Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, dezembro 21, 2013

Que Economia do Mar?

1. Somos um país que sempre teve na designada economia do mar um relevante potencial de crescimento económico e afirmação de Portugal no Mundo. E este potencial começa logo na posição geográfica privilegiada, neste fulcro posicional entre Continentes e nesta posição no centro do triângulo mágico, América Latina, Europa e África.

2. Porém, após a adesão à CEE e na senda da disponibilização dos fundos comunitários aos novos entrantes e do cumprimento das quotas de pesca e da frota pesqueira, este país voltou as costas ao mar e a todas as atividades ligadas ao mesmo. Por outras palavras, foram exterminados todos os requisitos que fariam da economia do mar, um instrumento e uma aposta estratégica para o crescimento e desenvolvimento futuros do país. Lamentavelmente.

3. Para além das atividades e riquezas alimentares da pesca, da força da produção de uma forte frota pesqueira, das atividades marítimas recreativas, como os desportos náuticos diversos (veja-se o recente caso do surf na Nazaré) que podem captar gente vinda de fora, também a projeção das belezas da costa em termos turísticos, o aproveitamento e melhoramento da orla costeira ao nível do lazer, da restauração, das praias, são aspetos do potencial deste sector, havendo ainda a salientar o potencial de outras atividades ligadas à indústria marítima como sejam a aquacultura e piscicultura, a gestão e oferta portuária até chegarmos à construção naval. A quase tudo isto se virou costas.

4. E vem agora à boca de cena a questão da indústria da construção naval, sector onde Portugal sempre apresentou fortes pergaminhos e notoriedade em termos internacionais. Sou pouco versado em conhecimentos desta indústria, porém tendo acompanhado um pouco da ponta deste enorme véu, estou em crer que o país não efetuou as apostas certas para manter o estatuto outrora conseguido e agora perdido. Se no caso dos portos, Portugal, que é beneficiado por uma qualquer dádiva divina, reúne características quase únicas em portos industriais como Sines, Lisboa e Leixões, também ao nível de portos recreativos ou turísticos, as características dos rios Douro e Tejo permitem, de forma quase única, uma oferta de serviços distintiva e trazer até aos centros das duas maiores cidades portuguesas navios de recreio e de cruzeiro de grande calado.

5. Outrora, empresas como a Lisnave, Setenave ou os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, catapultaram o país para o topo da indústria naval mundial. Estivemos sempre entre os melhores e os mais capazes. Hoje esta indústria vive tempos revoltosos e ameaça extinguir-se. Não conheço todas as razões mas apenas algumas. Entre estas, está uma ausência de políticas viradas para o reforço, inovação e eficiência nestas atividades, um virar de costas, mais uma vez, à economia do mar. Deixámos que outros se colocassem à frente. Num momento em que tanto se discute a concessão dada a privados dos ENVC, com a ameaça e risco do seu afogamento, outros se preparam para encarar de frente as oportunidades que aí vêm com as novas diretrizes internacionais que exigem que navios de grande porte do transporte marítimo mundial tenham necessariamente dois cascos. Tal obrigará ao crescimento e intensificação das atividades de reparação naval. Alemanha e Holanda já estão na linha da frente. E Portugal, onde está? O que fazemos com tanto mar?

segunda-feira, dezembro 09, 2013

Convém estarmos atentos


«E aqueles que por obras valorosas se vão da lei da Morte libertando...»
Os Lusíadas, Canto I

A morte de Nelson Mandela permite algumas reflexões. 

Não deixa de ser extraordinário como o destino de um povo, de uma nação ou da humanidade depende das contingências da História. Para uma nação, ter entre os seus um Homem como Nelson Mandela, no momento certo da sua História, é um acaso mas também uma bênção. As manifestações de reconhecimento dos sul-africanos e de todo o mundo são disso uma evidência. 

Como foi possível que, numa sociedade cujas instituições políticas e económicas foram concebidas para promover a exploração e a pobreza de muitos em benefício de uma elite, tenha surgido, exatamente dessa mole de explorados, um Homem como Nelson Mandela? Ter acontecido é um sinal de esperança e um aviso para todos os regimes semelhantes.

