Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quinta-feira, novembro 13, 2014

O preço do vinho e os mercados imperfeitos



Desenho - garrafa, código barras. Fotosearch - Busca de Ilustrações Clip Arte, Posters de Parede, e Vetores Gráficos EPS

A. FRES Vinhos

Os visitantes deste blogue questionarão se o FRES mudou de agulha e transformou-se de grupo de reflexão económica e social em irmandade dos amigos de Baco. Não é o caso, se bem que o grupo integre confrades dotados de conhecimentos vínicos ao nível dalguns fazedores de opinião profissionais e consagrados. Para além disso, vários fresianos têm olfatos e palatos tão apurados e exigentes que conseguem deixar a anos-luz, no momento do casamento entre os vinhos e a comida, determinados chefes de mesa de restaurantes de nomeada.

FRES Vinhos constitui tão-só uma designação agregadora de posts associados ao vinho; no fundo é um elemento de dinamização dum produto tradicional da economia nacional. Nasce agora e, por falta de contributos, pode morrer dentro em breve. Apenas importa a intenção de atribuir ao setor vinícola a consideração que merece. Poderíamos desagregar o FRES por diversas áreas. FRES Vinhos é uma expressão comparável a FRES Impostos, área implícita composta pelos posts alusivos à fiscalidade. Quanto à classificação de assuntos, a etiqueta que talvez eu deva enaltecer refere-se a FRES Democracia, que junta uma série de contributos e reflexões acerca da democracia nacional, tendo culminado com a honra prestada ao 40.º aniversário do 25 de Abril.

Voltemos ao FRES Vinhos. Em primeiro lugar gostaria de declarar que não faço parte dos subconjuntos de fresianos acima identificados, sejam os experientes conhecedores das andanças do vinho ou os simples consumidores refinados. Saliente-se que, por outro lado, não tenho qualquer interesse económico nos setores da vinha e do vinho. Antes de avançar cumpre ainda informar que a grainha que esteve na génese do post em questão foi o preço do vinho no mercado internacional, como o título indiciará.

B. Da produção à exportação
B.1. Comércio internacional
O néctar milenar, expandido a partir do Antigo Egito, apadrinhado por Dionísio (e depois por Baco) e atualmente apreciado pela generalidade dos povos – exceto os muçulmanos, por motivos religiosos –, representava em 2012 cerca de 0,2% do comércio internacional. Ampliando as objetivas, conclui-se que 90% do comércio estava concentrado somente em 24 territórios (que, no seu conjunto, correspondiam a aproximadamente 36% da população e 72% do PIB mundiais). Considerou-se 2012 por ser o último ano em que estão disponíveis dados agregados definitivos respeitantes a todas as rubricas utilizadas nos dois gráficos do presente post.

O gráfico 1 expõe essas duas dúzias de territórios, dos quais nove são exportadores líquidos de vinho – os do lado esquerdo do eixo horizontal. Entre os 15 principais importadores líquidos, destacam-se os EUA e a Alemanha pelo facto de serem, respetivamente, o sexto e o sétimo maiores exportadores mundiais (atrás de França, Itália, Espanha, Austrália e Chile). Os 11 países exportadores atrás indicados – 9 + 2 – detinham quase 96% do valor (93% do volume) das exportações mundiais, razão pela qual convém que sobre eles recaia uma atenção algo refinada, o que acontecerá nas próximas duas subsecções.

Gráfico 1

Portugal era o 10.º no ranking, só à frente da África do Sul e da Nova Zelândia, consoante se trate de valor ou de volume das exportações – o valor sul-africano e o volume neozelandês exportados representavam 92% e 52% dos correspondentes valor e volume das exportações portuguesas. O montante anual das importações de vinho nacionais equivalia a 12% das exportações efetuadas em igual período.

A França, a Itália e a Espanha detinham 56% do volume – 15%, 21% e 20%, pela mesma ordem – e 60% do valor das exportações mundiais – cabendo cerca de metade ao primeiro país e aproximadamente um terço ao segundo. Uns exíguos 8% do montante global das exportações estavam reservados, no outro extremo, à Alemanha, a Portugal e ao Reino Unido. Os seis principais países exportadores emergentes nas últimas décadas – África do Sul, Argentina, Austrália, Chile, EUA e Nova Zelândia (doravante Novo Mundo) – possuíam 25% da quota de mercado do valor da exportação mundial, cada um deles com um peso semelhante ou superior ao do nosso País.

O Novo Mundo do vinho praticamente não tinha expressão até aos anos 80. Recorde-se que ele não brotou nem fluiu duma forma natural; antes pelo contrário. O fórceps foi a astuta iniciativa montada pelos norte-americanos, que permitiu demonstrar à razão que, por as crenças e os preconceitos distorcerem a concorrência, os mercados são muitas vezes imperfeitos e irracionais. Refiro-me essencialmente ao acontecimento fraturante que ficou gravado na História como o Julgamento de Paris, ocorrido em 1976. Voltaremos a este assunto em posterior oportunidade, por ser deveras importante para o cabal esclarecimento dalgumas lendas acerca da qualidade e do preço do vinho.

Na segunda metade da década de 80 a referida meia dúzia de novos países, ainda hoje apodada de interessantes, não ocupava mais do que 3% do volume das exportações mundiais de vinho. No final do milénio representava cerca de 15%, passando para quase o dobro (28%) apenas uma década depois. Tal acréscimo da quota de mercado – em termos quantitativos – foi necessariamente obtido sobretudo à custa dos tradicionais exportadores europeus de referência, em especial a França e a Itália. Apesar de os maiores países europeus verem as suas quotas percentuais cortadas, conheceram – com destaque para a Espanha e a Itália – aumentos significativos no volume de produção, fruto do crescimento sustentado do consumo mundial. Note-se por exemplo que, não obstante a partir de 2007 a contração da quantidade consumida ter rondado os 6%, nos primeiros sete anos do milénio o consumo reforçara-se à volta de 13%.

B.2. Análise por país exportador
Do gráfico 2 consta um conjunto de informação alusiva aos 11 principais países exportadores. Apresentam-se da esquerda para a direita, por ordem decrescente do preço médio das exportações, variável central do presente post, conforme mencionado. Antes de abordar esta variável, interprete-se a restante informação do gráfico, que permite enquadrar objetivamente o tema em apreço.

Gráfico 2


Pode observar-se que a relação entre os volumes de vinho exportado e produzido era substancialmente maior na Nova Zelândia (91%), o dobro da média ponderada do peso calculado para o universo dos países identificados – 54% em Portugal. O gráfico mostra igualmente a decomposição daquela relação, evidenciando os rácios entre a quantidade de vinho exportado e consumido em cada país, por um lado, e entre o vinho consumido e produzido, por outro.

Em cinco países o volume exportado superava o consumo interno – de 109% na África do Sul a 277% no Chile, passando pela Austrália, Nova Zelândia e Espanha. O rácio médio ponderado nos 11 países era de 65% – 73% em Portugal. Nos mesmos cinco países registava-se o menor peso entre o consumo e a produção. O peso era naturalmente maior nos dois países importadores líquidos já explicitados: os EUA e a Alemanha. O peso médio ponderado era de 70% – 74% em Portugal.

