A. Preliminares
1. O presente post tem como objetivo relacionar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com a dívida contraída pelos países. Para tal torna-se necessário conhecer, para além da taxa de crescimento do PIB, o peso da dívida. Se no atinente ao crescimento do PIB foi pacífica a obtenção dos dados, o mesmo não sucedeu com a dívida, o que, como será oportunamente referido, condiciona a análise.
2. Ainda acerca dos dados existentes, convém apresentar uma ressalva quanto à abordagem encetada, por esta não assentar nos montantes do PIB nem nos da dívida mas sim em rácios. Daqui decorre portanto um problema de comparação de variáveis de natureza distinta: o PIB é uma variável de fluxo (e de base anual), enquanto a dívida é uma variável de stock (visto que resulta da acumulação de dívidas anuais).
3. Para ultrapassar tal problema seria necessário efetuar um exercício hercúleo e ímpar, portanto quase impraticável, que consiste, por um lado, em mapear o serviço da dívida por anos em função da sua criação e, por outro, em transformar depois em preços constantes todas as componentes anuais do stock de dívida, de modo a compará-las com o PIB e assim retirar-se o efeito da inflação. Com o intuito de mitigar o vulgar problema, optou-se por usar, sempre que a informação disponível permita, a dívida (e o PIB) correspondente a vários anos.
B. PIB e dívida pública
4. Para tentar desatar o nó górdio, inicie-se a tarefa comparando, relativamente não a um ano mas a um período de oito anos (de 2007 a 2014), a taxa de crescimento real do PIB com o peso da dívida pública (em percentagem do PIB) – dívida bruta, seja de origem externa ou interna –, para dois conjuntos: o universo de 169 territórios soberanos e o espaço dos 41 Estados-membros da OCDE ou da União Europeia. Para a comparação adotou-se o coeficiente de correlação – vide gráfico 1. Em rigor o estudo deveria abranger a dívida pública líquida. Porém, a falta de informação obrigou a restringi-lo à dívida bruta.
Gráfico 1
5. Como se observa através do gráfico, a distribuição das correlações é assimétrica. Todavia é nítido que para os dois mencionados conjuntos existe tendência para uma ligação inversa entre a taxa de crescimento real do PIB e o peso da dívida pública. Para o universo das nações incluídas na análise, regista-se um efeito negativo em 70% dos casos – 118 em 169 –, subindo a percentagem para 80% – 33 em 41 – quando o grupo se restringe aos países da OCDE ou da União Europeia.
6. Portanto, em termos da área da OCDE ou da União Europeia, a dívida pública indicia prejudicar o crescimento do PIB. A penalização é confirmada por a média e a mediana dos coeficientes de correlação serem mais negativas para os 41 territórios dessa área do que para o universo dos 169. A título meramente ilustrativo adiante-se que os resultados extraídos mediante uma perspetiva similar, desta vez utilizando as taxas de crescimento nominal do PIB e não as taxas de crescimento real, estão algo próximos uns dos outros.
7. De facto, apesar de mais acentuadas usando as taxas de crescimento nominal, as médias e as medianas não se afastam demasiado das enunciadas no gráfico 1 para ambos os conjuntos – 169 e 41 Estados. Considerando o crescimento nominal do PIB, a média e a mediana dos coeficientes de correlação para o primeiro conjunto são, respetivamente, de -0,234 e -0,372 (logo, sem diferenças materiais face a -0,197 e -0,3, indicadores obtidos tendo por referência o crescimento real). Para o segundo, a média e a mediana fixam-se em -0,354 e -0,484 (que comparam com -0,309 e -0,387, para o crescimento real).
8. Para aprofundar a aferição do impacto da dívida pública no crescimento económico dos países, confrontando a média do peso da dívida bruta com a média do crescimento (real e nominal) do PIB, identificam-se três grupos. Dois deles já foram explicitados, i.e., o universo dos 169 territórios para os quais existem elementos que possibilitam o cálculo da média anual (de 2007 a 2014) da dívida pública e do crescimento económico, e o espaço das 41 regiões soberanas da OCDE ou da União Europeia. O terceiro grupo corresponde à dúzia de plagas fundadoras da zona do Euro. Os resultados constam do quadro seguinte.