O que a vida de Nelson Mandela nos lembra é que para nos libertarmos da lei da Morte, para deixarmos marca, para sermos homens-bons, temos que acreditar, ter coragem, mas também paciência. Não deixa de ser uma mensagem poderosa para as nossas sociedades, que se acomodam e aceitam, bastas vezes, ser governadas por políticos instantâneos, sem ideias e ideais, que beneficiam o imediato e servem interesses que não, e só, o interesse público.

Embora muito esteja por fazer, não é difícil assumir que a sociedade sul-africana é hoje mais inclusiva do ponto de vista político, social e económico, mas importa referir que no futuro não tem que ser necessariamente assim.

Cabe a todos nós, cidadãos, fazer escolhas, nomeadamente quanto à arquitetura institucional política e económica e ao modo como nos organizamos para que daí resultem sociedades mais inclusivas, com maior capacidade de geração da riqueza, que reduzam a assimetria na distribuição do rendimento e que promovam a inovação.

Vem esta reflexão muito a propósito do momento em que Portugal, como país, atravessa e em que vemos alguns pilares da nossa arquitetura institucional serem atacados, nomeadamente o Tribunal Constitucional. Não me importa tanto, por agora, discutir da razão para tal, mas somente referir que as sociedades inclusivas só existem porque suportadas em instituições políticas inclusivas e que estas, por sua vez, só existem quando se tem um Estado centralizado e respeitado, se mantém a efetiva segregação de poderes, se respeita o primado da lei e as instituições são permanentemente escrutinadas pela imprensa e os cidadãos livres. 

Convém estarmos atentos.

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domingo, dezembro 01, 2013

A Língua Portuguesa


1.Realizou-se em finais de outubro passado em Lisboa a II Conferência Internacional sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial, organizada pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, pela CPLP, pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa e pelas Universidades de Lisboa, Coimbra, Porto e Nova. Tratou-se de uma iniciativa de destaque porque, sendo partilhada pelo conjunto de países que compõem a CPLP, fez destacar o facto de não se tratar apenas de uma iniciativa de carácter patriótico ou nacional.
2. Parece-me de enorme relevância iniciativas desta natureza, não só para manter vivas as atenções na língua portuguesa e relembrar o seu grande valor como símbolo vivo da Nação ou o seu potencial de crescimento, mas também pelo facto de ajudar a tornar mais forte a já rica, universal e dispersa língua de Camões.

3.A dimensão real dos números não deixa espaço para equívocos: a língua portuguesa tem atualmente 250 milhões de falantes; é a 3.ª mais usada nas redes sociais e também nos negócios do petróleo, a seguir ao inglês e ao espanhol; é a 3.ª língua europeia mais falada no mundo, a seguir ao espanhol e inglês; é a 5.ª língua mais falada na internet a seguir ao inglês, ao mandarim, ao espanhol e ao japonês. São dados recolhidos da Lusa e do Instituto Camões que não nos deixam dúvidas.
4.Segundo a revista Monocle na sua edição de outubro de 2012, a língua portuguesa tem cada vez mais influência no mundo sendo a «evolução dessa influência uma das tendências a seguir de muito perto nos próximos anos». Esta revista britânica descreve mesmo a língua de Camões como «a nova língua do poder e dos negócios», já que se tornou a mais usada no hemisfério sul. Razão pela qual se estima que seja uma das línguas que mais rápido crescimento registará nos próximos anos. Daqui resulta que seja estimado que em 2050 existam 335 milhões de falantes do português.

5.Um dos fatores que tem contribuído de forma significativa para a projeção da língua portuguesa no mundo e que tem ajudado a destacá-la no contexto internacional é a comunicação pela forma digital. Sendo uma língua antiga não deixa de ser curiosa a forma em como esta tem sido utilizada e divulgada através das novas formas de comunicação via redes sociais, como o Facebook ou mesmo o Twiter. Estamos por isso perante uma conclusão inevitável: a internet tem evidenciado a importância da língua nacional e a sua afirmação no mundo ajudando à sua disseminação por um número cada vez mais significativo de falantes. 
6. Um outro papel tem que ser atribuído às iniciativas relativas ao ensino da língua portuguesa. Segundo a presidente do Instituto Camões, Ana Paula Laborinho, está a ser desenvolvido um trabalho de introdução do português na Namíbia, onde a nossa língua passou a ser introduzida no ensino secundário como língua estrangeira. Para além deste país, também em Espanha tem vindo a ser introduzido o ensino do português em especial nas regiões próximas de Portugal ou ainda em países de língua espanhola como é o caso da Argentina.

