Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, setembro 28, 2013

Portugal, a demografia e o desenvolvimento económico e social (FRES, 2013)

O FRES entregou há dias à Presidência da República, aos partidos com assento parlamentar e respetivos grupos, à Comissão Parlamentar de Segurança Social e Trabalho, à Associação Portuguesa de Demografia, à Revista da Segurança Social, ao Instituto do Envelhecimento e ao Centro de Estudos para a Intervenção Social o documento intitulado Portugal, a demografia e o desenvolvimento económico e social, que constitui o resultado coletivo da reflexão dos seus membros em 2012. Recorde-se que nesse âmbito o FRES realizou no passado dia 4 de maio, nas instalações do ISCTE, em Lisboa, o workshop Demografia e Equilíbrios Sociais

quarta-feira, setembro 11, 2013

Que reforma do Estado?

Fala-se muito por estes dias na necessidade de proceder a uma reforma do Estado, invocando quase sempre como motivo o peso excessivo que os salários da função pública têm na despesa pública, sempre sob a alegação de que existe excesso de funcionários. Os números reais contrariam esta tese, pois quer a nível da população activa quer a nível do peso dos salários em relação ao PIB, Portugal não só não está acima da maioria dos seus parceiros europeus como, pelo contrário, até fica abaixo da média da UE-27, da zona Euro e da OCDE nesses indicadores. Acresce que actualmente Portugal tem ao seu serviço cerca de 575.000 funcionários públicos, o valor mais baixo dos últimos 20 anos...

Que o Estado português é ineficiente, lento, pesado, excessivamente burocrático, e que muitas vezes atrapalha mais o cidadão que deveria servir do que ajuda, e que parece muitas vezes existir apenas para se alimentar a si próprio e continuar a subsistir, é uma realidade que todos, utentes dos serviços públicos, conhecemos por experiência própria, independentemente de trabalharmos no público ou no privado. Trabalhando no público, porém, conseguimos perceber melhor porque é que muitas vezes o aparelho burocrático funciona tão mal, e a razão menor não é, seguramente, esse excesso de burocracia. Quase sempre se complica o que é fácil, em vez de simplificar.

A pretexto do gigantismo do Estado, o governo actualmente em funções encetou uma política de requalificações e rescisões amigáveis que mais não visa, em termos objectivos, que ver-se livre de uns quantos milhares de funcionários para poupar nos salários, mas sem que a essa redução corresponda uma efectiva reestruturação dos serviços, uma racionalização de recursos e muito menos um acréscimo da sua eficiência. Na realidade, até à data não se conhece qualquer estudo que indique quantos e quais funcionários existem a mais e em que serviços é que os mesmos são dispensáveis. Alguns especialistas referem mesmo que se corre o risco de, ao fazer cortes cegos no pessoal, pôr em causa o funcionamento dos próprios serviços ao dispensar funcionários administrativos que, mesmo pouco qualificados, são essenciais. O reverso da medalha poderá ser a necessidade de posteriormente ter de contratar os mesmos serviços externamente e, provavelmente, pagando mais, e dessa forma desmantelando toda a poupança em gastos que era pretendida.
Uma reforma do Estado séria e pensada, se fosse realmente essa a intenção, teria de começar muito a montante, por um estudo e debate aprofundados a nível nacional, envolvendo todas as forças políticas e os cidadãos. Se queremos ter “menos Estado e melhor Estado”, temos de começar por equacionar estas questões:

