Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, novembro 27, 2013

Compromisso de Pagamento Pontual


1. A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) desenvolveu recentemente uma iniciativa e tomada de posição designada Compromisso de Pagamento Pontual que é, a todos os títulos, de louvar. Inserida num estudo sobre o sistema de pagamentos às empresas do país, a ACEGE apresenta alguns cálculos e números que não importa aqui escalpelizar mas apenas interpretar.  Esta iniciativa reuniu 130 subscritores dos mais variados quadrantes económicos.
2. A ACEGE refere-nos que existe no país o que designa por uma «cultura enraizada de egoísmo empresarial» em que ninguém paga a ninguém a tempo e horas, situação que se agrava num clima de crise económica e financeira como a actual. Tal atitude dificulta a vida financeira e económica das empresas provocando enormes constrangimentos e dificuldades de tesouraria, num tempo em que o recurso ao crédito bancário de apoio à tesouraria sofre igualmente de grandes restrições.

3. O estudo recente da ACEGE dá-nos nota que o cumprimento do pagamento entre agentes económicos (Estado incluído), a um máximo de 60 dias, provocaria a criação de 120 mil novos postos de trabalho. Contrariamente, diz-nos através do mesmo estudo que, o reiterado e desvirtuado sistema de pagamentos entre aqueles agentes económicos em Portugal, representado por um comportamento transviado das boas e aceitáveis práticas de comércio, é responsável pela perda de 72 mil postos de trabalho, pelas falências e despedimentos a que tais práticas tem levado.
4. E à cabeça desta sindroma temos o Estado, ele mesmo responsável por pagamentos em atraso estimados na casa dos 5 mil milhões de euros, segundo o estudo da mesma ACEGE. Somados a estes, há ainda a registar cerca de 6 mil milhões de euros incobráveis por parte das empresas aos seus clientes, pelo que facilmente se percebe que um dos principais problemas que recai sobre a fragilidade financeira das empresas é exactamente esta prática deficiente e penalizadora da sua saúde financeira. Diz ainda a ACEGE que, fora destes valores, se encontram todos os outros não contabilizados neste número e que se encontram «parados» nos tribunais, fruto de acções judiciais não concluídas, o que leva a que os valores em dívida fora da tesouraria das empresas atinjam um número avassalador.

5. Conclui por isso a ACEGE, o que é aqui totalmente subscrito pelo autor deste texto, que pagar a horas alavancaria o emprego e a criação de riqueza fazendo crescer a economia. Sabemos que isto é verdade. São conhecidos inúmeros casos de boas empresas que tiveram que se apresentar à insolvência para protecção face aos seus credores (bancos, Estado e fornecedores) tendo em vista poderem reconstruir toda a sua actividade, após estabelecido um Plano Especial de Recuperação (PER) aceite pela maioria daqueles como forma de poder «pôr a casa em ordem» e rumar ao crescimento e à sustentabilidade económica. Desta forma livraram-se de penhoras de bens patrimoniais, arrestos de contas e impugnações pela via judicial sobre tomadas de decisão de gestão. Mas tal decisão não resultou de outras causas que não fossem os enormes e sistemáticos atrasos nos recebimentos dos seus próprios clientes, provocadores por sua vez de um desacerto na sua própria capacidade em dar cumprimentos às suas responsabilidades. Assistimos, por isso, a situações em que boas empresas, com bons produtos, excelente tecnologia e know-how, com importantes carteiras de encomendas e uma procura fortalecida, têm que pedir a insolvência pelo facto de não conseguirem suportar: 
i) prazos de recebimento muitas vezes acima dos 6 meses; 
ii) valores incobráveis muito significativos em virtude, quer destas práticas quer da própria falência dos seus clientes; 
iii) de uma enorme pressão dos seus credores pois tais atrasos nos recebimentos tornam-se causas para os seus próprios atrasos perante bancos e fornecedores.
6. Portugal é um dos piores exemplos europeus. Segundo os dados da European Payment Index, que analisa os dados relativos a empresas e Estado sobre os níveis de risco e prazos de pagamento, Portugal aparece com uma das piores classificações face à média europeia. Num índice de risco variável entre 100 (o melhor) e 200 (o pior), a pontuação nacional atinge os 190 pontos contra 151 da média europeia. Este estudo foi elaborado a partir de inquéritos realizados a 9.800 directores financeiros e CEO de 29 países, entre finais de 2012 e início de 2013.

