Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, outubro 22, 2014

Portugal – O Turismo e a Economia do Mar


O que fazemos com tanto mar?


Somos um país que sempre teve na designada «economia do mar» um potencial para o crescimento económico e para a afirmação de Portugal no Mundo. Este potencial começa logo na localização geográfica privilegiada, neste fulcro posicional entre Continentes e nesta posição no centro do «triângulo mágico», América Latina, Europa e África. No entanto, após a adesão à CEE, na senda da disponibilização dos fundos comunitários aos novos entrantes e do cumprimento quer das quotas de pesca quer da dimensão da frota pesqueira, o país voltou as costas ao mar e a quase todas as atividades ligadas ao mesmo. Por outras palavras, foram exterminados muitos dos elementos que fariam da «economia do mar», um instrumento e uma aposta estratégica para o crescimento, desenvolvimento e progresso do país.

Para além da riqueza dos recursos da pesca, que resultariam das capacidades de uma forte frota pesqueira, num país em que a Zona Económica Exclusiva o transforma num dos maiores espaços soberanos europeus, das atividades marítimas recreativas, como os desportos náuticos diversos, motorizados ou não motorizados (veja-se o recente caso do surf na Nazaré ou nos Açores ou ainda a vela e o parapente), que podem captar muitos visitantes vindos de fora do país e criar internamente riqueza económica, há também a destacar as oportunidades de divulgação das belezas da costa em termos turísticos, o que levaria ao aproveitamento e melhoramento da orla costeira ao nível do lazer, da restauração e das praias. Para além destes, haverá ainda a salientar o potencial de outras atividades ligadas à indústria marítima como sejam a aquacultura e piscicultura, a gestão e oferta portuária até chegarmos à construção naval.

Destacando esta última e a importância que teve, e poderá ter no futuro, esta indústria, na qual Portugal sempre apresentou fortes pergaminhos e notoriedade em termos internacionais, estou em crer que o país não efetuou as apostas certas para manter o estatuto outrora conseguido e agora perdido. No passado, empresas como a Lisnave, Setenave ou os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, catapultaram o país para o topo da indústria naval mundial. Estivemos sempre entre os melhores e os mais capazes. Hoje, esta indústria vive tempos conturbados e ameaça extinguir-se. Entre outras causas, está a ausência de políticas viradas para o reforço, inovação e eficiência destas atividades, um virar de costas, mais uma vez, à «economia do mar». Deixámos que outros tomassem a dianteira. Num momento em que tanto se discutiu a concessão cedida a privados dos ENVC, com a ameaça e risco do seu afogamento, outros países preparam-se para encarar de frente as oportunidades que aí vêm com as novas diretrizes internacionais que exigem que, navios de grande porte do transporte marítimo mundial, sejam revestidos de dois cascos o que dará muito trabalho a esta indústria uma vez que tal obrigará ao crescimento e intensificação das atividades de reparação naval. Alemanha e Holanda já estão na linha da frente. Onde é que Portugal se posiciona?

Já no caso dos portos, Portugal, que é beneficiado por uma qualquer dádiva divina, reúne características quase únicas não só em portos industriais como Sines, Lisboa e Leixões, mas também ao nível de portos recreativos ou turísticos, uma vez que as características dos rios Douro e Tejo permitem, de forma quase única, uma oferta de serviços distintiva e trazer até ao centro das duas maiores cidades portuguesas navios de recreio e de cruzeiro de grande calado, o que permite colocar Portugal, e em especial Lisboa e Porto, nos principais circuitos de cruzeiro mundiais.