1.   Que tipo de Estado queremos? Quais são as suas atribuições, que serviços deve prestar aos cidadãos, quais são aqueles que deve chamar a si, quais são os que deve delegar aos privados? Funções como a segurança, defesa nacional, justiça, educação, saúde, fornecimento de serviços de abastecimento (águas, gás, electricidade), telecomunicações e transportes, ordenamento e protecção ambiental e territorial, entre muitos outros, quais deve o Estado chamar a si e de quais pode ou deve prescindir?
2.   Respondida esta questão, outra resulta directamente dela: quantos e quais ministérios devem existir para dar cumprimento às funções que o Estado se propõe efectuar? Deveria ser definida entre todas as forças políticas uma estrutura de ministérios sólida, coerente e, sobretudo, estável. Não faz qualquer sentido que se esteja constantemente a aumentar e diminuir ministérios ao sabor dos caprichos de cada governo ou de cada governante, ora juntando pastas que não devem estar juntas em mega-ministérios, ora pulverizando atribuições em mini-ministérios cuja existência dificilmente se justifica. Esta constante arbitrariedade na reestruturação ministerial, com as próprias e frequentes mudanças de nomes, logotipos e endereços de correio electrónico, que custos têm em termos de gastos em dinheiro, tempo e eficiência? O Ministério da Agricultura, por dar um dos exemplos mais aberrantes, já foi de Agricultura e Pescas, da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, e agora é apenas da Agricultura e do Mar. As próprias designações são por vezes ridículas. Já existiu um Ministério do Mar, tal como agora o antigo Instituto de Meteorologia passou a Instituto do Mar e da Atmosfera. Que sentido fazem estes nomes e o que se ganha com estes constantes ziguezagues? O mesmo se aplica aos Institutos Públicos e Direcções-Gerais, que mudam de nome para continuarem a ser conhecidos pelos nomes antigos, como aconteceu com o INA – Instituto Nacional de Administração, que passou a chamar-se Direcção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas – INA! Seria cómico se não fosse trágico...
Deveria haver, aqui sim, um pacto de regime a sério, que definisse qual a estrutura dos ministérios existentes e que não poderia ser alterada num prazo de 20 anos, independentemente das mudanças de governo verificadas, o mesmo acontecendo com as respectivas estruturas dirigentes. Para se obter ganhos de eficiência, os organismos devem continuar a funcionar normalmente sem estarem submetidos aos calendários eleitorais, nem serem objecto duma interminável dança de cadeiras sempre que há mudança de governo.
3.  Definida a estrutura ministerial, com as respectivas direcções, institutos e todos os organismos realmente necessários, é chegada a hora de determinar qual a dimensão e a missão de cada um. E só aqui chegados faria sentido pensar com rigor e objectividade em quantas pessoas seriam necessárias para levar a cabo a missão que compete a cada organismo. E aí poderia encontrar-se excesso de funcionários nuns locais mas também escassez de funcionários noutros. Aí, sim, faria todo o sentido uma requalificação de funções, de modo a permitir o aproveitamento de funcionários excedentários num local noutro onde fizessem falta, e não a falsa requalificação que actualmente se pretende, apenas com o objectivo de lhes pagar menos e finalmente despedi-los.
Finalmente poderia chegar-se a um modelo em que estava perfeitamente definido o papel que se pretende do Estado e em que cada posto de trabalho existiria com um objectivo e uma missão. Isto era o que seria uma reforma séria e verdadeira, que permitiria redimensionar o Estado dum modo racional e pensado com lógica. Um governo sério que pretendesse efectivamente reformar o Estado e torná-lo mais leve e mais eficiente teria obrigatoriamente de ir à raiz do problema e começar o debate pelo início. Aquilo que se pretende fazer não passa duma operação de cosmética, de ganhos altamente duvidosos e, possivelmente, com resultados a prazo mais onerosos para as contas públicas.

Foto

NotaO FRES adotou, nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 16 de maio,  a grafia oficial prevista pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO 1990). Porém, nos termos do n.º 2 do art.º 2.º do supracitado diploma, e até 13 de maio de 2015, os seus membros podem individualmente, neste blogue, optar por uma das grafias que coexistem. Este autor opta pela grafia anterior ao AO 1990.

domingo, setembro 08, 2013

O desporto nacional tuga II

Um dos desportos nacionais das elites – ou supostas elites - portuguesas é também, por estes dias, «arriar» nos políticos. Nisso seguem o cherne, são «Maria-vai-com-as-outras», ainda que sejam elites... É ver-se a forma como os nossos empresários, alguns dos maiores, falam dos políticos, para se percecionar um desprezo latente ou mesmo expresso. O que se propaga qual mancha de óleo para os médios empresários, os pequenos empresários, ou mesmo para os assalariados, meros esbirros, peões de brega de alguns daqueles. Li no caderno Economia do Expresso (10 de agosto de 2013, p.30) um pequeno texto em que é entrevistado um tal de Rui Lança, formador em coaching, o qual afirma perentoriamente: «Noutro sector este Governo já não existia» ou «Em sectores de atividade mais exigentes, uma equipa deste género cairia muito mais depressa por, simplesmente, não ter atingido as metas a que se propôs». 