7. Tal facto, somado à deficiente capitalização de uma larga maioria das PME nacionais, a um endividamento ainda excessivo em muitas delas, à ausência de outras formas de capitalização que não sejam o reforço da participação dos seus proprietários/acionistas, por um lado, porque não existe em Portugal a cultura do financiamento por via do mercado de capitais, por outro, porque não existe, no caso específico daquelas, um mercado de capitais para PME, leva a que faltem nas empresas os necessários níveis de liquidez que lhes permitam investir, financiar os seus ciclos de exploração e crescimento, num momento em que o novo financiamento bancário é ainda quase uma miragem.  
8. É pois determinante que seja posta em prática uma campanha nacional que alerte para a necessidade de cumprir com o lema do «pagamento pontual». O efeito «bola de neve» é hoje muito significativo e destrutivo na economia e em especial junto dos agentes microeconómicos. E o exemplo terá que vir de cima, do Estado, talvez um, se não o principal, causador de muitas insolvências e falências. Estado que dá ele próprio tiros nos pés pois uma empresa falida ou insolvente não terá as devidas condições de rendibilidade para dar lucro e pagar impostos. 

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quarta-feira, novembro 20, 2013

Empreendedorismo

1. Decorre simultaneamente em 138 países entre os dias 18 e 24 de novembro, e mais uma vez este ano, a Semana Global do Empreendedorismo. Quero por isso, e uma vez mais, associar o FRES a este evento, como aliás o temos feito em anos precedentes.

2.O empreendedorismo desempenha, cada vez mais, um papel determinante na criação de uma sociedade e de uma economia modernas que se querem, e desejam, competitivas. Empreender é sonhar, pensar, refletir, decidir, planear e agir.

3. Li há tempos um escrito de um empresário nacional, pessoa sénior e experimentada no mundo empresarial, afirmar que é hoje moda chamar aos desempregados empreendedores. Percebo o sentido das suas palavras e consigo atingir o objetivo da sua intenção, expresso na palavra escrita. Vejo nesta afirmação a observação descrente de que o empreendedorismo é uma forma camuflada de encobrir o desemprego e a desocupação que grassa na sociedade portuguesa (e europeia) e um eufemismo para distinguir o que, para mim, é o flagelo social da sociedade moderna.

4. Nem Portugal está a conseguir combater de forma eficaz este flagelo, sendo opinião de muitos economistas que o desemprego estrutural - aquele que, faça-se o que se fizer, invista-se o que se investir, os agentes económicos e a economia não conseguem combater e debelar-, estará na casa dos 12%; número assustador; nem a Europa revela condições e capacidade para o atenuar de forma significativa.

5. Vejo no empreendedorismo um ato de coragem, de resiliência e de não resignação à situação vigente e ao estado de crise económica, financeira e social em que o país vive. Se por um lado o empreendedor pode ser aquele que sonha, deseja, arrisca e cria, com coragem e abnegação, um projeto, desenvolve uma ideia e faz nascer um negócio, empreendedor é também aquele que, consciente da sua situação pessoal de desocupado ou desempregado, faz da necessidade (e da fraqueza) uma força e decide re(a)gir  e parte para a ação com coragem e determinação.