Atenda-se a que para o efeito se considerou a quantidade total de vinho (de qualquer tipo, nomeadamente tranquilo, gaseificado e fortificado), engarrafado em recipientes com capacidade até dois litros, bem como o vinho comercializado a granel, embora este último conceito abarque uma diversidade de situações. De facto, de acordo com os critérios internacionais, o vinho a granel vai desde o vinho envasilhado em recipientes com capacidade superior a dois litros vendido aos consumidores finais até ao exportado em contentores (apropriados à preservação das características organoléticas do vinho) e engarrafado somente nos mercados de destino.

B.3. Quantidade, qualidade e preço

Entre os 11 países, os vinhos franceses eram indiscutivelmente os mais bem vendidos: 6,83 dólares por litro. Acima da média (ponderada, de 3,26 dólares) encontravam-se ainda a Nova Zelândia e os EUA – respetivamente 5,93 e 3,45. Portugal (com 2,64 dólares) situava-se 19% abaixo da média. Os entendidos nas áreas da vinha e do vinho costumam defender a premissa de que normalmente a quantidade e a qualidade da produção evoluem em sentidos opostos. Assim sendo, por aplicação da premissa, são forçados a explicar o preço do vinho em função da quantidade produzida e a preconizar que esse preço é um indicador da qualidade do bem transacionado.

Desmonta-se facilmente a forma intransigente como inúmeras vezes a premissa é divulgada. Para além de não haver qualquer relação inversa entre o preço do vinho exportado e o volume das exportações, verificava-se pelo contrário uma relação positiva forte (de 0,78), o que viola uma lei fundamental do funcionamento dos mercados em ambiente de forte concorrência, segundo a qual, para uma determinada quantidade procurada, quanto maior for a quantidade oferecida, maior será a pressão para os preços descerem.

Retorquirão os mais céticos que o preço não depende da quantidade (ou do volume) mas sim da qualidade. À partida admite-se este argumento apenas se os céticos não foram os mesmos que apoiam a premissa (já identificada) sobre a relação inversa entre a quantidade e a qualidade. Porém o argumento torna-se bastante questionável, porquanto para assegurar a sua validade seria preciso comprovar que é a qualidade exalada pelo vinho francês – note-se que a França possuía uma quota de mercado do valor da exportação mundial de vinho de 31% (15% em volume) – que justifica a divergência abissal de preço face à maioria dos demais concorrentes de quaisquer plagas, do Velho e do Novo Mundo. A matéria será desenvolvida em tempo oportuno.

Outra perspetiva que merece ser analisada prende-se com a produtividade das vinhas. Com efeito, relacionar o preço e a quantidade do vinho exportado pode não ser suficiente para equacionar as diferenças de preços, pois a quantidade é per se uma variável absoluta. Existe assim a necessidade de articular o volume de exportação com a área utilizada (no pressuposto normal que a vinha usada para o vinho de exportação tem uma produtividade idêntica à da vinha usada para o vinho consumido no mercado interno). É por isso que no gráfico 2 consta a produtividade das vinhas em cada um dos países.

A relação estatística entre o preço médio do vinho exportado e a produtividade média das vinhas é nula. No domínio da produtividade o nosso País destacava-se humildemente face aos restantes, ou seja, pela negativa, com apenas 2,67 quilolitros de vinho por hectare de vinha, i.e., 46% abaixo da produtividade média (4,93). Conjugando essas duas variáveis, por exemplo através da semissoma do preço do vinho exportado e da produtividade das vinhas (mesmo que o resultado não tenha significado económico), denota-se claramente que os países mais bem colocados eram a França, a Alemanha e a Nova Zelândia – o primeiro e o terceiro são exportadores líquidos antípodas tanto em termos geográficos como em relação à tradição vinícola. Enquanto a França ocupava a alcandorada posição, o carro-vassoura seguia o trilho da Espanha, que estava pouco atrás do seu vizinho ibérico.

Numa distância demasiado curta à dimensão planetária mas enorme à escala das condições climatéricas para a floração das videiras e a maturação das uvas – distância à volta de dois mil quilómetros, entre as regiões vinícolas do soalheiro sul de Portugal e do sombrio norte da França –, assiste-se aos extremos incrustados de geração em geração, de mito em mito: entre Portugal e França, cada um tem o que a (des)ditosa fama dita. Trata-se duma evidência preocupante que merece uma atenção acrescida, até porque ainda não surgiu a tão aguardada retoma do consumo mundial, bastante atingido pela crise económica avolumada a partir de 2008 e, como se o atraso da retoma não bastasse, o preço real do vinho encontra-se ao nível do do início do milénio.

C. Principais mitos

No próximo post tentarei avançar com algumas explicações para o arrepiante e misterioso hiato entre o preço médio do vinho francês e o preço praticado pelos outros países. Para entrar no âmago do preço irei apresentar, sob a forma do desenraizamento de mitos, algumas hipóteses simples em relação ao dogma frequentemente instituído de que le vin c’est français e o resto é pouco mais do que paisagem. A tentativa poderá soar a ousadia da minha parte, admitindo portanto que choverão reações severas vindas dos especialistas dos vários quadrantes.

Certamente que alguns entusiásticos membros das ordens regulares e demais críticos doutrinários ficarão abespinhados comigo por considerem que a desmistificação que procuro encetar não passa duma blasfema manifestação de opinião. Uns acusar-me-ão de insolência ou arrogância; outros somente de desconhecimento ou ingenuidade. Assim seja, embora deva anunciar de antemão que partirei para o exercício com a mente aberta a todas as conclusões.

Se no atual post as evidências resultaram do tratamento dos dados publicados por vários organismos internacionais, com destaque para a Organização Internacional da Vinha e do Vinho, no próximo as desmistificações – ou blasfémias, como entenderem – basear-se-ão essencialmente na viagem silenciosa, ascética e enclausurada ao mundo vínico, para não ser influenciado pela subjetividade inebriante doutras pessoas em relação ao espírito que a bebida transmite.

Procurarei desmontar oito mitos que, a meu ver, têm influenciado determinantemente o preço dos vinhos e distorcem o mercado internacional – e por conseguinte a concorrência –, a saber:
1) A alma do vinho é o seu terroir.
2) O corpo do vinho consiste nas castas.
3) A produção massiva reflete-se negativamente na qualidade e no preço do vinho.
4) Os vinhos de alta qualidade têm marcantes características singulares.
5) Os vinhos ambiciosos melhoram com a idade.
6) Os vinhos superiores dispensam a boca.
7) A Cabernet Sauvignon é de Bordéus e o resto não passa de imitação.
8) A França contém as regiões vinícolas mais distintas do Mundo.


Para quem sente como dogmas as oito afirmações, poderá a si próprio fazer o desafio de refletir sobre as mesmas – ainda que a tarefa dificilmente se vislumbre, a qual será tanto mais improvável quanto mais enfeudadas à corrente dominante estiverem as opiniões. O que para uns são teorias incontestáveis ou convicções escudadas, para mim não passa de mitos. Tentarei ser claro e objetivo na atrevida tarefa de refutar as mencionadas afirmações míticas – que em rigor são apenas uma amostra –, permitindo concluir que os fundamentalismos abundam e vão para além do clubismo, da religião ou da política. Alea jacta est.

quarta-feira, outubro 22, 2014

Portugal – O Turismo e a Economia do Mar


O que fazemos com tanto mar?


Somos um país que sempre teve na designada «economia do mar» um potencial para o crescimento económico e para a afirmação de Portugal no Mundo. Este potencial começa logo na localização geográfica privilegiada, neste fulcro posicional entre Continentes e nesta posição no centro do «triângulo mágico», América Latina, Europa e África. No entanto, após a adesão à CEE, na senda da disponibilização dos fundos comunitários aos novos entrantes e do cumprimento quer das quotas de pesca quer da dimensão da frota pesqueira, o país voltou as costas ao mar e a quase todas as atividades ligadas ao mesmo. Por outras palavras, foram exterminados muitos dos elementos que fariam da «economia do mar», um instrumento e uma aposta estratégica para o crescimento, desenvolvimento e progresso do país.

Para além da riqueza dos recursos da pesca, que resultariam das capacidades de uma forte frota pesqueira, num país em que a Zona Económica Exclusiva o transforma num dos maiores espaços soberanos europeus, das atividades marítimas recreativas, como os desportos náuticos diversos, motorizados ou não motorizados (veja-se o recente caso do surf na Nazaré ou nos Açores ou ainda a vela e o parapente), que podem captar muitos visitantes vindos de fora do país e criar internamente riqueza económica, há também a destacar as oportunidades de divulgação das belezas da costa em termos turísticos, o que levaria ao aproveitamento e melhoramento da orla costeira ao nível do lazer, da restauração e das praias. Para além destes, haverá ainda a salientar o potencial de outras atividades ligadas à indústria marítima como sejam a aquacultura e piscicultura, a gestão e oferta portuária até chegarmos à construção naval.

Destacando esta última e a importância que teve, e poderá ter no futuro, esta indústria, na qual Portugal sempre apresentou fortes pergaminhos e notoriedade em termos internacionais, estou em crer que o país não efetuou as apostas certas para manter o estatuto outrora conseguido e agora perdido. No passado, empresas como a Lisnave, Setenave ou os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, catapultaram o país para o topo da indústria naval mundial. Estivemos sempre entre os melhores e os mais capazes. Hoje, esta indústria vive tempos conturbados e ameaça extinguir-se. Entre outras causas, está a ausência de políticas viradas para o reforço, inovação e eficiência destas atividades, um virar de costas, mais uma vez, à «economia do mar». Deixámos que outros tomassem a dianteira. Num momento em que tanto se discutiu a concessão cedida a privados dos ENVC, com a ameaça e risco do seu afogamento, outros países preparam-se para encarar de frente as oportunidades que aí vêm com as novas diretrizes internacionais que exigem que, navios de grande porte do transporte marítimo mundial, sejam revestidos de dois cascos o que dará muito trabalho a esta indústria uma vez que tal obrigará ao crescimento e intensificação das atividades de reparação naval. Alemanha e Holanda já estão na linha da frente. Onde é que Portugal se posiciona?

Já no caso dos portos, Portugal, que é beneficiado por uma qualquer dádiva divina, reúne características quase únicas não só em portos industriais como Sines, Lisboa e Leixões, mas também ao nível de portos recreativos ou turísticos, uma vez que as características dos rios Douro e Tejo permitem, de forma quase única, uma oferta de serviços distintiva e trazer até ao centro das duas maiores cidades portuguesas navios de recreio e de cruzeiro de grande calado, o que permite colocar Portugal, e em especial Lisboa e Porto, nos principais circuitos de cruzeiro mundiais.

Falemos um pouco do turismo do mar, referindo o exemplo dos Açores. Na ilha de São Miguel tem decorrido todos os anos no Verão uma prova do circuito mundial de surf, o «Azores Islands Pro» uma das etapas de qualificação do World Qualifying Series (WQS) que teve a sua primeira edição em 2009. Noticiava a revista Visão em setembro de 2010 que «Não há carros para alugar, os hotéis estão lotados e os restaurantes muito cheios». Na mesma notícia, e segundo as palavras do então Secretário Regional da Economia do arquipélago: «Queremos afirmar os Açores como um destino de turismo ativo. Temos 30 milhões de euros para investir em campanhas de promoção, durante os próximos dois a três anos». Eis aqui um exemplo em como uma atividade ligada ao mar tem potencial para dinamizar a vida de uma região e contribuir com receitas de relevo.

Mas Portugal não é apenas uma costa de mar para o surf. Recordando um estudo realizado pela revista Newsweek em agosto de 2010, Portugal figurava no 27.º lugar entre um conjunto vasto de países considerados como dos melhores do mundo para viver. Esta análise teve como critérios a qualidade da educação (onde nos posicionámos em 37.º lugar), a saúde (23º lugar), a qualidade de vida (27.º lugar), o dinamismo económico (42º lugar), e por fim o ambiente político (onde arrecadámos a 23.ª posição). A União Europeia colocava, em 2009, Portugal como a 10.ª economia em valor de produto turístico e a 6.ª onde o turismo tinha mais peso no PIB. Dados da AICEP de maio de 2011 com referência à Organização Mundial de Turismo (OMT) e a dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) comprovam a importância do turismo como setor onde há espaço para criar emprego e maior competitividade. No ranking dos principais mercados recetores de turistas da OMT, Portugal encontra-se no grupo dos 10 maiores a nível europeu e dos 25 maiores a nível mundial e, apesar da concorrência externa, dados de 2012, obtidos através do boletim do E.S. Research de junho de 2013, comprovavam que o setor do turismo representava 5,2% do PIB.

O nosso país apresenta outras vantagens comparativas a vários níveis como sejam, o clima, a segurança, a proximidade à costa, a qualidade das praias, campos de golfe de reconhecida qualidade internacional, oferta diversificada (paisagem, casinos, marinas, história e cultura) ou ainda boas ligações aéreas, regulares, charter e low-cost internacionais, a várias capitais da Europa e do Mundo.

Do ponto de vista cultural são inúmeros os locais a visitar em Portugal, se atendermos que, na lista do Património Mundial da UNESCO, se encontram os centros históricos do Porto, Angra do Heroísmo, Guimarães, Évora e Sintra, bem como monumentos em Lisboa, Alcobaça, Batalha e Tomar, as gravuras paleolíticas de Foz Côa, a floresta laurissilva na Ilha da Madeira e as paisagens vitivinícolas do rio Douro e da ilha do Pico. Já quanto à paisagem e às características naturais e geográficas, depois do 2.º lugar obtido pelos Açores em 2011, numa seleção de 111 ilhas ou arquipélagos, numa iniciativa da National Geografic Traveler, que reuniu um painel de 522 peritos em turismo sustentável, e de a ilha do Pico ter sido classificada pela revista Islands como sendo a 4.ª melhor ilha do mundo para ter uma residência ou uma moradia turística, também nesse ano a Madeira foi eleita uma das 10 melhores ilhas europeias pelos leitores (que são mais de 3,5 milhões) da reputada revista Condé Nast Traveller, aparecendo num honroso 6.º lugar.

Ainda dentro dos critérios que pontuam e que constituem as vantagens competitivas do país na oferta turística, se quisermos fazer referência à qualidade das suas unidades hoteleiras, a Madeira marcava presença em 2011 no «25 Top Europe Resorts», conquistando o 21.º lugar com o Reid’s Palace. Em setembro de 2011 recebíamos a notícia de que o World Traveller Awards tinha atribuído a Portugal várias distinções entre as quais a distinção do melhor destino para a prática de golfe e o melhor destino de praia da Europa, não esquecendo as distinções que Lisboa tem obtido no circuito internacional como das melhores cidades para fazer férias e negócios.

Vivemos ainda tempos conturbados atravessando o país uma crise económica e social como há muitos anos não era sentida. Mas como alguém escreveu «O sol, o sal e o mar, trarão a Portugal no futuro, os recursos para a educação, para a saúde e para o progresso». Portugal joga o seu futuro em vários vetores, sendo sem dúvida o turismo um dos mais importantes para o progresso e crescimento económico, apesar de a concorrência externa ser cada vez mais forte, de, nos últimos anos, em especial a partir da crise iniciada em 2008, estarem encontrados novos destinos turísticos até aqui desconhecidos ou de se terem registado diferentes comportamentos, objetivos e expetativas na procura turística. Posto isto, muito trabalho está ainda por fazer tendo que ser adotados novos posicionamentos na oferta pois a procura turística tem vindo a exigir diferentes tipos de produto turístico, em especial ao nível do serviço, da flexibilidade e da conveniência, áreas que os agentes turísticos nacionais têm por vezes acompanhado mal.

Vemos hoje os sinais da crise os quais vieram alterar quer a procura quer a oferta turística entre os principais países concorrentes, ainda que tenhamos que olhar qualquer país do Mundo como um concorrente. Se atendermos por exemplo aos dados do INE de 2009, ano seguinte ao início da crise que trespassou a Europa, verificamos que a hotelaria registou 23,4 milhões de dormidas de turistas em Portugal, o que correspondeu a uma variação homóloga negativa de 10,7%. O grupo dos principais mercados emissores apresentou um desempenho maioritariamente negativo, liderado pelo Reino Unido (-21%). Neste ano, as receitas turísticas inverteram a tendência de crescimento do ano anterior, com uma quebra de 7,1%, acompanhando o comportamento das dormidas na hotelaria, sendo a maior parte dos turistas que visitam Portugal oriundos principalmente da União Europeia, com o Brasil e os EUA a constituírem as únicas exceções no conjunto dos 10 maiores mercados emissores de turistas para o nosso país.

Há no entanto que destacar as boas performances que o setor tem ultimamente registado em especial na qualidade da oferta de alguns agentes turísticos nacionais o que se prova através de resultados que evidenciam a relevância que o turismo representa para o crescimento económico e afirmação do país no exterior. Veja-se por exemplo o que resulta de um estudo realizado no verão de 2011 pelo Turismo de Portugal o qual concluíu que 85% dos turistas querem voltar de férias a Portugal e que 89% destes ficaram muito satisfeitos com as suas férias no país. Há,aliás, uma franja de 34% destes visitantes que afirma que ficaram acima das suas expetativas. Este estudo divulgou que o Algarve foi destino para 46% dos visitantes e a região de Lisboa para 42% daqueles. A cidade de Guimarães ficou com uma quota de 6% devido certamente ao facto de ter sido a Capital Europeia da Cultura.

Igualmente relevante foi constatar que 40% dos turístas escolheram o destino Portugal através da Internet, o que pode indiciar, por um lado, a falta de outras ações ou estratégias de comunicação alternativas mas por outro lado a importância deste meio de divulgação que dá a informação aos agentes turísticos ofertantes de que estes têm que se apetrechar com as novas ferramentas de comunicação e divulação da sua oferta, respondendo assim às exigências do mundo moderno.

Nota: Texto publicado na Revista Plano_#2,verão 2014, p.97-99.

Foto 

sábado, outubro 11, 2014

TAP: privatize-se, já!

Há quem faça o caminho da esquerda para a direita, mais comum, há quem faça o caminho da direita para a esquerda, há quem faça o caminho dentro de cada uma das correntes, de posições mais radicais para posições mais moderadas, e há quem faça o percurso inverso. Pessoalmente fiz um caminho da ideologia para o que considero certo ou errado, justo ou injusto, ou melhor, mais certo do que errado, mais justo do que injusto.

No que respeita às privatizações comecei por ser contra as de alguns setores estratégicos – não carece explicar aqui as razões – e depois passei a ser mais favorável. E comecei a ser mais favorável não por razões ideológicas, mas por razões práticas. A mudança começou no dia em que essas empresas perderam a sua identidade e se passaram a assemelhar a empresas privadas, copiando modelos e práticas. Concretizando com um exemplo, quando os CTT transformaram as estações de correios em bazares chineses e os empregados – deverei dizer colaboradores – me oferecem lotaria sempre que lá vou, não reconheço ali a dignidade de um serviço do Estado. Se nada distingue o público do privado, então que se venda, pelo menos não dá prejuízo, que um dia terá de ser pago.

Esta minha evolução começou assim. Perante cada caso, analisava já mais o comportamento da empresa em causa do que os benefícios mais tangíveis ou mais intangíveis para o país, porque é com as práticas quotidianas que eu lido e não com os benefícios macroeconómicos que no imediato não sinto. Houve uma empresa – a TAP – em que me mantinha mais ou menos neutral. Apesar de a empresa dar cronicamente prejuízo, de ter periódicas injeções de capital, e de isso um dia ter de ser pago, apesar das greves de pilotos e afins sempre por mais dinheiro numa empresa deficitária, mantinha-me neutral. Agradava-me ver os aviões brancos com a bandeira portuguesa e nomes de navegadores e outras figuras da nossa história, ao lado de outras companhias aéreas de bandeira, agradava-me o profissionalismo – por vezes snobe – e o aprumo das tripulações, e mais do que tudo confiava na segurança da sua quase mítica manutenção. Cheguei mesmo – para destinos mais inóspitos – a adiar a viagem ou pagar mais para voar na TAP. No fundo confiava na empresa e via nela um motivo de orgulho nacional: eis como temos, num sector nobre, uma empresa tão boa ou melhor do que as outras. A minha opinião tem vindo a evoluir nos últimos anos e foi alterada para «venda-se já» há umas semanas» depois de uma viagem de regresso de Londres. 

Nessa viagem paguei bilhete TAP, mas voei numa empresa chamada White. Isso não me foi dito, e como era de noite, e entrei por uma manga, nem dei conta do aspeto do avião. Mas lá dentro percebi que não era TAP. 

A conferir as diferenças:
  1. A tripulação envergava fardas White;
  2. A tripulação não tinha o aprumo TAP; 
  3. A tripulação falava entre si, contava piadas e tinha conversas laterais, mesmo com algum calão, em tom suficientemente audível para os passageiros ouvirem;
  4. Um jovem assistente de bordo apresentava uma camisa branca que parecia ter saído diretamente da máquina de lavar a 60º e sem ver ferro para o tronco do dito;
  5. Outro assistente, ao pedido de um passageiro para trocar o sumo de manga, respondeu que os sumos eram todos iguais; foi o passageiro que viajava ao lado que trocou o sumo com o primeiro; o assistente desculpou-se por não ter reparado, isto quando estava já nas últimas filas de distribuição da refeição;
  6. Não existia nos bancos a habitual revista da TAP, nem sequer televisão;
  7. O passageiro à minha esquerda abandonou o lugar depois da refeição para se ir sentar na executiva ao lado de alguém que deduzi ser o chefe dele; deixou o apoio de mesa aberto com o boião da fruta em cima, e o «assistente da camisa amarrotada» perguntou-me se ele já tinha bebido o sumo para poder recolher o boião, ao que lhe respondi não fazer ideia; em padrão TAP isto seria impensável;
  8. O assistente amarrotado andou a fazer a recolha das embalagens das refeições em – pasme-se – um grande saco de lixo transparente: isto seria mais do que impensável no padrão TAP.
Concluindo, paguei bilhete TAP mas voei com a White, sem ser avisado, o que me parece, no mínimo, enganoso, e viajei com um padrão inferior ao da TAP, com uma tripulação de padrão inferior ao da TAP.  A ser assim no que é visível, admito que possa não ser muito diferente no que não é visível. Por mim, o meu «veredito-cidadão» está feito: que se venda aquilo e quanto mais depressa melhor.

Foto - Paulo J. S. Barata

quinta-feira, julho 31, 2014

BES: a regulação volta a falhar...


O Banco Espírito Santo (BES) registou nos primeiros seis meses deste ano um prejuízo de 3600 milhões de euros. Parece que tem capitais – a tal almofada – de 2100 milhões de euros. Ficam a descoberto 1500 milhões. O banco vai ter de sofrer nova injeção de capital. Os prejuízos, os maiores de sempre de uma empresa portuguesa, foram devidos à atividade corrente do banco mas sobretudo à sua exposição ao universo de empresas da família Espírito Santo, a irregularidades e veremos se a desvios ou outros crimes. Na raiz dos problemas parece estar a confusão entre banco da família e empresas da família.

É bem certo que aquela almofada que hoje permite acomodar o grosso dos prejuízos foi exigida pelo Banco de Portugal (BdP) que forçou o banco a sucessivos provisionamentos. Mas isso não o exime às responsabilidades, idem com a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), de um colapso desta magnitude. Os factos não são «supervenientes», já lá estavam. O BdP não foi competente para avaliar ou as regras ainda não são suficientemente apertadas. A continuar o atual modelo nunca o serão.

Há, pois, uma conclusão clara a extrair do caso BES. A regulação voltou a falhar. Já havia falhado no caso BPN, no caso BPP e nos casos dos restantes bancos ajudados. Apesar disto e apesar do endurecimento da supervisão, voltou a falhar. 

O que, no caso dos bancos, vem provar que:
  1. Os bancos devem ser entidades que recebem capital de quem o tem e o emprestam a quem dele precisa; o seu lucro é o diferencial; 
  2. Os bancos devem ser equidistantes das empresas, de todas as empresas; não devem deter participações em empresas, nem ser detidos por empresas; 
  3. Bancos de retalho não devem ser bancos de investimento; aliás os bancos de investimento deveriam chamar-se outra coisa qualquer, sociedades gestoras de fortunas ou similares; a designação de banco deveria estar reservada a quem compra e vende dinheiro.
É irrealista o que digo acima? Não é, porque a situação já foi assim.

As semelhanças com o caso BPN são evidentes. Muda apenas a geometria: BPN: um banco inviável/empresas viáveis (universo SLN); BES, um banco viável/empresas inviáveis (grupo BES). Não fora esta subtil mudança e a incompetência dos reguladores (BdP e CMVM) e do quadro regulatório seriam ainda maiores e os prejuízos novamente nacionalizados.

terça-feira, julho 08, 2014

Por uma verdadeira Reforma do Estado – Saúde, Fiscalidade e Mar


Na sequência das reflexões já iniciadas quanto aos processos que terão necessariamente que ser iniciados e adotados para uma verdadeira reforma do Estado, importa destacar algumas ideias que ajudem a trazer luz e clarividência a este desiderato. Num país cujo peso do Estado é o que é, qualquer reforma terá que ser avaliada tendo em vista essencialmente três pontos: 
i) a simplificação
ii) a redução do peso do Estado na vida social e económica
iii) a racionalização de meios e recursos.

Saúde

Dito isto façamos uma avaliação de uma componente da saúde que não mexe com milhares de milhões de Euros mas apenas com uma racionalização de meios e recursos. O nº de médicos do país.É sabido pelos cidadãos e veiculado pelas notícias em jornais e televisões que o país denota uma escassez na oferta de médicos em geral e de clínicos de medicina interna em particular. Diariamente circulam reportagens jornalísticas e televisivas bem como informações provenientes dos cidadãos referindo-se à falta de médicos em serviços de saúde, especialmente na região norte e em hospitais na região sul. No entanto, o acesso às universidades para os cursos de medicina é vedado a muitos estudantes atenta a média que lhes é exigida, acima dos 18 valores. Não valerá a pena recordar aqui, de novo, aquilo que é a impressão e a opinião dos cidadãos, dos pais, dos professores e de mesmo alguns médicos, segundo a qual melhores notas não significam necessariamente as melhores competências para o exercício da profissão. Naturalmente que o lobby médico sempre exerceu no país uma enorme pressão sobre os decisores da saúde e os jogos de interesses sempre superaram (ou interpuseram-se entre) as decisões racionais, mediante tomadas de posição visionando no final e afinal o seu proveito próprio, defendendo e lutando por um corporativismo atávico e um elitismo pouco coerente e aceitável num país moderno e desenvolvido.Deste modo, uma primeira decisão que enfrentaria e confrontaria este corporativismo retrógrado, seria o alargamento do numerus clausulus o que traria naturalmente as médias de entrada nos cursos de medicina para níveis mais aceitáveis e alcançável por um maior nº de alunos igualmente com aptidões e competências pessoais para virem a exercer as profissões da saúde. Há instituições, meios, espaço e condições para acomodar mais alunos e resolver assim a falta de médicos que assola e assolará ainda mais o país no futuro. Lembremo-nos de que uma população envelhecida carece de mais cuidados de saúde.   

Fiscalidade

Somos uma população envelhecida, temos muitos e cada vez mais idosos e é um facto que o país revela uma pirâmide etária invertida e envelhecida. A demografia é um dos grandes problemas das próximas décadas em Portugal e uma bomba relógio que mais cedo do que tarde trará problemas graves à sustentabilidade da segurança social e ao tão propalado estado social. Sabe-se que a taxa de natalidade tem vindo a decrescer nos últimos anos e que o cenário está longe de mostrar sinais de inversão. Sabe-se também que as famílias mais jovens têm manifestado as suas opiniões e demonstrado que parte significativa do problema resulta essencialmente de três fatores: i) a falta de condições financeiras e económicas para ter filhos (ou mais filhos), ii) a ausência de estabilidade e segurança no emprego e iii) o seu projeto de vida é hoje diferente e ter filhos não é uma prioridade antes dos 30 ou 35 anos.
Ainda assim, um recente inquérito referia que uma grande franja de jovens pais e de famílias em idade de procriação, desejavam mas não podiam ter mais do que um filho.  Perante este cenário o que têm feito os governos? Nada, antes pelo contrário, têm dificultado ainda mais esta tarefa. As famílias numerosas ou com mais filhos, em vez de serem beneficiadas por um sistema fiscal que lhes seja favorável e amigo de uma forte natalidade, pune antes aqueles que apresentam uma prole mais extensa. Dito de outra forma, os governos têm penalizado a demografia e a natalidade andando em contraciclo às exigências de uma pirâmide invertida e envelhecida. Em vez de um sistema fiscal que abrandaria a sua pressão consoante o nº de filhos de cada família, aligeirando a carga fiscal dos pais e introduzindo gradualmente determinados benefícios de espécie vária em função do nº de filhos do casal, verificamos que o quadro vigente é antes penalizador. Mais filhos não representa hoje menor peso fiscal, em certos cenários representa em termos relativos o inverso. Esta seria mais uma simples e singela reforma que seria facilmente introduzida, sem necessidade de grande ruído e mudanças estruturais.

Turismo e Mar

Os dados mais recentes da Pordata dão-nos conta de que o número de hóspedes estrangeiros alojados em estabelecimentos hoteleiros cresceu 38,9% entre 2002 e 2012, ano em que 7,7 milhões de turistas residentes noutros países pernoitaram em Portugal. Da mesma informação se retira que este crescimento foi superior ao dos portugueses em estabelecimentos hoteleiros, que aumentaram 26% entre 2002 e 2012, último ano para o qual existem dados disponíveis, de acordo com números respeitantes ao setor do turismo. Apesar de inferiores aos primeiros, estes são números muito significativos quanto ao crescimento da procura pelos serviços de hotelaria pelos cidadãos nacionais. Seguindo os números do Instituto Nacional de Estatística, no total, o número de hóspedes teve uma subida significativa nesta última década, de 31,2% para 13,8 milhões em 2012.

Os números mais recentes confirmam aliás que, em 2012, das mais de 39,6 milhões de pernoitas em estabelecimentos hoteleiros, 68,7% foram pagas por turistas vindos do estrangeiro. Não pretendendo alongar aqui a discussão em torno da importância do setor do turismo na economia nacional, o qual representa já 5,2% do PIB português, importa perceber que, do enorme potencial que este setor representa para o crescimento e progresso do país do ponto de vista económico e da projeção que pode trazer a Portugal enquanto país atlântico, muito há para fazer no que diz respeito às políticas para o turismo e para a economia do mar. Como tal, seguindo a lógica da necessidade de apresentar propostas concretas para uma reforma do Estado, capaz de o dotar de instrumentos e recursos para o tornar mais apto a lidar com os problemas do futuro da nação, eis que se abre aqui uma oportunidade para repensar a estrutura desse mesmo Estado. Desta feita, tomando em mãos a grande epopeia do turismo e do mar e a sua importância na economia nacional. E porque não estão, nem podendo estar, separados, o turismo e o mar fazem parte de um só corpo e de uma só unidade estratégica nacional. Outrora com um Ministério do Turismo e agora com um Ministério da Agricultura e do Mar, o país exige hoje a existência de uma estrutura única, focada e dedicada a um tema tão relevante para o país. De composição leve, pouco complexa mas eficaz e atenta aos problemas e em especial às oportunidades de desenvolvimento e implementação de uma política para o turismo e para a economia do mar, torna-se assim relevante a existência de um Ministério do Turismo e do Mar, aquele que, em articulação com uma diplomacia económica coerente e consistente, possa projetar Portugal quer para lá dos Pirenéus, quer para lá do Atlântico.

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quarta-feira, junho 25, 2014

Avaliação e reflexões do FRES às eleições europeias


O presente texto resume as reflexões e as ideias evidenciadas e destacadas pelo FRES sobre o processo eleitoral que decorreu na Europa no passado mês de maio, após encontro realizado no passado dia 4 de junho em Lisboa.

A Europa da pós-tempestade eleitoral


Ideias‑chave

1. Admite-se que os resultados obtidos pelos partidos tanto da extrema-direita como da extrema-esquerda, como os verificados em França, Dinamarca, Holanda, Inglaterra e Grécia, seriam diferentes num contexto de eleições legislativas locais. Nestas últimas, refletir-se-ia sobretudo o efeito do voto útil, permanente fator decisivo nos resultados finais. A franja de cidadãos votantes terá provavelmente aproveitado estas eleições europeias para demonstrar a sua insatisfação e distanciamento face ao modelo de política europeia vigente. Não é de afastar a ideia de que, em alguns casos, os cidadãos possam ter aproveitado estas eleições para manifestar também algum descontentamento quanto às políticas internas.

2. Não é despiciendo o valor da abstenção pois a taxa média de votantes na UE foi de 43%, com alguns países a atingirem taxas de abstenção acima de 60% ou mesmo 80%, o que permite concluir que os votos nos partidos antieuropeus, ainda que tenham registado crescimentos muito significativos face a eleições anteriores, não estão, ainda, a representar uma larga maioria. Mas esta evolução deve ser vista como um aviso e um sinal preocupante para os governantes europeus e para as políticas ultimamente seguidas.

3. Ainda quanto à questão da interpretação do voto dos europeus, podemos assumir a ideia de que as pessoas reagem e atuam em função de incentivos, exigindo alternativas. Entre os incentivos, a questão do bem-estar revela-se como um aspeto fundamental e incontornável. E esse bem-estar obtém-se com os recursos financeiros que lhe são indispensáveis, hoje mais escassos porque há, aliás, mais países a quem distribuir os recursos existentes. Quanto às alternativas, essas são aparentemente escassas. A fuga para a extrema-direita ou extrema-esquerda e a dimensão da abstenção (esta já estrutural nestas eleições) foram certamente parte dessa alternativa.

4. Importa recordar que a Europa de hoje é diferente e muito melhor que a Europa de há apenas 30 ou 50 anos atrás e tem registado desde sempre avanços e melhorias nas condições de vida proporcionadas pelos Estados ao longo do tempo. Os níveis de bem-estar económico e social são incomensuravelmente superiores de década para década e, por isso, importa também relativizar o mal-estar e as dificuldades em que muitos cidadãos europeus vivem nos tempos mais recentes. Independentemente da austeridade hoje vivida e sentida e das restrições orçamentais que as pessoas vivenciam, a verdade é que os cidadãos europeus vivem em níveis de conforto e bem-estar muito acima do que usufruíram os seus pais e avós. A questão é que alguns destes cidadãos europeus viveram no passado recente em melhores condições económicas e financeiras e a crise que se instalou provocou algum retrocesso nesse seu bem-estar, o que os transportou a níveis de insatisfação e frustração que foram expressos neste tipo de voto de protesto.

5. Hoje, na Europa, tem predominância a economia, o capital, os mercados e a criação de riqueza. Esta é uma Europa que é governada por tecnocratas e especialistas nestas áreas não sendo difícil entender porque é que, em muitas ocasiões, a vertente económica se tem sobreposto à vertente política. Tal não quer dizer que a Europa tenha que ser liderada por outro tipo de pessoas que não estão sensibilizadas para a importância da economia, dos equilíbrios orçamentais ou da criação de riqueza, ou que nenhum dos atuais líderes europeus não revele sensibilidade social. A questão é que talvez fizesse falta equilibrar este peso com pessoas mais próximas dos temas sociais e humanistas. Repare-se que a Europa se desviou da génese da sua criação: uma união onde os valores da solidariedade, da humanização e da não-agressão estariam acima de tudo o resto. Foi assim este ideal Europeu e esta Europa pensada por Monnet e Schuman que se inscreveu no Tratado de Roma em 1957.

6. Uma parte da recente transformação europeia pode explicar-se por um certo enfraquecimento político da França, consequência de um certo enfraquecimento económico. A Europa foi inicialmente pensada e liderada por países como a França, a Inglaterra e os países do Benelux (Luxemburgo, Bélgica e Países Baixos). Foram estes os fundadores da União Ocidental (UO) em 1950, através do Tratado de Bruxelas, assinado nesse ano (que mais tarde em 1954 dá origem à UEO). Homens como De Gaulle, Giscard D´Estaing, Miterrand ou Delors, são personalidades de destaque na construção europeia aos quais se terá que juntar naturalmente Konrad Adenauer, que desejou ancorar a Alemanha ao ocidente europeu e conciliar a relação franco-alemã. Porém, com o fim da «cortina de ferro», culminado com a queda do muro de Berlim, surgiu uma Alemanha cada vez mais forte e determinada, que vem revelar um crescente e incomparável poder económico, quando a França inicia um processo de enfraquecimento económico, e consequentemente político. A Inglaterra não estando fora, nunca esteve verdadeiramente dentro.

7. Outro aspeto que veio determinar a evolução, o rumo e a relação entre países da UE foi a criação do Euro. Com uma só moeda, sem o domínio da política monetária e cambial, os países com economias mais fracas e em velocidades de crescimento mais baixas deixam de dispor de um instrumento, até aí essencial, para reagir em momentos de choque externo, instrumento esse que era a capacidade de desvalorização da sua moeda de modo a ganharem competitividade externa. Dessa forma, o único mecanismo que passam a dispor para melhorar essa competitividade, especialmente em períodos de crise, é a desvalorização interna, esta obtida através da redução da despesa corrente e da redução do custo dos fatores, essencialmente do fator trabalho. Dito de outra forma, através da redução de salários. Com isto, o Euro torna-se um problema e não uma solução especialmente para os países do sul da Europa já que a rigidez das suas regras, independentemente das características económicas de cada país, vem criar dificuldades acrescidas aos países economicamente menos fortes. O resultado é que, com o Euro, torna-se mais difícil fugir às políticas de austeridade aplicadas aos países em dificuldade. Tais políticas têm vindo a gerar um descontentamento social generalizado em vários países cujo reflexo é em parte visto nos resultados eleitorais de Maio. Torna-se claro, por tudo o que se sabe que implicaria, que a discussão dificilmente passará pela saída do Euro já que os custos calculados parecem superar os proveitos que se obteriam. A grande questão - à qual parece não se ter dado a devida importância - é se países como Portugal deveriam ter entrado?.

8. A Europa é composta por 28 países com estádios de desenvolvimento, forças e fraquezas, necessidades e expetativas diferentes, crenças, valores e culturas distintas, sendo muito difícil falar a uma só voz. Há menos países ricos e mais países pobres. Por outro lado, como as economias de grande parte destes países não criam, tal como se conseguiu no passado, a riqueza suficiente para sustentar o modelo social em que a Europa estava assente, este terá que ser irremediavelmente alterado e sê-lo-á porventura em desfavor dos cidadãos. A rigidez de uma moeda única não ajudou.

9. Finalizando, prevê-se que pouco ou nada se irá alterar no tempo atual. Ainda que alguns considerem que a Europa não vê legitimado, depois destas eleições, o seu modelo político, a verdade é que as instituições europeias permanecem, assim como os modelos de decisão e governação, tal como as políticas seguidas até aqui. Não será, no entanto, demais realçar que o papel das instituições europeias é, presentemente, mais formal do que real, uma vez que, de facto, o poder de decisão que lhes é conferido por força dos Tratados se encontra refém da aceitação/concordância da Alemanha (seja da Chanceler Merkel seja do Tribunal Constitucional alemão). Na prática, aquelas competências estão condicionadas pela posição alemã. E foi isso também que os europeus fizeram questão de mostrar que rejeitam. Teremos que aguardar pela sua reação em momentos eleitorais futuros. Tudo dependerá das políticas que serão seguidas pela UE. Depois disso, perceberemos se a viragem para os extremos se solidificará ou se tudo voltará a ser business as usual. Estas eleições deram assim um indisfarçável sinal para a inevitabilidade de mudar o rumo que tem estado a ser adotado. Assim, ou se altera o rumo, e para isso é necessário retomar o caminho anterior, uma Europa mais solidária e humanista; ou se mantém o rumo, e aí deve-se ter a plena consciência de que existe o risco de a Europa se desintegrar. Esta segunda hipótese é por si só mais do que suficiente para os europeus se consciencializarem para a impreterível mudança.

Lisboa, junho de 2014
FRES – Fórum de Reflexão Económica e Social

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domingo, junho 01, 2014

US & THEM

No rescaldo das eleições europeias marcadas pela forte abstenção em diversos países (incluindo Portugal) e pela mudança de sentido de votos de partidos ditos tradicionais para outros partidos, torna-se interessante também observar posições face a estes resultados.

Não interessa quem são os US & THEM, mas interessa bastante entender que, tal como em quase tudo na vida, existem os US e existem os THEM. É isso que proporciona a competição e o mundo em que vivemos é cada vez mais competitivo entre os seres ditos humanos.

Neste contexto vi o programa emitido hoje na SIC Notícias, Sociedade das Nacões com uma entrevista ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Polónia, o Sr. Radoslaw Sikorski, que sinceramente neste texto não me interessa se está do lado dos US ou do lado dos THEM.

Foi uma entrevista interessante a vários níveis, sendo um deles a contextualização da Europa no mundo, relembrando os primórdios da construção europeia, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a propósito do recente acordo entre a Rússia e a China para o fornecimento de energia à China a preços supostamente competitivos.

Disse o Sr. Sikorski que qualquer preço de energia que os países dos Estados-Membros da U.E. tenham no fornecimento às empresas industriais do seu país, que se situe num nível acima dos preços de energia que a China tem ou venha a obter, torna-se uma desvantagem competitiva. Interessaria na sua opinião que a Europa se consciencializasse que, unida e forte, teria mais peso negocial, com vantagens para todos os seus Estados-Membros.

Disse ainda o Sr. Sikorski que a Europa é grande em termos económicos, se consideramos as suas economias em conjunto. Mas que muitos dos países, senão mesmo a maioria, considerados individualmente, não passam de pequenas ou médias economias à escala mundial e que muitos ainda não se aperceberam disso.

Espero que este texto dê origem a comentários pois ele só fala de um lado da «luta» e naturalmente todos temos interesse em conhecer as várias envolventes da construção ou destruição europeia para podermos ir pegando na «espingarda» e ir escolhendo o lado para combater.

quinta-feira, março 20, 2014

Qual a qualidade da democracia?



A poucos dias de completar os seus 40 anos e atingir, por isso, a meia-idade, a nossa democracia atingiu já há muito, pelo menos no plano teórico, a idade adulta. Importa por isso que todos nós, cidadãos, neste tempo de luta política mas também de tormenta económica e de dificuldades sociais acrescidas, façamos uma reflexão séria mas descomprometida sobre a qualidade desta democracia.
Como grupo de debate, reflexão e opinião, o FRES revela neste campo responsabilidades igualmente acrescidas, pelo que este será um assunto que não passará, certamente, à margem das preocupações dos seus membros.
E sobre a qualidade da democracia muito haverá a dizer. Por exemplo, que a opinião dos portugueses sobre a mesma é pouco abonatória. Fazendo aqui referência a uma recente notícia da Fundação Francisco Manuel dos Santos, na qual esta retira de um estudo designado por Concepções e Avaliações da Democracia, lançado através do Portal do Cidadão e que será apresentado em breve pelo Instituto de Ciências Sociais, a conclusão de que a satisfação dos portugueses com a qualidade da nossa democracia é de apenas 1,8 numa escala de 1 a 4. Por exemplo na Alemanha esta opinião toca nos 2,8.
Aparentemente, conclui-se logo em primeira linha que os portugueses têm uma conceção de democracia que vai muito para além do direito ao voto e de eleições livres e justas. Quer isto dizer que os portugueses são exigentes com a sua democracia, ou pelo menos mais exigentes do que parecem, o que aliás têm vindo a demonstrar quer com os níveis de abstenção crescentes verificados nos últimos anos quer com a degradação da opinião que, na generalidade, os cidadãos têm vindo a demonstrar sobre os políticos que os governam.

