Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, outubro 30, 2013

Reguladores e regulação económica



No FRES, quando discutimos e debatemos a problemática da manutenção (ou não) em Portugal, dos designados Centros de Decisão Nacionais, concluímos que, o que se mostrava necessário seria antes de qualquer consideração de carácter político ou ideológico, a existência de um sistema regulador, independente, forte, eficiente e interventivo sempre que necessário.

E a propósito da recente discussão em curso sobre a qualidade, eficiência, vantagens e desvantagens de um serviço de saúde público solidário e universal versus a defesa e a aposta num serviço privado, veio de novo à ribalta a questão relacionada com os reguladores de actividade económica.

Não pode por isso ser esquecida esta recente iniciativa, liderada pela DECO (Associação da Defesa do Consumidor), inédita em Portugal, tomada contra uma entidade reguladora, neste caso a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) até pelo significado do elevado valor envolvido: 42 milhões de euros.

Todos nós, cidadãos, tomamos conhecimento de que a DECO fez recentemente entrega no Tribunal Administrativo de Lisboa de uma ação contra a ANACOM, devido a danos causados aos consumidores por falhas no processo de transição do sinal de televisão analógico para a televisão digital terrestre (TDT). Tais danos, argumentou a DECO, decorreram do facto de a ANACOM não ter cumprido os deveres de que estava incumbida ao nível do planeamento, acompanhamento e fiscalização da implantação da TDT, de modo a garantir a continuidade do sinal de televisão.

Diz a DECO que «[...] em tudo a ANACOM falhou», realçando os «deveres de fiscalização que foram negligenciados pelo regulador, quando fiscalizar o cumprimento das obrigações do incumbente – a Portugal Telecom – é o seu principal dever para defender os direitos dos consumidores».

Respondendo à crítica da falta de testes de sinal, o regulador diz ter feito mais de 450 ações de monitorização do sinal por todo o país. Parece-nos efetiva e manifestamente insuficiente tão reduzida amostra se atendermos a que mais de 1 milhão de famílias foram afectadas por este problema.

Para esta acção judicial, a DECO suporta-se no facto de ter recebido nove mil queixas, pretendendo que a mesma tenha «um efeito preventivo e que obrigue as entidades reguladoras a acautelarem os interesses daqueles que devem defender». Para o cálculo deste valor foram considerados os danos financeiros para os consumidores que compraram e pagaram pela instalação de equipamento que não podem usar (quem comprou televisores com TDT ou adaptadores, mas afinal está em zonas onde só podem usar satélite), e para aqueles que continuam a receber a emissão com falhas de sinal. A isso somam-se os «danos não patrimoniais de as populações não terem sido informadas a tempo».

Diz a DECO que só desde maio, quando a associação lançou um formulário online, se registaram mais de seis mil reclamações por falta de qualidade de sinal. Ora aqui temos o exemplo claro e fidedigno das debilidades deste sistema regulador que fazem antever que muito há a fazer no campo da regulação económica. O caso da ANACOM não é caso único, há bem pouco tempo, para dar apenas mais um exemplo, vivemos os episódios das fragilidades regulatórias do sistema financeiro e das falhas da autoridade monetária. Longe está ainda o país de um sistema regulador independente, forte, eficiente e interventivo sempre que necessário.

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sexta-feira, outubro 25, 2013

Orçamento de Estado para principiantes


«Portugal já cresce e tem um forte sector exportador. Está muito à frente da Grécia no caminho da recuperação», assim opinam no Morgan Stanley.
E de comentário em comentário vão descrevendo o nosso bom comportamento, enquanto bons alunos aos olhos da Troika, não se esquecendo de referir que a nossa economia já não está a viver acima dos seus meios, que estamos a ter ganhos de competitividade e o Orçamento de Estado (OE) para 2014 é credível, alertando, no entanto, para um certo ambiente político de risco. Não sei o que pensam todos os portugueses, mas eu fiquei orgulhoso, e não esqueço, como muitos, que tudo isto se deve aos nossos governantes.