6. Hoje assistimos a uma nova vaga de empreendedores, muitas das vezes ligados a projetos em áreas tecnológicas, inovadoras, que revisitam o conhecimento e as novas tecnologias de comunicação, que criam novos conceitos de negócio e desenvolvem ideias que vão dar origem a produtos transaccionáveis e procurados, interna mas principalmente externamente. Aliados a estes, temos também outro tipo de empreendedores, que investem em atividades ditas mais tradicionais mas com pleno domínio de novos conhecimentos, técnicas e instrumentos, dotados de uma nova visão do mundo e dos negócios, em setores como a alimentação, a agricultura, o serviço doméstico, o comércio, a assistência social ou empresarial.  

7. São quase sempre jovens ou, menos jovens mas aliados aos mais jovens. Constituem, muitas das vezes, uma miscigenação sócio-demográfica muito interessante, pois aliam a maturidade e a experiência de vida dos mais maduros à dinâmica, imaginação, ousadia, energia ou motivação dos mais novos.

8. E Portugal tem assistido nos últimos anos a uma nova leva de criativos e criações de relevo em áreas tecnológicas ou que associam a tecnologia, as novas técnicas e conhecimentos, às áreas mais tradicionais, puxando assim por estas. Somos, e sempre fomos, um país de criadores e inventores, infelizmente à boa maneira tradicional, extirpando daqui poucas ou nenhumas consequências em beneficio dos próprios, da economia ou da sociedade. O ADN criativo está cá embora nem sempre (ou quase nunca) o saibamos utilizar segundo as práticas e os ditames que as regras internacionais nos impõem para que consigamos singrar neste mundo da invenção e criação e que a concorrência internacional exige, tal como o comprova o reduzido número de patentes nacionais.

9. Apesar disto, temos vindo a assistir ao surgimento de um número cada vez maior de novas empresas, inovadoras e criativas, em setores mais ou menos tradicionais, compostas e geridas por uma nova geração e um novo tipo de empresários, muitos deles jovens, mas que concorrem ao nível do que de melhor se faz no resto do mundo. A sua preparação académica em muito tem ajudado à mudança deste paradigma económico e a globalização e a mundialização dos mercados obriga-nos e coloca-nos no tabuleiro onde se joga o xadrez mundial. E não nos esqueçamos de que empreender e criar empresas e negócios dá emprego às pessoas e cria riqueza.

10. Esta semana do empreendedorismo está subordinada ao tema da agricultura e do mar. Que tema seria mais importante e oportuno para o país? É chegado o momento de aproveitar esta montra do empreendedorismo mundial e levar a jogo novas ideias e novos projetos, na senda do que tem sido apanágio nacional. Nós apoiamos, o FRES apoia estas iniciativas: Que sejam bem-vindos e bem sucedidos!

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segunda-feira, novembro 18, 2013

Como vencer no triângulo - Brasil, Europa, PALOP


Mário de Jesus - Como vencer no triângulo - Brasil, Europa, PALOP


Mário de Jesus, presidente do FRES, publicou, ao longo de cerca de 10 anos, um conjunto de artigos sobre a economia portuguesa que agora compila e organiza em três áreas - a social, a empresarial e a internacional -, e nos quais aponta caminhos para Portugal ultrapassar os actuais constrangimentos e encontrar um crescimento equilibrado e sustentado.

segunda-feira, novembro 04, 2013

Genéricos, o remédio para grandes males – baixo custo com valor social acrescentado


Neste período conturbado da economia portuguesa, o mercado farmacêutico de genéricos, cujos preços passaram a ser fixados de acordo com os precos dos países de referência, e no qual se implementaram medidas como a Denominação Comum Internacional – DCI, continua a despertar a atenção, por razões diversas que irei elencar, das grandes companhias farmacêuticas produtoras de genéricos.