7.Finalmente há a destacar a responsabilidade que as universidades, em especial aquelas dos países da CPLP, na divulgação e promoção da língua portuguesa. Quer no ensino quer na investigação, o papel dos professores, dos investigadores e dos alunos torna-se assim essencial para fazer crescer o uso da nossa língua a nível académico, fazendo um esforço significativo para que a língua de Camões seja um veículo de comunicação entre todos os pares, em vez de se optar por línguas estrangeiras. Estas práticas levam não só a um reforço da internacionalização da nossa língua pelo intercâmbio existente entre todos os atores da ciência e da academia mas também nos vários campos da ciência propriamente dita e da investigação elevando assim a imagem da mesma junto de outras instituições fora do contexto da CPLP.

quarta-feira, novembro 27, 2013

Compromisso de Pagamento Pontual


1. A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) desenvolveu recentemente uma iniciativa e tomada de posição designada Compromisso de Pagamento Pontual que é, a todos os títulos, de louvar. Inserida num estudo sobre o sistema de pagamentos às empresas do país, a ACEGE apresenta alguns cálculos e números que não importa aqui escalpelizar mas apenas interpretar.  Esta iniciativa reuniu 130 subscritores dos mais variados quadrantes económicos.
2. A ACEGE refere-nos que existe no país o que designa por uma «cultura enraizada de egoísmo empresarial» em que ninguém paga a ninguém a tempo e horas, situação que se agrava num clima de crise económica e financeira como a actual. Tal atitude dificulta a vida financeira e económica das empresas provocando enormes constrangimentos e dificuldades de tesouraria, num tempo em que o recurso ao crédito bancário de apoio à tesouraria sofre igualmente de grandes restrições.

3. O estudo recente da ACEGE dá-nos nota que o cumprimento do pagamento entre agentes económicos (Estado incluído), a um máximo de 60 dias, provocaria a criação de 120 mil novos postos de trabalho. Contrariamente, diz-nos através do mesmo estudo que, o reiterado e desvirtuado sistema de pagamentos entre aqueles agentes económicos em Portugal, representado por um comportamento transviado das boas e aceitáveis práticas de comércio, é responsável pela perda de 72 mil postos de trabalho, pelas falências e despedimentos a que tais práticas tem levado.
4. E à cabeça desta sindroma temos o Estado, ele mesmo responsável por pagamentos em atraso estimados na casa dos 5 mil milhões de euros, segundo o estudo da mesma ACEGE. Somados a estes, há ainda a registar cerca de 6 mil milhões de euros incobráveis por parte das empresas aos seus clientes, pelo que facilmente se percebe que um dos principais problemas que recai sobre a fragilidade financeira das empresas é exactamente esta prática deficiente e penalizadora da sua saúde financeira. Diz ainda a ACEGE que, fora destes valores, se encontram todos os outros não contabilizados neste número e que se encontram «parados» nos tribunais, fruto de acções judiciais não concluídas, o que leva a que os valores em dívida fora da tesouraria das empresas atinjam um número avassalador.