Não sei bem porquê, tudo isto me soa a conversa pouco credível, mas, de facto, não tenho competência técnica para ajuizar, pelo que não me atrevo a tal, sobretudo tendo em consideração que os que a têm, como tudo indica, têm falhado rotundamente. Não quero com isto dizer que sou pessimista, mal agradecido, mas gato escaldado ...

É que toda esta discussão à volta do nosso Orçamento de Estado, que mais parece um orçamento de medidas avulso, de alguém que sonha de noite julgando ter encontrado a solução e no dia seguinte bota faladura com uma imponência desmesurada, me tem deixado com medo de água fria.

Em tempos, antes da modernização e informatização, era costume algumas empresas, com o conluio dos seus contabilistas, apresentarem 3 balanços: um para as Finanças, com prejuízos para fugir ao pagamento de impostos, um outro para os bancos, mais reluzente, com proveitos, para abonar os financiamentos e um terceiro, para consumo interno, para os accionistas saberem o que realmente tinham, ou não tinham.

Assim me parece hoje em dia, o nosso OE que vai sendo elaborado durante o sono por iluminados sonhadores, de tal modo que, cada vez mais, se vai assemelhando a uma manta de retalhos. Pode até ser uma inspiração no ditado popular que diz que o travesseiro é um bom conselheiro, mas… nos assuntos de Estado? Na minha modesta opinião penso que para uma melhor compreensão do OE seria interessante lerem a obra de Sigmund Freud A Interpretação dos Sonhos, onde talvez encontrem os fundamentos de tão promissor modelo.

De facto, tal como em tempos que já lá vão, parece que temos não três balanços mas três Orçamentos. Ou seja, um para a Troika, com anotações acentuando as dificuldades, os entraves do Tribunal Constitucional, que agora virou moda, para suavizar as exigências e se desculpabilizarem da sua incompetência, um outro para os credores e mercados internacionais, acentuando que estão no bom caminho, que se estão a tomar medidas para embaratecer a nossa mão de obra de modo a se obter maior competitividade, prevendo-se deste modo uma certa recuperação económica e um terceiro para consumo interno, para o povo, com carpideira, colocando a tónica nas despesas, na dificuldade em pagar os compromissos com a Segurança Social, com a Administração Pública, com as reformas e pensões, bem como com a Saúde e a Educação para justificarem os cortes salariais por falta de ideias e de competência, porque é disso que se trata, já que se assemelham mais a um grupo de garimpeiros à volta de um poço sem fundo..

Sinceramente que o lamento, mas esta é a minha leitura, porque já estou a ficar cansado, irritado e desconfiado... é que esta conversa fiada, mesmo com roupagens diferentes, já dura há 39 anos, e até não seria incomodativa se não se tratasse da nossa vida. Portugal é um território onde vivem cerca de 10.000.000 de pessoas e não um filme definido por 10.000.000 de pixels.

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quinta-feira, outubro 24, 2013

Tudo às Avessas!


Nos últimos tempos até algumas das pessoas que considero inteligentes e com uma dose razoável de racionalidade me surpreendem com comentários absurdos a propósito do Tribunal Constitucional (e não só…).

Com a vontade que muitos têm de salvar a cara em relação a posições que tomaram e tentam a todo o custo manter, mesmo quando as coisas começam a ser óbvias até para os próprios, fazem malabarismos intelectuais, longos discursos e arrazoados de ideias, que não lembrariam ao diabo, para justificar que assim, como eles dizem, é que as coisas devem ser.
Com isso estão a conseguir por tudo às avessas. Anda meio Portugal (provavelmente mais de meio) completamente confuso e a elaborar pensamentos, a desenvolver ideias, a partir do upside down a que estes discursos nos levam.
Uma das ultimas acusações que vi serem feitas ao Tribunal Constitucional é a de que vai ser responsável pelo próximo programa cautelar ou mesmo de um novo resgate. Como? Importam-se de repetir?
Parem as rotativas!
Parem e pensem! Pensem pela vossa cabeça. Deixem-se de acreditar em propaganda.
Afinal qual é o papel do Tribunal Constitucional? É ser sensível? É ter de aprender economia? É ter de alinhar com o Governo? Ou será apenas e só zelar pela aplicação do que está previsto na Constituição?
O Tribunal Constitucional tem alguma responsabilidade pelas consequências daquilo que é a atuação do Governo? Então não é ao contrário? Não é o Governo que deve governar e legislar de forma a não ferir a Constituição? Numa situação ótima os Senhores do TC nem deveriam ter nada que fazer. Seria sinal de que ninguém ousou ir contra aquilo que a Constituição prevê em defesa do povo português e do país. Seja qual for a cor do partido no poder.
Quem está agora no Governo, está lá porque desejou estar. Está lá porque fez de tudo para lá estar. Está lá porque trabalhou muito para lá chegar. Está lá porque convenceu uma determinada maioria de votantes de que sabia exatamente o que tinha de fazer para resolver o problema existente em 2011. A Constituição Portuguesa dessa altura é a mesma que temos hoje.
Não é a Constituição que tem de se dobrar aos desejos de cada um no poder. A Constituição é o Garante do país e do povo. Toquem-lhe apenas com as ferramentas que a democracia prevê. Ataques e remoques ficam muito mal a quem os desfere.

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domingo, outubro 13, 2013

Não há medidas bacteriologicamente puras

A comunicação deste Governo é trágica: todos o reconhecem. Mas, além da comunicação, é igualmente trágico o modo avulso e casuístico como certas medidas são tomadas. 

Sobre o modo avulso e casuístico das medidas

A recente proposta de corte das pensões de sobrevivência e as reações que se lhe seguiram tornaram claro para mim que estes ajustes de contas pontuais, com determinados segmentos da população, visando a justiça distributiva, são mais prejudiciais do que benéficos. Querem corrigir mas acabam por pôr em evidência, pelo confronto, situações ao lado, iguais ou piores. Não é possível legislar de forma tão perfeita que o evite. Além de, dentro da mesma classe, no caso os reformados, criar dois segmentos, o das pensões de sobrevivência e o das outras. Está, aliás, já prevista uma outra medida apenas destinada aos aposentados da Caixa Geral de Aposentações, deixando os da Segurança Social de fora, que volta a criar duas classes, apenas mudando a geometria. Também aí, a coberto de uma aparente justiça, a medida em muitos e muitos casos não será justa. 

Pior do que tudo isto, estas medidas deslassam o tecido social, quebram a coesão, alimentam invejas, corroem as relações entre as pessoas, destroem o ânimo, minam o país. Nunca haverá medidas bacteriologicamente puras. 

Deixava ontem (12 de outubro) Marques Mendes como recomendação ao Governo que, nos cortes para 2014, fossem tidos em linha de conta os agregados em que os dois elementos fossem funcionários públicos. Não deixei de sorrir pela ideia, que achei pouco refletida e atirada para ali para encher espaço televisivo, e logo pensei na chusma de divórcios que adviria se fosse legislada uma medida de discriminação positiva como a que ele propunha. Aliás, essa pseudo-medida e as consequências que se lhe seguiriam dá bem conta da quase impossibilidade de uma distribuição salomónica dos custos do ajustamento. A distribuição será sempre desigual: há quem tenha ficado desempregado, há quem não encontre emprego, há quem encontre um subemprego, há quem encontre um emprego mal remunerado e desempenhe as mesmas funções pagas a outros a um valor superior, há quem tenha, no sector privado, sofrido cortes superiores aos do sector público… Há, há, há… Todos esses estão aparentemente piores do que os aposentados ou os funcionários públicos… Obviamente que há também uma enorme mole de gente, do sector privado, que vê os seus rendimentos intocados, como se estivesse num casulo… Há, pois, de tudo… 

Isto não significa, porém, que o Governo deva pactuar com situações flagrantemente injustas, mas legisle para o futuro e deixe o que está como está, corrigindo as assimetrias atuais por via da tributação progressiva. Aliás, o Governo apanha recorrentemente com o Tribunal Constitucional em cima e parece que não aprende… A medida sobre as pensões de sobrevivência corre, aliás, o sério risco de ser declarada inconstitucional, ainda que as decisões do TC sejam uma roleta russa oracular, pois nunca se sabe o que dali pode sair…

Sobre a comunicação

Enquanto funcionário público irei sofrer para o ano mais um corte de 10% no salário. Conhecendo minimamente os grandes números do país, a medida oferece-me pouca contestação. Isto apesar de praticamente só ter rendimentos do trabalho, de a mesma me ir ao bolso, de estar a empobrecer a olhos vistos. Não consigo ser intelectualmente desonesto ao ponto de a contestar, por comparação com outros segmentos. A recomendação que eu, à guiza de Marques Mendes, faria ao Governo é que me diga: «lamento, tenho de te cortar salário porque não há dinheiro», mas não me diga que há funcionários a mais, nem me fale em privilégios que eu não tenho. É que eu percebo o argumento de não haver dinheiro: mete-se-me pelos olhos dentro, de forma cristalina, mas não entendo e não vislumbro, porque tenho olhos na cara e vejo o que se passa ali ao lado, os privilégios que me dizem que tenho… Ainda ontem, aliás, passou, numa das televisões, uma reportagem de uma empresa que fabrica sacos e que montou um ginásio para os seus colaboradores. Falaram trabalhadores e patrão sobre as vantagens daquilo e o tom da notícia era de júbilo… Questiono-me se no meu serviço se montasse um ginásio o tom da notícia seria o mesmo? E, por favor, não me venham com a lengalenga de que o dinheiro das empresas é das empresas e o do Estado é de todos nós… É que se aquele ginásio foi montado é porque havia dinheiro para isso e se havia dinheiro para isso é porque a venda do produto permite a existência desses lucros… Pela mesma lógica, cada cêntimo daquele ginásio é retirado a cada um de nós no preço dos produtos que compramos e que incorpora o custo dos sacos…

As medidas têm, pois, de ser comunicadas com verdade, sem subterfúgios, sem enviesamentos argumentativos e sem ocultar uma parte da realidade. As medidas têm de ser comunicadas pelo seu valor facial e serem tendencialmente universais. Será a única forma de manter um mínimo de agregação social que nos permita continuar a levar o barco para a frente.

As medidas avulsas e os erros de comunicação demonstram também à saciedade as deficiências arquitetónicas do edifício da Zona Euro. Estivéssemos nós na plena posse das ferramentas de desvalorização monetária e cambial e outro galo cantaria. O efeito era universal, tendencialmente mais justo, podendo o Governo corrigir, através de medidas de apoio social, as quebras de rendimento dos escalões mais baixos. Empobrecíamos, mas empobrecíamos todos por igual, ou pelo menos de forma mais igual. Porque é evidente que teremos todos de empobrecer.

quinta-feira, outubro 03, 2013

A democracia e os independentes


Não só o crescimento do número de candidaturas independentes foi uma das marcas destas eleições autárquicas como as conquistas destes mesmos independentes são igualmente merecedoras de grande destaque.
Atendendo aos resultados que nos são divulgados à hora da redação deste texto, no total, os grupos de cidadãos independentes que se lançaram nesta batalha eleitoral conquistaram 14 autarquias o que corresponde a cerca de 340 mil votos, estes subtraídos aos dois principais partidos, primeiro ao PSD, rotundamente derrotado nestas eleições e depois ao PS, ainda que vencedor destacado das mesmas.

Trata-se portanto de um notável crescimento quando em 2009 as candidaturas independentes haviam conquistado 9 autarquias. O país assiste também neste campo a uma viragem nas intenções de voto, a qual pode querer dizer várias coisas mas que revela os sinais de um desencanto com as atuais estruturas partidárias e com quem as representa ao nível do poder local, mas não só.
E digo não só porque, atendendo ao quadro atual da política nacional e à forma de condução das políticas públicas, estou em crer que o voto nestas eleições locais representou mais do que uma mera escolha local, antes evidenciou, diria como nunca, o sentimento dos portugueses no que concerne à política governamental e ao papel dos partidos políticos, transmitindo um grito de revolta e de descontentamento face ao rumo seguido nos últimos anos. 

Atingindo uma marca nunca vista, a percentagem dos votos em candidatos independentes representou cerca de 6,6% dos votos nacionais, segundo os dados disponíveis. Dito isto, algo poderá estar a mudar na sociedade portuguesa, até aqui toldada e adormecida às iniciativas provenientes da sociedade civil e dominada por uma espécie de partidocracia vigente.
E é curioso salientar que estes votos não apareceram nuns locais quaisquer mas antes em autarquias importantes: Porto, Matosinhos e Oeiras, com vitórias significativas, depois Portalegre, Estremoz, Borba e Redondo, com vitórias menos expressivas, e finalmente Sintra, num renhido segundo lugar. Estará algo para mudar na sociedade portuguesa?

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quarta-feira, outubro 02, 2013

Da necessidade de um bode expiatório



Diariamente somos confrontados com as mais diversas justificações sobre as origens e causas da crise em que o país se encontra.

Foi o desgoverno do Estado, foi a corrupção, foi a economia paralela, foi a má preparação e falta de conhecimentos dos governantes, foi a ilusão do dinheiro fácil, foi o crédito ilimitado, etc. E, relativamente aos argumentos e contra argumentos sobre todas estas causas, enquanto geradoras de todos os nossos males, divergem as elites deste país, sejam elas economistas, financeiros, gestores, politicos ou outros. Cada um, como diz o povo puxa a brasa à sua sardinha. Porém, de um modo subliminar, em muitas declarações, sobretudo de alguns sectores políticos, sindicalistas, comentadores e fazedores de opinião, na ausência de argumentos devidamente fundamentados, descobriram a razão de todos os males – a banca e os funcionários públicos. Fácil, muito fácil mesmo, enquanto intermediários da actividade financeira, fiéis depositários do dinheiro, haverá melhores responsáveis do que a banca para justificar a falta de poder de compra, da falta de dinheiro que nos apoquenta? E pelo lado da despesa, para que servem os funcionários públicos, essa gente que nos complica a vida e que nada faz? Estão encontrados os “bodes expiatórios”, a razão de todos os males e o povo,  ávido de explicações, rapidamente adere.

Com as devidas distâncias iedológicas e factuais, soa a um discurso já ouvido há muito tempo. Num passado recente, para manipular as pessoas menos informadas e em situação económica precária, e não encontrando justificação melhor, mais concreta e fundamentada, os nazis apontaram baterias para os judeus. Defenderam esta tese, enquanto valor social, como se fosse uma crença, fé ou religião, o que, como todos sabemos, não é passível de combate lógico e, nesse sentido, constitui um terreno muito propício para orientar e gerir, a seu belo prazer, as emoções de uma sociedade descontente.

Não quero com isto dizer que a situação é similar à referida, dada a sua dimensão social e atitude nada ética, bem como a assunção de comportamentos a todos os níveis reprováveis que esperamos nunca ver repetidos. Apenas o citei como exemplo da manipulação e intoxicação da opinião pública utilizando argumentos falaciosos.

Por vezes, ao ouvir tanto radicalismo, tanto enfoque na banca e nos funcionários públicos, interrogo-me se não estarão a tentar desviar as atenções do povo para as verdadeiras causas desencadeadoras da crise, bem como dos factores que efectivamente contribuiram para a referida situação. Mas, ainda mais perturbador, é que me parece que muitos dos comentadores não o fazem intencionalmente, mas por desconhecimento e/ou incompetência para analisar e concluir sobre os factos.

É que o tempo de se recorrer a um bode expiatório não se compagina com a realidade global em que vivemos, onde tudo interage, tudo influencia e é influenciado pelo meio envolvente. Não é tempo de se ter uma atitude reducionista ao ponto de julgarmos que há apenas um único responsável por tudo aquilo que nos rodeia.

Como todos os agentes sociais, quer a banca quer os funcionários públicos têm o seu papel e a sua quota parte de intervenção social, na medida em que influenciam e são influenciados dentro da realidade onde se inserem. Neste sentido, esta manipulação, apontando-os como origem de todos os males, não me parece correcta, nem sequer a maneira mais adequada de se educar aqueles menos informados que necessitam de ser esclarecidos, a não ser que queiramos caminhar para o fim da moeda e  criar uma sociedade individualista, regressando ao tempo das trocas directas e do nomadismo, crendo que assim tudo se resolverá e que poderemos viver felizes para sempre.

Acredito que as pessoas muito provavelmente gostariam de entender o que se passa à sua volta, quais os fenómenos que provocam as alterações sociais, como reduzir os seus efeitos, como participar nas decisões, como contribuir para solucionar os problemas, mas para isso, as elites melhor informadas e detentoras do conhecimento, deveriam interagir com os  seus concidadãos no sentido de os envolver na orientação dos seus destinos.

Infelizmente parece que a nossa democracia ainda se encontra numa fase primária, onde o povo ainda não teve a educação necessária, se sente confuso e aquela, apesar dos seus 39 anos, ainda não terá saído verdadeiramente do papel.

Muitas pessoas sentem-se, de um modo geral, catalogadas de esquerda ou de direita, como que remontando aos tempos da Revolução Francesa, e face à ausência de melhores referenciais, ficam sem saber em que lado se acomodarem. Penso mesmo que a maioria dos portugueses, para além das frases feitas dos diversos partidos políticos, que se preocupam mais em rotular os seus opositores, gastando o seu tempo em jogar à apanhada dos deslizes dos outros para os usar nos seus combates políticos, não entende sequer o que é isso de esquerda ou de direita. E, em vez de se deterem na abordagem das ideologias em presença, já ouvi definir a direita como sendo a banca, os ricos, os patrões e todos aqueles que vivem bem e a esquerda os operários, os trabalhadores e os pobres. Será deste modo que conseguiremos ter um povo desenvolvido, pessoas informadas e capazes de tomarem decisões, nomeadamente na eleição dos seus representantes?

Foto - J. A. Ferreira Alves 

terça-feira, outubro 01, 2013

Europa-América...


O homem precisa absolutamente de estar só para aspirar a conhecer a essência do seu semelhante. Blasfémia, ou nem tanto… Na verdade, quis o acaso (ou algo mais), que este pensamento me ocorresse em Toronto e não em Lisboa. Estava a jantar sozinho num hotel, com a incomparável vantagem de manter todos os sentidos atentos ao mais ínfimo pormenor. Raros momentos esses em que o prazer de estar só se sobrepõe à melhor das companhias. Só, comigo mesmo, em vez de tentar destilar a solidão, como se na mesma tivesse que encerrar alguma espécie de maldição, coloquei-me no papel do solitário observador. Uma posição confortável, qual esponja sequiosa, aspirando ao conhecimento.

À minha frente, e separados por duas mesas, um homem um pouco para lá da meia-idade e uma jovem mulher (na casa dos trinta, para mim são teenagers) falavam, descomplexada e apaixonadamente, sobre a vida, os filhos e os respetivos maridos e mulheres, não existindo na conversa qualquer alusão de cariz sexual. Assim se mantiveram, em desconfortável distância, o tempo suficiente para conhecerem acerca de cada um mais do que cada um provavelmente aspiraria a saber acerca de si próprio (falar com um desconhecido é semelhante ao anonimato das sessões de psicanálise).

À minha direita, ou seja, à esquerda do improvável casal de conversadores, uma família (fulminantemente atingida pelo mesmo mal do lince da Serra da Malcata), composta por uma grata e improvável combinação de netos, filhos e avós, escolhia os pratos. O pai, à direita do filho, deficiente, cumulava o rebento com toda a espécie de mimos, como se tivesse gerado o ser perfeito, idolatrando-o como os servos aos deuses. Parecia um bicho-da-seda tecendo diligentemente o casulo com que protegeria o frágil rebento. Era amor em estado puro, galgando deliciosos degraus da afetividade. Um amor que, de tão genuíno e mostrado à saciedade, se poderia considerar patético para corações empedernidos.

Mais à minha direita, ou seja, à esquerda das mesas dos dois conversadores, separados por desconfortável distância, e ainda mais à esquerda do progenitor apaixonado pela cria imperfeita, um grupo de velhas (todo o género de pessoas com mais de trinta anos acima da minha idade…), dedicava-se solidariamente à odisseia de despejar mais pints numa noite do que o somatório de toda a aritmética alcoólica que percorreu as veias das minhas duas avós ao longo da sua longa existência.

Dei comigo a pensar como a América é de facto diferente, na sua quase infantil ingenuidade, na perseguição patética do american dream; na forma como nos abordam nos elevadores vendendo a mais incrível miríade de coisas, perseguindo a mais escassa oportunidade de negócio; na maneira empolgada como falam de Billy the Kid ou Wyatt Earp, com uma veneração superior à que dedicamos a Winston Churchill ou a Leonardo da Vinci; na forma com que percorrem os corredores dos seus edifícios com menos de cem anos, proferindo orgulhosas palestras, como se nesse espaço tivessem ocorrido acontecimentos mais opulentos e fatídicos que os que alguma vez tiveram lugar no Coliseu de Roma.

Na ingenuidade desses homens americanos, contraditoriamente saídos na sua esmagadora maioria de sangue irlandês, holandês, italiano e inglês, subsistiu, ou mais do que isso germinou, uma vontade férrea e uma crença enorme no sucesso, que nós europeus, na nossa snob e inútil superioridade, ficámos derramando como gárgulas, como se tivéssemos sido lancetados do orgulho de séculos de grandiosa história, declinando nos americanos o empreendedorismo e a ousadia e nos asiáticos as fábricas que antes nos livrariam do trabalho e hoje nos privam da subsistência.

A nossa descrença (e consequente decadência), patente na reeleição de líderes apetrechados de óculos-de-Alcanena, vem condicionando a nossa forma de pensar, agir e manter uma atitude construtiva perante a adversidade. A nossa Europa deslocalizada, descaracterizada e cada vez mais desidratada dos fundamentos que ao longo de séculos lhe transmitiram identidade, vê-se dirigida por governantes que apenas se preocupam com as questões domésticas, como donas de casa laboriosas. Uma Europa perdida, apeada dos mais ínfimos resquícios de solidariedade.

Felizmente a viagem deu-me o pretexto necessário para não ter de me deslocar às urnas, o que me poupou a alguma ansiedade. Afastado dos boletins de voto nas eleições autárquicas, fiquei a confortável distância numa melancólica meditação. Sonhando com o dia em que os imparáveis e voláteis gentlemen da política portuguesa deixariam de se mover pelos municípios nacionais com tamanha volatilidade e insensatez, quedando-se dependurados de um qualquer varandim da Gomes Freire a observar um país livre da sua estafada presença no nosso quotidiano.

Dei comigo a pensar (deep thought) como a ingenuidade infantil de uns (americanos), pode ofuscar a sabedoria de outros (europeus).
Apeteceu isolar-me como o Zaratustra de Nietzsche, na sua caverna da montanha, recuperando as forças para novos combates. Como diria o filósofo, numa expressão que bem se poderia aplicar à Europa: «quem vos tirar as cores, as flores e as plumas, ficará apenas com algo com que espantar os pássaros».

God bless America! God Save Europe!

Foto - Luís Bento

O anacronismo do atual modelo autárquico - David Dinis

No rescaldo das eleições autárquicas de 29 de setembro, divulga-se o trabalho de David Dinis, membro do FRES, intitulado O anacronismo do atual modelo autárquico.

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