Este divórcio com a classe política não será mais do que a prova da tal insatisfação que os portugueses revelam face à sua democracia. Hoje, o voto não anima quando o que resulta desse voto é um sentimento de que nada mudará e tudo continuará na mesma, i.e., a injustiça permanece, a justiça não atua a tempo e horas, a corrupção mantém-se a níveis inaceitáveis, continua a vingar o clientelismo, as desigualdades agravam-se, a qualidade de vida deteriora-se e o bem-estar perseguido continua a ser uma miragem.
Por outro lado já não há ideologia que inspire alguém quando se confundem todas as correntes ideológicas, estas intercetando-se nos pontos de interesse comum dos partidos, sejam elas correntes de esquerda ou de direita, pois já pouco se distingue quem é quem e os cidadãos não se conseguem identificar com os valores e princípios dessas mesmas correntes ideológicas.

Não deixa de ser verdade que existe hoje um desânimo em muitas hostes sobre as conquistas de Abril e da liberdade. Apesar de tudo o que se conquistou, em especial essa mesma liberdade que fez nascer a democracia, e apesar dos sucessos alcançados. Sem Abril não teríamos chegado aqui. Mas também ao chegarmos aqui elevámos as nossas expetativas e desejos, sonhos e ambições. E é sobre estes que hoje nasce o desânimo e é por estes que pouco se crê na democracia ou pelo menos nos seus aspetos mais relevantes. Já não nos basta a liberdade, exigimos a igualdade, já não nos basta a igualdade de oportunidades, exigimos a fraternidade, já não nos basta termo-nos libertado dos grilhões da ditadura, exigimos a justiça social, já não nos basta a mera escolha política, exigimos o cumprimento da verdade e o progresso que nos parece cada vez mais inalcançável.
E é esta reflexão política e filosófica que importa fazer sobre esta democracia. E não basta apenas comentar o que se ouve ou comentar as ideias dos outros. Torna-se necessário que, cada um de nós, assuma essa discussão e as suas próprias ideias e posições. Sem medo, sem dogmas, sem justificações: quem quer fazer arranja uma forma, quem não quer arranja uma desculpa.

Há hoje espaço para repensar toda a democracia. Desde a organização dos partidos, à forma em como estes interagem quer com a sociedade quer com os cidadãos, mas também com o meio económico, o que acontece por vezes de forma pouco transparente. Há espaço para repensar como fazer a renovação desses partidos, com que pessoas e quando. Há espaço para repensar todo o atual sistema eleitoral, a composição da Assembleia, o papel dos deputados como representantes do povo e da nação. Há espaço para repensar como podem os governantes utilizar os recursos financeiros da nação – impostos e outras receitas - (e por isso de todos os cidadãos) nos seus programas de investimento público de forma competente, eficiente e com resultados para o bem comum e não de forma arbitrária e pouco clara. Como há muito espaço para repensar como fazer a redistribuição dos proveitos e dos recursos por todos, procurando assim combater a desigualdade: de oportunidades, de acesso a bens e serviços, de rendimentos e social. São muitas desigualdades que ferem a qualidade desta democracia e que os cidadãos contestam.

São muitas reformas por fazer, em especial uma grande reforma: a das atitudes, em primeiro lugar dos políticos e governantes, para que percebam que têm que colocar os interesses da nação e dos cidadãos em primeiro lugar em vez dos seus, e de modo a sentirem que o seu papel não é mais do que o cumprimento de uma missão - servir. Mas também a reforma das atitudes dos cidadãos, para que sejam mais atentos, ativos, participativos, intervenientes. Para que não se demitam de todas as suas responsabilidades cívicas, para que fiscalizem e exijam dos políticos e governantes o que é de se lhes exigir. Só com essa corresponsabilização se alcançará uma democracia madura, séria e com um nível de qualidade que hoje deixa a desejar.

domingo, março 16, 2014

Reflexões de Abril


A poucas semanas da comemoração dos 40 anos do 25 de Abril de 1974, alinho na iniciativa de uma reflexão sobre o seu acontecimento. De facto não se trata de estar a favor ou contra o 25 de Abril. Ele existiu e é graças a ele que temos hoje o FRES e todos os outros grupos do seu género. Foi graças a ele que somos mais cultos e informados, livres na palavra, no pensamento, na ação (ou falta dela), na participação cívica, na preguiça individual e por aí fora.

Mas não alinho na lamechice do costume sobre o que foi e poderia ter sido ou do que não foi o 25 de Abril. Foi uma revolução, envolveu o povo e os militares, combateu a ditadura, trouxe a liberdade, liberdade de estarmos aqui, hoje, a discuti-lo. Tudo valeu a pena. Muito correu bem, outro tanto correu mal, é assim a vida porque são pessoas a conduzir os destinos de uma nação. E só chegámos aqui porque existiu o 25 de Abril senão estaríamos ainda muito mais atrasados, mais do que os prováveis 20 anos na era de hoje, apesar de todas as falhas e tropeções pelo caminho.

Conquistámos a liberdade, ninguém foi preso pelas suas ideias, torturado ou assassinado. Pudemos ver TV, comprar automóveis e casas (sim o crédito passou a fazer parte das nossas vidas - esse bom e mau crédito que é um sinal do mundo moderno), ler jornais, sair do país e viajar, comprar cultura, votar, estar contra o governo ou a favor dele, não fomos obrigados a bufar e a denunciar compatriotas, ou a entrar para os partidos. Só o fizeram aqueles que assim o quiseram.

Falhámos na gestão das contas públicas, surgiram compadrios, corruptos, cometeram-se fraudes, falharam-se promessas e sentimo-nos muitas vezes roubados. Mas somos livres, vivemos muito melhor que os nossos avós, usufruímos de muito mais bem estar e conhecimento, fazemos o que quisermos e onde quisermos.

Somos mais continentais que atlânticos, é verdade, mas muito por nossa culpa e responsabilidade, porque somos um povo muitas vezes tacanho (muitas vezes aceitámos governantes de vistas curtas) mole, amorfo e que não se quis cultivar ao ritmo a que o mundo evoluía. Mas o Atlântico está aí aos nossos pés e entra-nos hoje pelas casas dentro (de quem vive no litoral) como que a lembrar: aqui estou, sou o Atlântico, aquele mar que vos pode levar a outros mundos que num passado longínquo até já foram vossos.

Os nossos 40 anos de liberdade são pouco maduros, assim como aquele indivíduo que pouca experiência teve na vida, viveu protegido até aos 20, confuso e perdido até aos 30 e que se vê nos 40 aos solavancos e aos tropeções. Ora conquistou algum sucesso e euforia, ora caiu na depressão perdendo o rumo. 
Ganhámos!

O direito de sermos europeus de verdade, modernos, livres e independentes, ainda que não conseguíssemos aproveitar essa independência. Resta-nos poder ser europeus, modernos e livres. É pouco? É mais do que sempre tivemos! 

Falhámos! 

Não tanto nos objetivos, pois dúvidas tenho se alguma vez os soubemos definir ou gizar num papel, mas antes nas expetativas que todos criámos à volta do sermos livres, ricos, europeus e independentes. 

Por tudo isto, valeu a pena. Perguntemos aos nossos avós, pais ou tios, em especial aqueles que terão sido perseguidos, e oiçamos bem o que estes terão para nos dizer.

Por tudo isto Viva o 25 de Abril.