Falemos um pouco do turismo do mar, referindo o exemplo dos Açores. Na ilha de São Miguel tem decorrido todos os anos no Verão uma prova do circuito mundial de surf, o «Azores Islands Pro» uma das etapas de qualificação do World Qualifying Series (WQS) que teve a sua primeira edição em 2009. Noticiava a revista Visão em setembro de 2010 que «Não há carros para alugar, os hotéis estão lotados e os restaurantes muito cheios». Na mesma notícia, e segundo as palavras do então Secretário Regional da Economia do arquipélago: «Queremos afirmar os Açores como um destino de turismo ativo. Temos 30 milhões de euros para investir em campanhas de promoção, durante os próximos dois a três anos». Eis aqui um exemplo em como uma atividade ligada ao mar tem potencial para dinamizar a vida de uma região e contribuir com receitas de relevo.

Mas Portugal não é apenas uma costa de mar para o surf. Recordando um estudo realizado pela revista Newsweek em agosto de 2010, Portugal figurava no 27.º lugar entre um conjunto vasto de países considerados como dos melhores do mundo para viver. Esta análise teve como critérios a qualidade da educação (onde nos posicionámos em 37.º lugar), a saúde (23º lugar), a qualidade de vida (27.º lugar), o dinamismo económico (42º lugar), e por fim o ambiente político (onde arrecadámos a 23.ª posição). A União Europeia colocava, em 2009, Portugal como a 10.ª economia em valor de produto turístico e a 6.ª onde o turismo tinha mais peso no PIB. Dados da AICEP de maio de 2011 com referência à Organização Mundial de Turismo (OMT) e a dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovam a importância do turismo como setor onde há espaço para criar emprego e maior competitividade. No ranking dos principais mercados recetores de turistas da OMT, Portugal encontra-se no grupo dos 10 maiores a nível europeu e dos 25 maiores a nível mundial e, apesar da concorrência externa, dados de 2012, obtidos através do boletim do E.S. Research de junho de 2013, comprovavam que o setor do turismo representava 5,2% do PIB.

O nosso país apresenta outras vantagens comparativas a vários níveis como sejam, o clima, a segurança, a proximidade à costa, a qualidade das praias, campos de golfe de reconhecida qualidade internacional, oferta diversificada (paisagem, casinos, marinas, história e cultura) ou ainda boas ligações aéreas, regulares, charter e low-cost internacionais, a várias capitais da Europa e do Mundo.

Do ponto de vista cultural são inúmeros os locais a visitar em Portugal, se atendermos que, na lista do Património Mundial da UNESCO, se encontram os centros históricos do Porto, Angra do Heroísmo, Guimarães, Évora e Sintra, bem como monumentos em Lisboa, Alcobaça, Batalha e Tomar, as gravuras paleolíticas de Foz Côa, a floresta laurissilva na Ilha da Madeira e as paisagens vitivinícolas do rio Douro e da ilha do Pico. Já quanto à paisagem e às características naturais e geográficas, depois do 2.º lugar obtido pelos Açores em 2011, numa seleção de 111 ilhas ou arquipélagos, numa iniciativa da National Geografic Traveler, que reuniu um painel de 522 peritos em turismo sustentável, e de a ilha do Pico ter sido classificada pela revista Islands como sendo a 4.ª melhor ilha do mundo para ter uma residência ou uma moradia turística, também nesse ano a Madeira foi eleita uma das 10 melhores ilhas europeias pelos leitores (que são mais de 3,5 milhões) da reputada revista Condé Nast Traveller, aparecendo num honroso 6.º lugar.

Ainda dentro dos critérios que pontuam e que constituem as vantagens competitivas do país na oferta turística, se quisermos fazer referência à qualidade das suas unidades hoteleiras, a Madeira marcava presença em 2011 no «25 Top Europe Resorts», conquistando o 21.º lugar com o Reid’s Palace. Em setembro de 2011 recebíamos a notícia de que o World Traveller Awards tinha atribuído a Portugal várias distinções entre as quais a distinção do melhor destino para a prática de golfe e o melhor destino de praia da Europa, não esquecendo as distinções que Lisboa tem obtido no circuito internacional como das melhores cidades para fazer férias e negócios.