No contexto macroeconómico, o Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia (CE), veio reforçar a ideia de que os países que priorizam a reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que têm que reduzir os custos no sistema de saúde deverão aumentar a taxa de penetração de medicamentos genéricos, contribuindo desta forma para o acesso a estes medicamentos a preços mais acessíveis, aos cidadãos com menos recursos, o que, apesar da crise, torna o grau de atratividade deste mercado bastante significativo.
O primeiro factor de atratividade é o surgimento de novas áreas terâpeuticas com custos elevados de tratamento nas quais os medicamentos genéricos já mostraram a sua eficácia e segurança, como, por exemplo, nas áreas cardiovascular e do sistema nervoso central.
Também o desenvolvimento do segmento do homecare, onde há cada vez mais doentes a fazer tratamentos em casa que habitualmente fariam em hospitais, representa uma vantagem do produto dado criar a possibilidade de fazer esses mesmos tratamentos no conforto do lar.
Por outro lado, a redução na comparticipação em alguns fármacos e o reforço e aposta em produtos de venda livre traduz-se em vantagens para a indústria farmacêutica pela redução de custos que isso implica em virtude de se estar a assistir à passagem de um sistema de medicamentos mais caros para outro de medicamentos com custo baixo de produção e preços igualmente elevados na venda (marketing/promoção), permitindo ainda à indústria uma redução das equipas comerciais e quadros de uma forma geral.

Estes produtos estão, por outro lado, a provocar outras alterações significativas no mercado farmacêutico, como por exemplo ao nível de outros intervenientes relevantes como a distribuição ou farmácias comunitárias e hospitalares, nos lares etc. Também aqui se assiste ao abaixamento de preços, a fusões e aquisições ou parcerias entre estes intervenientes, conduzindo a uma maior racionalização de operadores e de custos no consumo (caso dos lares).
A boa adesão à terapêutica por parte dos doentes com a consequente maior probabilidade de sucesso terapêutico ou a diminuição dos custos para o SNS e para os contribuintes são outras das vantagens da proliferação destes medicamentos. Sendo financeiramente mais acessíveis, dinamizam o mercado, fazendo com que as companhias de investigação, desenvolvimento e produção se esforcem por encontrar novos fármacos e soluções para os doentes, permitindo assim aumentar a rentabilidade com o desejável benefício económico para todos.
Para além dos aspetos anteriores, os fármacos genéricos oferecem uma terapêutica igual com uma redução no preço acima dos 35%  – conceito nobre dos genéricos – não esquecendo que um maior consumo deste tipo de medicamentos de baixo valor permite aumentar a quota de mercado neste segmento e aproxima o nosso País de outros países desenvolvidos neste indicador, como são os casos da Alemanha ou a Bélgica.
Em suma, o verdadeiro conceito da Denominação Comum Internacional, ou seja a maior utilização de medicamentos genéricos, será o resultado do trabalho de todos os intervenientes deste mercado: médicos, farmacêuticos, técnicos de farmácia, enfermeiros, gestores, grossistas, utentes e cidadãos de uma forma geral.
No caso português, importa referir que há outros aspetos que não podemos esquecer e que são o facto de termos excelentes investigadores e profissionais de saúde numa constante procura de novas soluções com benefícios para os doentes. Além disso, o país tem alguns exemplos de uma indústria farmacêutica de referência ao nível da qualidade da produção, o que também favorece as exportações com o respectivo contributo positivo para a balança de pagamentos.
Este cenário não faz, porém, esquecer o facto de assistirmos a uma deslocação e procura de novos mercados por parte das grandes companhias de investigação & desenvolvimento para outras áreas geográficas como o Brasil, Rússia, Índia, China ou até para os PALOP e América Latina, o que representa um desinvestimento destas companhias no nosso país.
Quanto às farmácias portuguesas, estas constituem-se como uma marca com uma forte notoriedade e ao serviço da população: permitem um valor social fortíssimo e um primeiro aconselhamento primário, principalmente nas áreas geográficas com menos acesso aos cuidados de saúde.
Em resumo, podemos afirmar que os medicamentos genéricos poderão ser «o remédio para grandes males».