Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sexta-feira, janeiro 23, 2015

A geopolítica do petróleo


O Orçamento do Estado português para 2015 foi elaborado considerando que o barril de petróleo se situaria, em média, nos 96,7 dólares. Na passada quarta-feira dia 21, a sua cotação situava-se nos 48,97 dólares por barril. Tal significará que o Estado português obtém assim uma folga significativa no que concerne às despesas correntes previstas pois os custos de importação desta matéria-prima registam uma redução muito significativa. Como sabemos, Portugal é um país que importa a esmagadora percentagem do petróleo que consome. Por outro lado, o país registará vantagens numa outra vertente já que esta folga aplica-se igualmente aos restantes países da Zona Euro, permitindo-lhes assim com tais folgas, obter margens orçamentais que lhes permitirá absorver mais importações uma vez que é esperado um aumento do consumo interno em países muito importantes para as exportações nacionais como são o caso da Espanha, Alemanha ou França. Se juntarmos a isto a desvalorização do euro face ao dólar americano, estão reunidos um conjunto de ingredientes para que o ano de 2015, e quem sabe de 2016, sejam anos favoráveis a uma retoma do crescimento económico. Isto quando se sabe que o país quer firmemente apostar de forma significativa no aumento das exportações e nas empresas exportadoras. Qualquer exportação para mercados fora da Zona Euro representará, por isso, uma vantagem competitiva.
Aliás, recente estudo realizado pela Universidade Católica apontava para uma previsão mais favorável do que o esperado no crescimento económico para 2015. Contra uma previsão de crescimento do PIB nacional de 1,3% por parte da Comissão Europeia e de 1,5% do governo português, a Universidade Católica prevê um crescimento do PIB muito perto da casa dos 2% já para este ano o que ajudará a acentuar a queda do desemprego para valores que se estima atinjam os 13,1% no ano que vem.
A estimativa mais corrente entre os analistas económicos e os economistas em geral é que o barril de petróleo se situe este ano, em média, nos 50 dólares. No entanto os países da OPEP, através do seu secretário-geral, contrariam estas previsões e afirmam que não é esperado que o barril de petróleo venha a atingir os 20 ou 25 dólares. Estimam antes que o valor do barril manter-se-á nos níveis atuais para depois subir para perto dos valores registados anteriormente. Naturalmente que quem tem peso aqui é a Arábia Saudita já que a Venezuela, Angola ou o Irão estão à beira de uma crise financeira por falta de receitas que afeta a sua capacidade de adquirir bens ao exterior o que se traduz em falta de divisas externas que lhes provoca fortes tensões inflacionistas.

Mas a Arábia Saudita consegue lidar bem com este quadro. Os especialistas e analistas que acompanham o setor do petróleo afirmam que este país suporta os valores atuais de forma diferente dos seus pares porque, tendo em conta os seus custos de extração e abundância, o país já tem margem de lucro com um preço do barril que se situe no intervalo entre os 10 e os 20 USD.

Muito se tem discutido e especulado quanto ao impacto que esta queda do preço do petróleo terá na economia portuguesa. Pelas informações obtidas junto de quem teve acesso a estudos sobre esta matéria, aparentemente uma quebra de 10 dólares no barril de petróleo representará uma folga orçamental para Portugal na ordem dos 700 milhões de Euros. É muito significativo. Por outro lado, cálculos sobre esta matéria apontam para um outro tipo de resultados sobre os quais merece a pena refletir: nos preços atuais e com os ganhos produzidos, a diferença entre as exportações nacionais e as importações nacionais representam um ganho de 6 mil milhões de Euros, favoráveis à balança comercial do país. Além disto iremos poupar todos na fatura energética: as empresas, o Estado e as famílias.

Esta discussão tem surgido pelo peso e importância que Angola representa no contexto das exportações portugueses e da importância deste mercado para as empresas nacionais. Nada mais verdadeiro.

É um facto que Angola se ressente com este preço do petróleo já que a atividade económica desta matéria-prima representa 40% do PIB, 75% das receitas do Estado e 95% das exportações. Com um orçamento para 2015 considerando um preço por barril de 81 USD, aguarda-se por um orçamento retificativo já no início de fevereiro para o qual, tem sido veiculado pela imprensa, o governo angolano estipulará um preço por barril de 40 USD. Aguardemos para saber.

Angola é já o 5.º mercado de destino das exportações nacionais e o volume das exportações para este país representam cerca de 3 mil milhões de Euros em produtos e/ou mercadorias ao que se soma cerca de 1,5 mil milhões de euros em serviços (são cerca de 6,6% do total do valor exportado) já acima portanto dos EUA. 

Estarão a residir permanentemente em Angola cerca de 250 mil portugueses mais alguns 30 ou 40 milhares que lá trabalham sem vistos de trabalho e que lá permanecem intermitentemente. Estão registadas como exportadoras 9000 empresas com 2000 empresas em Angola detidas por capital nacional.

Independentemente deste cenário, pelos estudos efetuados e pelos valores percebidos, o valor atual do petróleo em termos internacionais é favorável à economia nacional. Estima-se assim que o corrente ano e o próximo possam trazer, se não o verão, pelo menos a primavera à economia portuguesa.

quinta-feira, janeiro 22, 2015

Um Serviço Nacional de Saúde para o século XXI


O SNS tem sido reconhecido não só pela generalidade dos profissionais de saúde mas também por uma larga franja de cidadãos, como um bom sistema e uma das «construções« mais sólidas do período da democracia. Há mesmo quem lhe aponte muitos sinais e exemplos de excelência.

Muito foi feito e investido no SNS ao longo dos anos e muitas das ineficiências foram sendo, também ao longo dos anos, combatidas. Todos temos bons e maus exemplos mas na generalidade, muitos especialistas, estudiosos do tema e profissionais da área que não apenas médicos, testemunharam a sua qualidade comparativa.

Surpreende por isso muitos cidadãos o que se tem passado recentemente nas urgências dos hospitais neste período festivo de Natal e fim de ano. Na opinião de muitos, parece que o colapso se instalou e que os casos dos óbitos ocorridos, ultrapassam o que era esperado e expectável em face de toda a evolução e da qualidade já reconhecida ao SNS.
No hospital Amadora-Sintra, chegou-se ao ponto de um doente ter que esperar em média 22 horas nas urgências para ser atendido. Tal situação, levou à necessidade de contratar de uma só vez 10 médicos para o serviço de urgências. Depois, observando-se o cenário a nível nacional, verificou-se que no Porto esse período de espera foi em média de 18 horas, no centro do país de 10 horas e nos hospitais públicos do sul de cerca de 20 horas. Estas ocorrências foram totalmente inesperadas e levaram à exigência de explicações por parte do governo e alertaram para a necessidade de uma profunda reflexão sobre o que se passa na saúde.

Notícias da primeira semana do ano davam conta que os hospitais de Almada e do Barreiro apresentaram médias de 24 horas de espera nas urgências e que por exemplo o hospital de Abrantes já nem daria respostas quanto ao tempo de espera estimado.

Ouvindo o que os representantes dos enfermeiros e o bastonário da Ordem dos Médicos afirmam, a culpa é da má gestão nas áreas da saúde, da racionalização de meios imposta e da redução dos custos de funcionamento, onde se incluirá  a insuficiente contratação de médicos e/ou o aumento do nº de horas de banco/urgência, imposto pelo governo, o que reduziu estruturas e contribuiu para instalar o caos nas urgências. Haverá médicos e enfermeiros que estão 48 horas em permanência de serviço. Tal não se trata, por isso, de um cenário aceitável e compatível com um país desenvolvido e o que se espera de um SNS como aquele em que o país vinha há muitos anos a investir.

Este cenário em que se vive no momento, tem resultado, segundo várias opiniões provenientes de diversos quadrantes ligados à saúde, da ausência de planeamento adequado por parte do Ministério da Saúde o qual não acautelou o aumento significativo do fluxo de doentes aos hospitais nesta quadra e neste período de Inverno.

A posição tornada pública pela Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros e profissionais da administração hospitalar é que as causas desta situação radicam no mau planeamento o que, a acrescer aos cortes nas verbas da saúde e ao nível mínimo de pessoal em que muitos hospitais operam, muitos deles sem margem de segurança que permita acautelar aumentos da procura, levou à falta de capacidade de resposta das unidades hospitalares.   
Acresce ainda um outro facto curioso: o de os Bombeiros virem a afirmar que as macas chegaram a estar esgotadas e o nº de ambulâncias foi insuficiente para, em determinados períodos, dar resposta às necessidades dos pacientes, situação que não é aliás nova e que já se tinha repetido.

Do lado do governo surgiu a informação, que parece óbvia, de que não é possível adivinhar nem as condições climatéricas que se têm feito sentir neste Inverno, nem o tipo de estirpes da gripe que todos os anos sofrem mutações, fatores associados ao aumento do nº de óbitos nesta época do ano, o que torna difícil uma resposta adequada aos problemas surgidos. Aliado a estes factos está, defende o governo, um outro: a passagem à reforma, no ano transato, de 600 médicos do SNS.

Já a Ordem dos Médicos aponta também a emigração como agravante deste cenário já que é referida a saída para o estrangeiro em 2014 de cerca de 400 especialistas, não porque não fossem necessários, não porque não obtivessem colocação mas sim porque as condições remuneratórias propostas lhes eram muito adversas. A mesma refere também que o problema é ainda agravado porque uma má gestão da saúde permitiu que se deixassem sair estes médicos o que depois levou à necessidade de contratar empresas fornecedoras de mão-de-obra aos hospitais, porém já tarde.

O que se sabe é que no último mês se registou o óbito de 8 pacientes nos serviços de urgência dos hospitais públicos. A Direção Geral de Saúde (DGS) afirma que ocorreram mais 1.900 óbitos para além do esperado nesta época do ano. Entretanto o governo coloca como hipótese vir a contratar médicos reformados para o Centro Hospitalar de Lisboa e voltou a disponibilizar mais 562 camas no serviço público.

Tudo isto exige uma profunda reflexão e debate sobre o que se está a passar no setor da saúde em Portugal. As medidas tomadas ou a tomar, como atrás referido, podem induzir os cidadãos a pensar que nem tudo foi adequadamente planeado e organizado e que os serviços públicos de saúde entraram em rotura por causa disso.

Pelas informações veiculadas na comunicação social e através dos representantes das organizações do setor da saúde, percebe-se mal se há efetivamente falta de médicos; aparentemente parece que sim. No entanto há médicos a ser contratados pontualmente através de empresas prestadoras de serviços afirmando a Ordem dos Médicos que são pagos 8€ por hora nos hospitais públicos quando nos privados lhes são pagos 80€.
Outro aspeto que se entende mal é o acesso à profissão. Em Portugal exige-se os 18 valores como média mínima para o acesso aos cursos de medicina o que limita de forma drástica a preparação de novos médicos. Mas não será a profissão de médico acima de tudo (e sobretudo) uma vocação?

Mereceria a pena uma reflexão sobre a adoção de algumas práticas existentes noutros países, como por exemplo a França (e em algumas universidades na Inglaterra) onde quem quiser e pensar que tem gosto e vocação, entra para medicina. Só depois, no primeiro ano de curso, é feita uma verdadeira seleção segundo critérios de aptidão, notas escolares, sensibilidade, conhecimentos, adaptação, vocação etc.

A restrição em Portugal à entrada de mais alunos leva a que, mais tarde, os mesmos exijam trabalhar nos centros urbanos em vez de no interior e a exigir níveis salariais que o país não consegue pagar.

Importa assim evitar o risco de ver desconstruído e fragilizado o SNS tal como foi concebido e com os méritos que muitos lhe reconhecem. Não se trata apenas e só de um problema de dinheiro. É por isso importante que se escutem os profissionais da saúde: médicos, enfermeiros, gestores hospitalares e outros.