cabe garantir que todos tenham acesso à educação e cultura e à igualdade de oportunidades. A ele cabe garantir que todos estão em pé de igualdade de oportunidades e a ele cabe garantir a sua gratuidade, em especial a quem não reúne as condições financeiras para tal.

Por tudo isto, nesta dimensão, a educação e a cultura dos cidadãos de um país livre e democrático não é nem pode ser, meramente, um negócio. Tal como num âmbito mais geral, a saúde não pode ser, meramente, um negócio. Antes de mais e acima de tudo, é em primeiro lugar uma obrigação e responsabilidade do Estado de uma sociedade livre e democrática.

Mas vejamos o paradoxo: a saúde e a educação podem ser um negócio! E são-no! Mas numa outra dimensão, não na dimensão social a que nos referimos atrás.

E é um negócio no sentido literal da palavra porque existe uma oferta privada e diversificada de clinicas e hospitais, tal como existe uma oferta privada e diversificada de colégios, universidades, academias de formação, de apoio ao estudo e aos exames nacionais. São realidades diferentes, que não podem contudo pôr em causa a outra dimensão da educação e da saúde. Sendo um negócio para os seus investidores não é um negócio para os cidadãos em geral, vistos como os membros de uma sociedade livre e democrática, aos quais deve ser assegurado o direito à saúde e à educação.

Prova disso é o facto, de nos últimos anos em Portugal, a oferta de ensino público ter caído 47% enquanto a oferta de ensino privado cresceu 10%. Daí que tenha de haver cuidado quando se fala da concorrência do privado vs público e do custo benefício do ensino. A oferta da educação e da saúde não se destina a dar lucro ao Estado. É um papel social e uma responsabilidade do Estado.

6.   Como atingir a melhoria e eficiência do sistema educativo?

Um dos aspetos que não apresenta grandes dúvidas é a relação entre os custos de um aluno no ensino público e privado. Tais custos estão apurados e nem diferem assim tanto. O que verdadeiramente importa é a otimização dos recursos, a rendibilidade e racionalidade dos investimentos no sistema educativo. Nenhuma escola privada pode pretender viver de favores do Estado, à custa do erário público e beneficiar de uma espécie de “renda vitalícia”. A preocupação do regulador deve ser premiar os melhores estabelecimentos de ensino e penalizar os piores, racionalizando e otimizando o sistema. Isto tanto pode implicar fechar escolas públicas que não são mais do que ativos onerosos, redundantes, piores e mais caras (no futuro), como cancelar contratos de associação com escolas privadas que procuram viver e subsistir à custa do erário público ou de jogos de interesses. Ou porque simplesmente não garantem a qualidade necessária. Tal não é um ataque nem à escola pública nem privada. É um jogo de equidades.

Não é de modo nenhum aceitável que haja sobre capacidade nos serviços do Estado e recursos por otimizar pelo que, onde houver turmas por preencher nas escolas da rede pública numa determinada região, estas deverão ser preenchidas ou, em alternativa, encerradas. Nestes como em outros casos, as escolas privadas (ou os seus proprietários) fizeram as suas escolhas e, como tal, têm que gerir o seu negócio de forma livre mas independente dos dinheiros públicos.

O Estado tem a obrigação de apostar na qualidade da escola pública, para que a igualdade de oportunidades seja uma realidade concreta, não desperdiçar recursos e não ceder a lobbies privados essa oportunidade, até porque investiu nas estruturas físicas e formou professores. Quando tal não acontece e apenas quando os requisitos na Lei o permitem, aí sim, a discussão não pode nem deve ser ideológica mas sim política – a implementação da melhor política de educação – devendo nestes casos considerar-se a concessão do serviço público de educação à gestão privada, através da concessão de ativos e serviços públicos mas mantendo uma ação regulatória omnipresente e eficaz.

Contrariamente, onde houver sub-capacidade no público e oferta suficiente no privado, verificadas certas condições de equilíbrio custo-benefício, não faz também sentido investir recursos em mais escolas públicas.

E a discussão não pode ser ideológica mas política porque o ensino deve ser projetado e oferecido tendo em conta as necessidades do país, não só nos tempos atuais mas tendo em conta as exigências do conhecimento dos próximos 10 ou 15 anos. Porque os nossos filhos ou netos irão desempenhar profissões e tarefas que hoje não existem, e em geografias que não imaginamos. Posto isto, o sistema educativo, público ou privado, deve orientar-se para desenvolvimento de novas competências, os designados “soft Skills”, para os quais nem sempre está preparado.
 

Sem comentários: