Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, setembro 04, 2013

O Eldorado ou a Terra Prometida


Desde sempre que os portugueses procuram melhores condições de vida e a nossa história é pródiga em exemplos. Não falando já dos nossos marinheiros aventureiros e dos Descobrimentos, nem dos movimentos para as ex-colónias ultramarinas, cujo contexto é mais complexo do que a simples procura de condições de vida, mas apenas abordando a história mais recente, dir-se-ia que somos um país de emigrantes em permanente busca do Eldorado.

O Brasil foi um destino de eleição para onde muitos portugueses rumaram em busca de riqueza, de melhores condições de vida, sobretudo entre 1901 e 1930, tendo-se mantido este fluxo, em níveis elevados, até aos anos 50. No norte de Portugal foi bastante evidente este êxodo, basta relembrar Carmen Miranda, de tal modo que surgiram, para os regressados, expressões do tipo Zé-brasileiro-português-de-Braga. Entretanto, muitos por lá ficaram e orientaram a sua vida, nomeadamente na área da panificação, pelo que ainda hoje se associa o português ao proprietário de padarias.

A partir dos anos 60 o destino escolhido recaiu sobre os países da Europa central, nomeadamente França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo, entre outros. E, coincidindo com a chegada da guerra colonial, esta procura acentuou-se, quer pelos que pretendiam fugir à referida guerra, quer pelos que procuravam conseguir as condições de vida que o país não tinha para lhes oferecer.

De qualquer modo, a procura de condições de vida dignas para si e para os seus filhos, constitui a principal razão deste êxodo, caracterizado por um tipo de pessoas, sobretudo de menores recursos, que ansiavam encontrar a Terra Prometida.

Todavia, estes movimentos acabaram por ter repercussões na sociedade portuguesa. Muito provavelmente foi do agrado dos governantes de então, tendo em conta a remessa de divisas dos emigrantes que, a seu tempo, ajudaram a equilibrar as contas da balança externa do país e eventualmente propiciaram mais uma fonte de financiamento para a sustentação da guerra colonial. De certo modo aliviava o recurso aos empréstimos concedidos pelos fundos das diversas Caixas de Previdência, embora mais tarde, segundo consta, ressarcidas pelo orçamento do Estado, uma vez que se tratavam de fundos privados. 

Outra das consequências, e que agora se torna mais evidente, foi a diminuição da natalidade, colocando em causa a reposição geracional, dada a faixa etária dos que emigraram e acabaram por constituir família nos países onde se fixaram, cujos filhos, regra geral, não regressaram, contribuindo assim para o envelhecimento da nossa população.

Chegados ao 25 de Abril de 1974, novas esperanças foram criadas, novos ideais surgiram, e com o advento da democracia tudo indicava que, finalmente, teríamos uma distribuição mais equitativa da riqueza nacional, e consequentemente a busca do Eldorado teria os dias contados. Mais tarde, com a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), essa ideia foi ainda mais reforçada. Finalmente iríamos ser um país onde se podia viver com condições dignas e onde seria possível criar os nossos filhos sem ter necessidade de emigrar.

Os portugueses empolgaram-se e, em certa medida, fizeram-nos crer nessa nova realidade, afinal não é todos os dias que se chega à Terra Prometida. Entraram no grupo dos mais favorecidos, no clube dos países mais ricos, para onde outrora emigravam, mas que hoje já não seria mais necessário, uma vez que, gradualmente, como os políticos os fizeram crer, iriam ter um nível de vida mais equiparado àqueles, o que configurava o propósito da constituição da CEE.

Parafraseando José Saramago, dir-se-ia que foi uma espécie de ensaio sobre a cegueira, onde nem sequer houve a preocupação com o facto de, à partida, a conversão da moeda tornar evidente a desigualdade que nos colocou na cauda do referido clube. Os salários foram convertidos de acordo com a indexação cambial convencionada, porém, o custo de vida e os preços dos bens essenciais foram rapidamente equiparados aos dos países mais ricos e o empobrecimento e a falta de poder de compra acentuaram-se. Todavia, os governantes e os agentes financeiros, com a complacência das autoridades europeias, fizeram-nos crer que não teria que ser assim e trataram de nos permitir o acesso fácil ao crédito, de tal modo que muitos não pensaram que o teriam de pagar mais cedo ou mais tarde.

E hoje chegámos aqui. Este é o país que resta depois de tudo o que se prometeu. Um país depauperado, um país deficitário, um país endividado, um país pobre e, mais uma vez, um país de emigrantes.

E de quem é a responsabilidade? Tal como na nossa casa, quando algo corre mal, os filhos se dirigem para os pais, assim nós, os comuns cidadãos nos dirigimos para os governantes,. Afinal não terão eles uma quota de responsabilidade na medida em que configuram a representação da figura parental na sociedade?

É certo que podemos repartir responsabilidades, nomeadamente pela falta de cuidado e de ponderação de muitos portugueses, pelo facto de terem embarcado facilmente numa vida despreocupada, pela miragem do dinheiro fácil, do crédito sem limites, sem pensarem que um dia o teriam de pagar. De tal modo esta forma de viver se generalizou que, quando não havia dinheiro, era comum dizer-se «não é necessário ter dinheiro, o que importa é ter crédito», mas não teria feito mal nenhum se se tivesse em conta a sabedoria popular que diz «quando a esmola é grande, o pobre desconfia».

Porém, será legítimo questionar que, tal como se espera dos pais e dos educadores, os governantes, mais esclarecidos e experientes, não deveriam ter alertado os seus governados de modo a evitar que estes fossem induzidos em erro? Presume-se que estariam melhor informados, melhor preparados e, nesse sentido, seria sua obrigação,  e porque não missão, alertar as pessoas. Mas não, parece que assistiram, ingénua ou propositadamente ao endividamento dos seus concidadãos, gerando posteriormente um certo descrédito relativamente aos políticos, o qual, hoje, dadas as circunstâncias, se acentuou, afigurando-se mais atual a célebre frase de Rafael Bordalo Pinheiro, quando, em nome do , escreveu:
«Cá pelo país está tudo diferente e tudo na mesma. As lutas pelo poder continuam. Os partidos sucedem-se. Ainda há algum tempo em conversa com Rafael falámos sobre isso. E que a política é como uma “grande porca”, ambos concordamos. É na política que todos mamam. E como não chega  para todos, parecem bacorinhos que se empurram para ver o que consegue apanhar uma teta
A ingenuidade de acreditarmos em todos, ou talvez de concedermos o benefício da dúvida, e para tal basta verificar a história para aquilatarmos das falsas promessas eleitorais quando se trata de conquistar o poder,  levou-nos a embarcar no Eldorado, no: «agora é que é, estes não são como os outros, finalmente vamos todos ter direitos iguais».

Pois, pois, como diria  George Orwell  «Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros».

Afinal, qual é a nossa situação? O que somos? O que nos espera? Em que e em quem devemos acreditar e confiar? Não faço juízos de valor antecipados, cada um que reflita, faça o seu próprio julgamento e aja em conformidade com a sua consciência.

Foto - José A. Ferreira Alves

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