5. Conclui por isso a ACEGE, o que é aqui totalmente subscrito pelo autor deste texto, que pagar a horas alavancaria o emprego e a criação de riqueza fazendo crescer a economia. Sabemos que isto é verdade. São conhecidos inúmeros casos de boas empresas que tiveram que se apresentar à insolvência para protecção face aos seus credores (bancos, Estado e fornecedores) tendo em vista poderem reconstruir toda a sua actividade, após estabelecido um Plano Especial de Recuperação (PER) aceite pela maioria daqueles como forma de poder «pôr a casa em ordem» e rumar ao crescimento e à sustentabilidade económica. Desta forma livraram-se de penhoras de bens patrimoniais, arrestos de contas e impugnações pela via judicial sobre tomadas de decisão de gestão. Mas tal decisão não resultou de outras causas que não fossem os enormes e sistemáticos atrasos nos recebimentos dos seus próprios clientes, provocadores por sua vez de um desacerto na sua própria capacidade em dar cumprimentos às suas responsabilidades. Assistimos, por isso, a situações em que boas empresas, com bons produtos, excelente tecnologia e know-how, com importantes carteiras de encomendas e uma procura fortalecida, têm que pedir a insolvência pelo facto de não conseguirem suportar: 
i) prazos de recebimento muitas vezes acima dos 6 meses; 
ii) valores incobráveis muito significativos em virtude, quer destas práticas quer da própria falência dos seus clientes; 
iii) de uma enorme pressão dos seus credores pois tais atrasos nos recebimentos tornam-se causas para os seus próprios atrasos perante bancos e fornecedores.
6. Portugal é um dos piores exemplos europeus. Segundo os dados da European Payment Index, que analisa os dados relativos a empresas e Estado sobre os níveis de risco e prazos de pagamento, Portugal aparece com uma das piores classificações face à média europeia. Num índice de risco variável entre 100 (o melhor) e 200 (o pior), a pontuação nacional atinge os 190 pontos contra 151 da média europeia. Este estudo foi elaborado a partir de inquéritos realizados a 9.800 directores financeiros e CEO de 29 países, entre finais de 2012 e início de 2013.

7. Tal facto, somado à deficiente capitalização de uma larga maioria das PME nacionais, a um endividamento ainda excessivo em muitas delas, à ausência de outras formas de capitalização que não sejam o reforço da participação dos seus proprietários/acionistas, por um lado, porque não existe em Portugal a cultura do financiamento por via do mercado de capitais, por outro, porque não existe, no caso específico daquelas, um mercado de capitais para PME, leva a que faltem nas empresas os necessários níveis de liquidez que lhes permitam investir, financiar os seus ciclos de exploração e crescimento, num momento em que o novo financiamento bancário é ainda quase uma miragem.  
8. É pois determinante que seja posta em prática uma campanha nacional que alerte para a necessidade de cumprir com o lema do «pagamento pontual». O efeito «bola de neve» é hoje muito significativo e destrutivo na economia e em especial junto dos agentes microeconómicos. E o exemplo terá que vir de cima, do Estado, talvez um, se não o principal, causador de muitas insolvências e falências. Estado que dá ele próprio tiros nos pés pois uma empresa falida ou insolvente não terá as devidas condições de rendibilidade para dar lucro e pagar impostos. 

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quarta-feira, novembro 20, 2013

Empreendedorismo

1. Decorre simultaneamente em 138 países entre os dias 18 e 24 de novembro, e mais uma vez este ano, a Semana Global do Empreendedorismo. Quero por isso, e uma vez mais, associar o FRES a este evento, como aliás o temos feito em anos precedentes.

2.O empreendedorismo desempenha, cada vez mais, um papel determinante na criação de uma sociedade e de uma economia modernas que se querem, e desejam, competitivas. Empreender é sonhar, pensar, refletir, decidir, planear e agir.

3. Li há tempos um escrito de um empresário nacional, pessoa sénior e experimentada no mundo empresarial, afirmar que é hoje moda chamar aos desempregados empreendedores. Percebo o sentido das suas palavras e consigo atingir o objetivo da sua intenção, expresso na palavra escrita. Vejo nesta afirmação a observação descrente de que o empreendedorismo é uma forma camuflada de encobrir o desemprego e a desocupação que grassa na sociedade portuguesa (e europeia) e um eufemismo para distinguir o que, para mim, é o flagelo social da sociedade moderna.

4. Nem Portugal está a conseguir combater de forma eficaz este flagelo, sendo opinião de muitos economistas que o desemprego estrutural - aquele que, faça-se o que se fizer, invista-se o que se investir, os agentes económicos e a economia não conseguem combater e debelar-, estará na casa dos 12%; número assustador; nem a Europa revela condições e capacidade para o atenuar de forma significativa.

5. Vejo no empreendedorismo um ato de coragem, de resiliência e de não resignação à situação vigente e ao estado de crise económica, financeira e social em que o país vive. Se por um lado o empreendedor pode ser aquele que sonha, deseja, arrisca e cria, com coragem e abnegação, um projeto, desenvolve uma ideia e faz nascer um negócio, empreendedor é também aquele que, consciente da sua situação pessoal de desocupado ou desempregado, faz da necessidade (e da fraqueza) uma força e decide re(a)gir  e parte para a ação com coragem e determinação.

6. Hoje assistimos a uma nova vaga de empreendedores, muitas das vezes ligados a projetos em áreas tecnológicas, inovadoras, que revisitam o conhecimento e as novas tecnologias de comunicação, que criam novos conceitos de negócio e desenvolvem ideias que vão dar origem a produtos transaccionáveis e procurados, interna mas principalmente externamente. Aliados a estes, temos também outro tipo de empreendedores, que investem em atividades ditas mais tradicionais mas com pleno domínio de novos conhecimentos, técnicas e instrumentos, dotados de uma nova visão do mundo e dos negócios, em setores como a alimentação, a agricultura, o serviço doméstico, o comércio, a assistência social ou empresarial.  

7. São quase sempre jovens ou, menos jovens mas aliados aos mais jovens. Constituem, muitas das vezes, uma miscigenação sócio-demográfica muito interessante, pois aliam a maturidade e a experiência de vida dos mais maduros à dinâmica, imaginação, ousadia, energia ou motivação dos mais novos.

8. E Portugal tem assistido nos últimos anos a uma nova leva de criativos e criações de relevo em áreas tecnológicas ou que associam a tecnologia, as novas técnicas e conhecimentos, às áreas mais tradicionais, puxando assim por estas. Somos, e sempre fomos, um país de criadores e inventores, infelizmente à boa maneira tradicional, extirpando daqui poucas ou nenhumas consequências em beneficio dos próprios, da economia ou da sociedade. O ADN criativo está cá embora nem sempre (ou quase nunca) o saibamos utilizar segundo as práticas e os ditames que as regras internacionais nos impõem para que consigamos singrar neste mundo da invenção e criação e que a concorrência internacional exige, tal como o comprova o reduzido número de patentes nacionais.

9. Apesar disto, temos vindo a assistir ao surgimento de um número cada vez maior de novas empresas, inovadoras e criativas, em setores mais ou menos tradicionais, compostas e geridas por uma nova geração e um novo tipo de empresários, muitos deles jovens, mas que concorrem ao nível do que de melhor se faz no resto do mundo. A sua preparação académica em muito tem ajudado à mudança deste paradigma económico e a globalização e a mundialização dos mercados obriga-nos e coloca-nos no tabuleiro onde se joga o xadrez mundial. E não nos esqueçamos de que empreender e criar empresas e negócios dá emprego às pessoas e cria riqueza.

10. Esta semana do empreendedorismo está subordinada ao tema da agricultura e do mar. Que tema seria mais importante e oportuno para o país? É chegado o momento de aproveitar esta montra do empreendedorismo mundial e levar a jogo novas ideias e novos projetos, na senda do que tem sido apanágio nacional. Nós apoiamos, o FRES apoia estas iniciativas: Que sejam bem-vindos e bem sucedidos!

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segunda-feira, novembro 18, 2013

Como vencer no triângulo - Brasil, Europa, PALOP


Mário de Jesus - Como vencer no triângulo - Brasil, Europa, PALOP


Mário de Jesus, presidente do FRES, publicou, ao longo de cerca de 10 anos, um conjunto de artigos sobre a economia portuguesa que agora compila e organiza em três áreas - a social, a empresarial e a internacional -, e nos quais aponta caminhos para Portugal ultrapassar os actuais constrangimentos e encontrar um crescimento equilibrado e sustentado.

segunda-feira, novembro 04, 2013

Genéricos, o remédio para grandes males – baixo custo com valor social acrescentado


Neste período conturbado da economia portuguesa, o mercado farmacêutico de genéricos, cujos preços passaram a ser fixados de acordo com os precos dos países de referência, e no qual se implementaram medidas como a Denominação Comum Internacional – DCI, continua a despertar a atenção, por razões diversas que irei elencar, das grandes companhias farmacêuticas produtoras de genéricos.

No contexto macroeconómico, o Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal pelo Banco Central Europeu (BCE), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comissão Europeia (CE), veio reforçar a ideia de que os países que priorizam a reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que têm que reduzir os custos no sistema de saúde deverão aumentar a taxa de penetração de medicamentos genéricos, contribuindo desta forma para o acesso a estes medicamentos a preços mais acessíveis, aos cidadãos com menos recursos, o que, apesar da crise, torna o grau de atratividade deste mercado bastante significativo.
O primeiro factor de atratividade é o surgimento de novas áreas terâpeuticas com custos elevados de tratamento nas quais os medicamentos genéricos já mostraram a sua eficácia e segurança, como, por exemplo, nas áreas cardiovascular e do sistema nervoso central.
Também o desenvolvimento do segmento do homecare, onde há cada vez mais doentes a fazer tratamentos em casa que habitualmente fariam em hospitais, representa uma vantagem do produto dado criar a possibilidade de fazer esses mesmos tratamentos no conforto do lar.
Por outro lado, a redução na comparticipação em alguns fármacos e o reforço e aposta em produtos de venda livre traduz-se em vantagens para a indústria farmacêutica pela redução de custos que isso implica em virtude de se estar a assistir à passagem de um sistema de medicamentos mais caros para outro de medicamentos com custo baixo de produção e preços igualmente elevados na venda (marketing/promoção), permitindo ainda à indústria uma redução das equipas comerciais e quadros de uma forma geral.

Estes produtos estão, por outro lado, a provocar outras alterações significativas no mercado farmacêutico, como por exemplo ao nível de outros intervenientes relevantes como a distribuição ou farmácias comunitárias e hospitalares, nos lares etc. Também aqui se assiste ao abaixamento de preços, a fusões e aquisições ou parcerias entre estes intervenientes, conduzindo a uma maior racionalização de operadores e de custos no consumo (caso dos lares).
A boa adesão à terapêutica por parte dos doentes com a consequente maior probabilidade de sucesso terapêutico ou a diminuição dos custos para o SNS e para os contribuintes são outras das vantagens da proliferação destes medicamentos. Sendo financeiramente mais acessíveis, dinamizam o mercado, fazendo com que as companhias de investigação, desenvolvimento e produção se esforcem por encontrar novos fármacos e soluções para os doentes, permitindo assim aumentar a rentabilidade com o desejável benefício económico para todos.
Para além dos aspetos anteriores, os fármacos genéricos oferecem uma terapêutica igual com uma redução no preço acima dos 35%  – conceito nobre dos genéricos – não esquecendo que um maior consumo deste tipo de medicamentos de baixo valor permite aumentar a quota de mercado neste segmento e aproxima o nosso País de outros países desenvolvidos neste indicador, como são os casos da Alemanha ou a Bélgica.
Em suma, o verdadeiro conceito da Denominação Comum Internacional, ou seja a maior utilização de medicamentos genéricos, será o resultado do trabalho de todos os intervenientes deste mercado: médicos, farmacêuticos, técnicos de farmácia, enfermeiros, gestores, grossistas, utentes e cidadãos de uma forma geral.
No caso português, importa referir que há outros aspetos que não podemos esquecer e que são o facto de termos excelentes investigadores e profissionais de saúde numa constante procura de novas soluções com benefícios para os doentes. Além disso, o país tem alguns exemplos de uma indústria farmacêutica de referência ao nível da qualidade da produção, o que também favorece as exportações com o respectivo contributo positivo para a balança de pagamentos.
Este cenário não faz, porém, esquecer o facto de assistirmos a uma deslocação e procura de novos mercados por parte das grandes companhias de investigação & desenvolvimento para outras áreas geográficas como o Brasil, Rússia, Índia, China ou até para os PALOP e América Latina, o que representa um desinvestimento destas companhias no nosso país.
Quanto às farmácias portuguesas, estas constituem-se como uma marca com uma forte notoriedade e ao serviço da população: permitem um valor social fortíssimo e um primeiro aconselhamento primário, principalmente nas áreas geográficas com menos acesso aos cuidados de saúde.
Em resumo, podemos afirmar que os medicamentos genéricos poderão ser «o remédio para grandes males».