Confesso que li e estarreci. É que aquilo é de uma jactância inaudita. Diz ele, em «sectores de atividade mais exigentes». Eu confesso que desconheço um sector de atividade mais exigente do que o Governo do Estado mas enfim… Procuro olhar para a realidade sob todos os prismas e não encontro nada de semelhante à minha volta… Se olharmos para o «volume de negócio», as verbas que o Estado movimenta, facilmente verificamos que mesmo os maiores grupos económicos nacionais são anões quando comparados com o Estado… Se olharmos para o escrutínio, e se o compararmos com o das empresas, verificamos que o Governo é diariamente escrutinado pelos seus 10 milhões de «acionistas» e por inúmeros órgãos – Presidente da República, Assembleia da República, Tribunais, etc. – já para não falar dos media, todos com um crivo muito mais apertado do que as Assembleia Gerais e os Conselhos Gerais e de Supervisão de qualquer sociedade, sendo que a direção executiva do País – o Governo – pode ser apeada com a maior das facilidades de quatro em quatro anos pela grande Assembleia Geral que são as eleições, isto já para não falar de ministros e secretários de estado, sumariamente despachados nalguns casos em meses…  

Mas o que verdadeiramente mais confusão me faz é a ligeireza da linearidade da comparação implícita entre o governo do Estado e o governo das empresas que de tão simplista chega a ser simplória… Achando-se que são coisas iguais e comparáveis e não são. Uma empresa com problemas faz um downsizing, despede trabalhadores, paga a indemnização da lei e não tem mais com que se preocupar… No Estado não é assim como bem se vê por estes dias… O Estado pode reduzir salários, mas pouco, e não pode despedir… Uma empresa com problemas corta os custos de produção a seu bel-prazer e ponto final. Se há outras empresas que ficam sem essa receita, paciência, isso não é problema delas. No Estado, reduzir custos implica que alguém perca receita, que por sua vez, para manter os lucros, vai ter provavelmente de despedir, com os custos do desemprego a recaírem em cima do Estado, ou produzir menos, com os custos de não vender a recaírem também em mais de 30% em cima do Estado que deixa de arrecadar a receita de impostos diretos e indiretos… Os exemplos poder-se-iam multiplicar...

Na essência, uma empresa define objetivos e metas atenta uma realidade micro… O Estado, por via do Governo, define metas e objetivos atenta a realidade macro… As ferramentas de ação do Estado – tirando os impostos – são muito mais limitadas e o seu enquadramento micro e macro é muito mais complexo… 

Confesso que por tudo isto olho com algum desprezo para estes pequenos umbiguistas ainda que me pareça que com bastante menos do que eles olham para o Estado, para o Governo e para os políticos…

quarta-feira, setembro 04, 2013

O Eldorado ou a Terra Prometida


Desde sempre que os portugueses procuram melhores condições de vida e a nossa história é pródiga em exemplos. Não falando já dos nossos marinheiros aventureiros e dos Descobrimentos, nem dos movimentos para as ex-colónias ultramarinas, cujo contexto é mais complexo do que a simples procura de condições de vida, mas apenas abordando a história mais recente, dir-se-ia que somos um país de emigrantes em permanente busca do Eldorado.

O Brasil foi um destino de eleição para onde muitos portugueses rumaram em busca de riqueza, de melhores condições de vida, sobretudo entre 1901 e 1930, tendo-se mantido este fluxo, em níveis elevados, até aos anos 50. No norte de Portugal foi bastante evidente este êxodo, basta relembrar Carmen Miranda, de tal modo que surgiram, para os regressados, expressões do tipo Zé-brasileiro-português-de-Braga. Entretanto, muitos por lá ficaram e orientaram a sua vida, nomeadamente na área da panificação, pelo que ainda hoje se associa o português ao proprietário de padarias.

A partir dos anos 60 o destino escolhido recaiu sobre os países da Europa central, nomeadamente França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo, entre outros. E, coincidindo com a chegada da guerra colonial, esta procura acentuou-se, quer pelos que pretendiam fugir à referida guerra, quer pelos que procuravam conseguir as condições de vida que o país não tinha para lhes oferecer.

De qualquer modo, a procura de condições de vida dignas para si e para os seus filhos, constitui a principal razão deste êxodo, caracterizado por um tipo de pessoas, sobretudo de menores recursos, que ansiavam encontrar a Terra Prometida.

Todavia, estes movimentos acabaram por ter repercussões na sociedade portuguesa. Muito provavelmente foi do agrado dos governantes de então, tendo em conta a remessa de divisas dos emigrantes que, a seu tempo, ajudaram a equilibrar as contas da balança externa do país e eventualmente propiciaram mais uma fonte de financiamento para a sustentação da guerra colonial. De certo modo aliviava o recurso aos empréstimos concedidos pelos fundos das diversas Caixas de Previdência, embora mais tarde, segundo consta, ressarcidas pelo orçamento do Estado, uma vez que se tratavam de fundos privados. 

Outra das consequências, e que agora se torna mais evidente, foi a diminuição da natalidade, colocando em causa a reposição geracional, dada a faixa etária dos que emigraram e acabaram por constituir família nos países onde se fixaram, cujos filhos, regra geral, não regressaram, contribuindo assim para o envelhecimento da nossa população.