9. Antes de comentar os valores do quadro, há que expor dois esclarecimentos. Um respeita ao âmbito do estudo. Os coeficientes de correlação do gráfico 1 distinguem-se daqueles a que o quadro se reporta. Os primeiros socorrem-se duma abordagem temporal, enquanto os segundos assentam numa perspetiva espacial. Rectius, os do gráfico espelham a ligação entre a taxa de crescimento do PIB e o peso da dívida pública; refletem, para cada nação, a relação entre o crescimento e a dívida, de 2007 a 2014 – que no caso português foi de -0,461 (-0,477 utilizando o crescimento nominal). Ora, diferenciadamente, a análise refletida no quadro decorreu, em primeiro lugar, do cálculo, por Estado e para o mesmo período de oito anos, da média das taxas de crescimento do PIB e da média do peso da dívida pública. Seguidamente determinou-se o coeficiente de correlação entre essas duas séries – médias do crescimento e da dívida.
10. O segundo esclarecimento prende-se com a decisão de adicionar o grupo dos 12 países da área do Euro. Uma vez que a média e a mediana dos coeficientes constantes do gráfico são relativamente diferentes consoante se trate dos 169 territórios objeto de estudo e do subespaço dos 41, uma avaliação separada para aquela dúzia de países teria necessariamente de ser realizada – sob a perspetiva espacial enunciada no parágrafo precedente –, com o intuito de aferir estatisticamente a conexão entre crescimento económico e dívida pública.
11. Se em termos reais – dimensão que releva, por oposição à nominal –, e para o universo das 169 nações, assiste-se a uma balbúrdia quanto ao efeito da dívida pública no crescimento do PIB, no espaço da OCDE ou da União Europeia o impacto negativo não é despiciendo. E embora parco, este impacto (-0,295) passa a significativo (-0,805) para as regiões do Euro, demonstrativo de que entre os Estados iniciais que adotaram a moeda única não houve, ao contrário do que se aguardava (com acrescida ansiedade e alguma fé), uma convergência económica. Infelizmente não se trata duma relação espúria. Corrobora somente o que era consabido, assente naquilo que o senso comum há muito defendia: o Euro beneficia acima de tudo as economias mais vivazes e estruturalmente robustas, em detrimento das menos apetrechadas em competitividade e em consolidação das contas públicas.
12. O gráfico 2 ilustra a ligação verificada para os segundo e terceiro conjuntos apresentados no quadro supra, no ponto 8: os 41 territórios da OCDE ou da União Europeia, e as 12 nações iniciais do Euro. Os coeficientes de correlação presentes no gráfico (como nota informativa) constam outrossim do quadro anteriormente apresentado. Para Portugal, durante o período de oito anos em apreço, a média das taxas de crescimento real do PIB e a média do peso da dívida pública cifram-se em 0,4% e 99%, respetivamente (sendo de 1,6% a média das taxas de crescimento nominal). Para os 41 Estados considerados, as medianas referentes a (a média de) as taxas de crescimento real e a (a média de) o peso da dívida são, por essa sequência, de 1,6% e 51%.
Gráfico 2
13. Observa-se que os principais outliers comportam a Islândia, a Grécia e o Japão. A posição islandesa prende-se com o PIB; reflete o crescimento fortemente negativo em 2008 e 2009 (-26% e -33%, segundo a mesma ordem), fruto da tremenda crise do sistema financeiro que abalou o Mundo mas que nublou incomparavelmente mais a Islândia. Nesta ilha nórdica europeia a dívida pública não é problemática; é sim a dívida externa, contraída essencialmente pelo setor privado.
14. Bem diferente é a tragédia helénica, que tem origem na hórrida mistura explosiva que combina um nível incontornável de dívida pública com um período de depressão económica. Por outro lado, a situação nipónica é sui generis porque consegue conciliar um peso desproporcionado de dívida pública com crescimento económico, como se dum milagre se tratasse. Conforme se confirmará adiante, o milagre acontece por uma evidência nada transcendente e bem terrena: a dívida libertadora e reprodutora ou, numa aceção de geração de valor, a dívida benigna para o investimento.