quarta-feira, outubro 30, 2013

Reguladores e regulação económica



No FRES, quando discutimos e debatemos a problemática da manutenção (ou não) em Portugal, dos designados Centros de Decisão Nacionais, concluímos que, o que se mostrava necessário seria antes de qualquer consideração de carácter político ou ideológico, a existência de um sistema regulador, independente, forte, eficiente e interventivo sempre que necessário.

E a propósito da recente discussão em curso sobre a qualidade, eficiência, vantagens e desvantagens de um serviço de saúde público solidário e universal versus a defesa e a aposta num serviço privado, veio de novo à ribalta a questão relacionada com os reguladores de actividade económica.

Não pode por isso ser esquecida esta recente iniciativa, liderada pela DECO (Associação da Defesa do Consumidor), inédita em Portugal, tomada contra uma entidade reguladora, neste caso a ANACOM (Autoridade Nacional de Comunicações) até pelo significado do elevado valor envolvido: 42 milhões de euros.

Todos nós, cidadãos, tomamos conhecimento de que a DECO fez recentemente entrega no Tribunal Administrativo de Lisboa de uma ação contra a ANACOM, devido a danos causados aos consumidores por falhas no processo de transição do sinal de televisão analógico para a televisão digital terrestre (TDT). Tais danos, argumentou a DECO, decorreram do facto de a ANACOM não ter cumprido os deveres de que estava incumbida ao nível do planeamento, acompanhamento e fiscalização da implantação da TDT, de modo a garantir a continuidade do sinal de televisão.

Diz a DECO que «[...] em tudo a ANACOM falhou», realçando os «deveres de fiscalização que foram negligenciados pelo regulador, quando fiscalizar o cumprimento das obrigações do incumbente – a Portugal Telecom – é o seu principal dever para defender os direitos dos consumidores».

Respondendo à crítica da falta de testes de sinal, o regulador diz ter feito mais de 450 ações de monitorização do sinal por todo o país. Parece-nos efetiva e manifestamente insuficiente tão reduzida amostra se atendermos a que mais de 1 milhão de famílias foram afectadas por este problema.

Para esta acção judicial, a DECO suporta-se no facto de ter recebido nove mil queixas, pretendendo que a mesma tenha «um efeito preventivo e que obrigue as entidades reguladoras a acautelarem os interesses daqueles que devem defender». Para o cálculo deste valor foram considerados os danos financeiros para os consumidores que compraram e pagaram pela instalação de equipamento que não podem usar (quem comprou televisores com TDT ou adaptadores, mas afinal está em zonas onde só podem usar satélite), e para aqueles que continuam a receber a emissão com falhas de sinal. A isso somam-se os «danos não patrimoniais de as populações não terem sido informadas a tempo».

Diz a DECO que só desde maio, quando a associação lançou um formulário online, se registaram mais de seis mil reclamações por falta de qualidade de sinal. Ora aqui temos o exemplo claro e fidedigno das debilidades deste sistema regulador que fazem antever que muito há a fazer no campo da regulação económica. O caso da ANACOM não é caso único, há bem pouco tempo, para dar apenas mais um exemplo, vivemos os episódios das fragilidades regulatórias do sistema financeiro e das falhas da autoridade monetária. Longe está ainda o país de um sistema regulador independente, forte, eficiente e interventivo sempre que necessário.

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sexta-feira, outubro 25, 2013

Orçamento de Estado para principiantes


«Portugal já cresce e tem um forte sector exportador. Está muito à frente da Grécia no caminho da recuperação», assim opinam no Morgan Stanley.
E de comentário em comentário vão descrevendo o nosso bom comportamento, enquanto bons alunos aos olhos da Troika, não se esquecendo de referir que a nossa economia já não está a viver acima dos seus meios, que estamos a ter ganhos de competitividade e o Orçamento de Estado (OE) para 2014 é credível, alertando, no entanto, para um certo ambiente político de risco. Não sei o que pensam todos os portugueses, mas eu fiquei orgulhoso, e não esqueço, como muitos, que tudo isto se deve aos nossos governantes.