Vivemos ainda tempos conturbados atravessando o país uma crise económica e social como há muitos anos não era sentida. Mas como alguém escreveu «O sol, o sal e o mar, trarão a Portugal no futuro, os recursos para a educação, para a saúde e para o progresso». Portugal joga o seu futuro em vários vetores, sendo sem dúvida o turismo um dos mais importantes para o progresso e crescimento económico, apesar de a concorrência externa ser cada vez mais forte, de, nos últimos anos, em especial a partir da crise iniciada em 2008, estarem encontrados novos destinos turísticos até aqui desconhecidos ou de se terem registado diferentes comportamentos, objetivos e expetativas na procura turística. Posto isto, muito trabalho está ainda por fazer tendo que ser adotados novos posicionamentos na oferta pois a procura turística tem vindo a exigir diferentes tipos de produto turístico, em especial ao nível do serviço, da flexibilidade e da conveniência, áreas que os agentes turísticos nacionais têm por vezes acompanhado mal.

Vemos hoje os sinais da crise os quais vieram alterar quer a procura quer a oferta turística entre os principais países concorrentes, ainda que tenhamos que olhar qualquer país do Mundo como um concorrente. Se atendermos por exemplo aos dados do INE de 2009, ano seguinte ao início da crise que trespassou a Europa, verificamos que a hotelaria registou 23,4 milhões de dormidas de turistas em Portugal, o que correspondeu a uma variação homóloga negativa de 10,7%. O grupo dos principais mercados emissores apresentou um desempenho maioritariamente negativo, liderado pelo Reino Unido (-21%). Neste ano, as receitas turísticas inverteram a tendência de crescimento do ano anterior, com uma quebra de 7,1%, acompanhando o comportamento das dormidas na hotelaria, sendo a maior parte dos turistas que visitam Portugal oriundos principalmente da União Europeia, com o Brasil e os EUA a constituírem as únicas exceções no conjunto dos 10 maiores mercados emissores de turistas para o nosso país.

Há no entanto que destacar as boas performances que o setor tem ultimamente registado em especial na qualidade da oferta de alguns agentes turísticos nacionais o que se prova através de resultados que evidenciam a relevância que o turismo representa para o crescimento económico e afirmação do país no exterior. Veja-se por exemplo o que resulta de um estudo realizado no verão de 2011 pelo Turismo de Portugal o qual concluíu que 85% dos turistas querem voltar de férias a Portugal e que 89% destes ficaram muito satisfeitos com as suas férias no país. Há,aliás, uma franja de 34% destes visitantes que afirma que ficaram acima das suas expetativas. Este estudo divulgou que o Algarve foi destino para 46% dos visitantes e a região de Lisboa para 42% daqueles. A cidade de Guimarães ficou com uma quota de 6% devido certamente ao facto de ter sido a Capital Europeia da Cultura.

Igualmente relevante foi constatar que 40% dos turístas escolheram o destino Portugal através da Internet, o que pode indiciar, por um lado, a falta de outras ações ou estratégias de comunicação alternativas mas por outro lado a importância deste meio de divulgação que dá a informação aos agentes turísticos ofertantes de que estes têm que se apetrechar com as novas ferramentas de comunicação e divulação da sua oferta, respondendo assim às exigências do mundo moderno.

Nota: Texto publicado na Revista Plano_#2,verão 2014, p.97-99.

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sábado, outubro 11, 2014

TAP: privatize-se, já!

Há quem faça o caminho da esquerda para a direita, mais comum, há quem faça o caminho da direita para a esquerda, há quem faça o caminho dentro de cada uma das correntes, de posições mais radicais para posições mais moderadas, e há quem faça o percurso inverso. Pessoalmente fiz um caminho da ideologia para o que considero certo ou errado, justo ou injusto, ou melhor, mais certo do que errado, mais justo do que injusto.