Chegados ao 25 de Abril de 1974, novas esperanças foram criadas, novos ideais surgiram, e com o advento da democracia tudo indicava que, finalmente, teríamos uma distribuição mais equitativa da riqueza nacional, e consequentemente a busca do Eldorado teria os dias contados. Mais tarde, com a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), essa ideia foi ainda mais reforçada. Finalmente iríamos ser um país onde se podia viver com condições dignas e onde seria possível criar os nossos filhos sem ter necessidade de emigrar.

Os portugueses empolgaram-se e, em certa medida, fizeram-nos crer nessa nova realidade, afinal não é todos os dias que se chega à Terra Prometida. Entraram no grupo dos mais favorecidos, no clube dos países mais ricos, para onde outrora emigravam, mas que hoje já não seria mais necessário, uma vez que, gradualmente, como os políticos os fizeram crer, iriam ter um nível de vida mais equiparado àqueles, o que configurava o propósito da constituição da CEE.

Parafraseando José Saramago, dir-se-ia que foi uma espécie de ensaio sobre a cegueira, onde nem sequer houve a preocupação com o facto de, à partida, a conversão da moeda tornar evidente a desigualdade que nos colocou na cauda do referido clube. Os salários foram convertidos de acordo com a indexação cambial convencionada, porém, o custo de vida e os preços dos bens essenciais foram rapidamente equiparados aos dos países mais ricos e o empobrecimento e a falta de poder de compra acentuaram-se. Todavia, os governantes e os agentes financeiros, com a complacência das autoridades europeias, fizeram-nos crer que não teria que ser assim e trataram de nos permitir o acesso fácil ao crédito, de tal modo que muitos não pensaram que o teriam de pagar mais cedo ou mais tarde.

E hoje chegámos aqui. Este é o país que resta depois de tudo o que se prometeu. Um país depauperado, um país deficitário, um país endividado, um país pobre e, mais uma vez, um país de emigrantes.

E de quem é a responsabilidade? Tal como na nossa casa, quando algo corre mal, os filhos se dirigem para os pais, assim nós, os comuns cidadãos nos dirigimos para os governantes,. Afinal não terão eles uma quota de responsabilidade na medida em que configuram a representação da figura parental na sociedade?

É certo que podemos repartir responsabilidades, nomeadamente pela falta de cuidado e de ponderação de muitos portugueses, pelo facto de terem embarcado facilmente numa vida despreocupada, pela miragem do dinheiro fácil, do crédito sem limites, sem pensarem que um dia o teriam de pagar. De tal modo esta forma de viver se generalizou que, quando não havia dinheiro, era comum dizer-se «não é necessário ter dinheiro, o que importa é ter crédito», mas não teria feito mal nenhum se se tivesse em conta a sabedoria popular que diz «quando a esmola é grande, o pobre desconfia».

Porém, será legítimo questionar que, tal como se espera dos pais e dos educadores, os governantes, mais esclarecidos e experientes, não deveriam ter alertado os seus governados de modo a evitar que estes fossem induzidos em erro? Presume-se que estariam melhor informados, melhor preparados e, nesse sentido, seria sua obrigação,  e porque não missão, alertar as pessoas. Mas não, parece que assistiram, ingénua ou propositadamente ao endividamento dos seus concidadãos, gerando posteriormente um certo descrédito relativamente aos políticos, o qual, hoje, dadas as circunstâncias, se acentuou, afigurando-se mais atual a célebre frase de Rafael Bordalo Pinheiro, quando, em nome do , escreveu:
«Cá pelo país está tudo diferente e tudo na mesma. As lutas pelo poder continuam. Os partidos sucedem-se. Ainda há algum tempo em conversa com Rafael falámos sobre isso. E que a política é como uma “grande porca”, ambos concordamos. É na política que todos mamam. E como não chega  para todos, parecem bacorinhos que se empurram para ver o que consegue apanhar uma teta
A ingenuidade de acreditarmos em todos, ou talvez de concedermos o benefício da dúvida, e para tal basta verificar a história para aquilatarmos das falsas promessas eleitorais quando se trata de conquistar o poder,  levou-nos a embarcar no Eldorado, no: «agora é que é, estes não são como os outros, finalmente vamos todos ter direitos iguais».

Pois, pois, como diria  George Orwell  «Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros».

Afinal, qual é a nossa situação? O que somos? O que nos espera? Em que e em quem devemos acreditar e confiar? Não faço juízos de valor antecipados, cada um que reflita, faça o seu próprio julgamento e aja em conformidade com a sua consciência.

Foto - José A. Ferreira Alves