No que respeita às privatizações comecei por ser contra as de alguns setores estratégicos – não carece explicar aqui as razões – e depois passei a ser mais favorável. E comecei a ser mais favorável não por razões ideológicas, mas por razões práticas. A mudança começou no dia em que essas empresas perderam a sua identidade e se passaram a assemelhar a empresas privadas, copiando modelos e práticas. Concretizando com um exemplo, quando os CTT transformaram as estações de correios em bazares chineses e os empregados – deverei dizer colaboradores – me oferecem lotaria sempre que lá vou, não reconheço ali a dignidade de um serviço do Estado. Se nada distingue o público do privado, então que se venda, pelo menos não dá prejuízo, que um dia terá de ser pago.

Esta minha evolução começou assim. Perante cada caso, analisava já mais o comportamento da empresa em causa do que os benefícios mais tangíveis ou mais intangíveis para o país, porque é com as práticas quotidianas que eu lido e não com os benefícios macroeconómicos que no imediato não sinto. Houve uma empresa – a TAP – em que me mantinha mais ou menos neutral. Apesar de a empresa dar cronicamente prejuízo, de ter periódicas injeções de capital, e de isso um dia ter de ser pago, apesar das greves de pilotos e afins sempre por mais dinheiro numa empresa deficitária, mantinha-me neutral. Agradava-me ver os aviões brancos com a bandeira portuguesa e nomes de navegadores e outras figuras da nossa história, ao lado de outras companhias aéreas de bandeira, agradava-me o profissionalismo – por vezes snobe – e o aprumo das tripulações, e mais do que tudo confiava na segurança da sua quase mítica manutenção. Cheguei mesmo – para destinos mais inóspitos – a adiar a viagem ou pagar mais para voar na TAP. No fundo confiava na empresa e via nela um motivo de orgulho nacional: eis como temos, num sector nobre, uma empresa tão boa ou melhor do que as outras. A minha opinião tem vindo a evoluir nos últimos anos e foi alterada para «venda-se já» há umas semanas» depois de uma viagem de regresso de Londres. 

Nessa viagem paguei bilhete TAP, mas voei numa empresa chamada White. Isso não me foi dito, e como era de noite, e entrei por uma manga, nem dei conta do aspeto do avião. Mas lá dentro percebi que não era TAP. 

A conferir as diferenças:
  1. A tripulação envergava fardas White;
  2. A tripulação não tinha o aprumo TAP; 
  3. A tripulação falava entre si, contava piadas e tinha conversas laterais, mesmo com algum calão, em tom suficientemente audível para os passageiros ouvirem;
  4. Um jovem assistente de bordo apresentava uma camisa branca que parecia ter saído diretamente da máquina de lavar a 60º e sem ver ferro para o tronco do dito;
  5. Outro assistente, ao pedido de um passageiro para trocar o sumo de manga, respondeu que os sumos eram todos iguais; foi o passageiro que viajava ao lado que trocou o sumo com o primeiro; o assistente desculpou-se por não ter reparado, isto quando estava já nas últimas filas de distribuição da refeição;
  6. Não existia nos bancos a habitual revista da TAP, nem sequer televisão;
  7. O passageiro à minha esquerda abandonou o lugar depois da refeição para se ir sentar na executiva ao lado de alguém que deduzi ser o chefe dele; deixou o apoio de mesa aberto com o boião da fruta em cima, e o «assistente da camisa amarrotada» perguntou-me se ele já tinha bebido o sumo para poder recolher o boião, ao que lhe respondi não fazer ideia; em padrão TAP isto seria impensável;
  8. O assistente amarrotado andou a fazer a recolha das embalagens das refeições em – pasme-se – um grande saco de lixo transparente: isto seria mais do que impensável no padrão TAP.
Concluindo, paguei bilhete TAP mas voei com a White, sem ser avisado, o que me parece, no mínimo, enganoso, e viajei com um padrão inferior ao da TAP, com uma tripulação de padrão inferior ao da TAP.  A ser assim no que é visível, admito que possa não ser muito diferente no que não é visível. Por mim, o meu «veredito-cidadão» está feito: que se venda aquilo e quanto mais depressa melhor.

Foto - Paulo J. S. Barata