Não sei bem porquê, tudo isto me soa a conversa pouco credível, mas, de facto, não tenho competência técnica para ajuizar, pelo que não me atrevo a tal, sobretudo tendo em consideração que os que a têm, como tudo indica, têm falhado rotundamente. Não quero com isto dizer que sou pessimista, mal agradecido, mas gato escaldado ...

É que toda esta discussão à volta do nosso Orçamento de Estado, que mais parece um orçamento de medidas avulso, de alguém que sonha de noite julgando ter encontrado a solução e no dia seguinte bota faladura com uma imponência desmesurada, me tem deixado com medo de água fria.

Em tempos, antes da modernização e informatização, era costume algumas empresas, com o conluio dos seus contabilistas, apresentarem 3 balanços: um para as Finanças, com prejuízos para fugir ao pagamento de impostos, um outro para os bancos, mais reluzente, com proveitos, para abonar os financiamentos e um terceiro, para consumo interno, para os accionistas saberem o que realmente tinham, ou não tinham.

Assim me parece hoje em dia, o nosso OE que vai sendo elaborado durante o sono por iluminados sonhadores, de tal modo que, cada vez mais, se vai assemelhando a uma manta de retalhos. Pode até ser uma inspiração no ditado popular que diz que o travesseiro é um bom conselheiro, mas… nos assuntos de Estado? Na minha modesta opinião penso que para uma melhor compreensão do OE seria interessante lerem a obra de Sigmund Freud A Interpretação dos Sonhos, onde talvez encontrem os fundamentos de tão promissor modelo.

De facto, tal como em tempos que já lá vão, parece que temos não três balanços mas três Orçamentos. Ou seja, um para a Troika, com anotações acentuando as dificuldades, os entraves do Tribunal Constitucional, que agora virou moda, para suavizar as exigências e se desculpabilizarem da sua incompetência, um outro para os credores e mercados internacionais, acentuando que estão no bom caminho, que se estão a tomar medidas para embaratecer a nossa mão de obra de modo a se obter maior competitividade, prevendo-se deste modo uma certa recuperação económica e um terceiro para consumo interno, para o povo, com carpideira, colocando a tónica nas despesas, na dificuldade em pagar os compromissos com a Segurança Social, com a Administração Pública, com as reformas e pensões, bem como com a Saúde e a Educação para justificarem os cortes salariais por falta de ideias e de competência, porque é disso que se trata, já que se assemelham mais a um grupo de garimpeiros à volta de um poço sem fundo..

Sinceramente que o lamento, mas esta é a minha leitura, porque já estou a ficar cansado, irritado e desconfiado... é que esta conversa fiada, mesmo com roupagens diferentes, já dura há 39 anos, e até não seria incomodativa se não se tratasse da nossa vida. Portugal é um território onde vivem cerca de 10.000.000 de pessoas e não um filme definido por 10.000.000 de pixels.

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quinta-feira, outubro 24, 2013

Tudo às Avessas!


Nos últimos tempos até algumas das pessoas que considero inteligentes e com uma dose razoável de racionalidade me surpreendem com comentários absurdos a propósito do Tribunal Constitucional (e não só…).

Com a vontade que muitos têm de salvar a cara em relação a posições que tomaram e tentam a todo o custo manter, mesmo quando as coisas começam a ser óbvias até para os próprios, fazem malabarismos intelectuais, longos discursos e arrazoados de ideias, que não lembrariam ao diabo, para justificar que assim, como eles dizem, é que as coisas devem ser.
Com isso estão a conseguir por tudo às avessas. Anda meio Portugal (provavelmente mais de meio) completamente confuso e a elaborar pensamentos, a desenvolver ideias, a partir do upside down a que estes discursos nos levam.
Uma das ultimas acusações que vi serem feitas ao Tribunal Constitucional é a de que vai ser responsável pelo próximo programa cautelar ou mesmo de um novo resgate. Como? Importam-se de repetir?
Parem as rotativas!
Parem e pensem! Pensem pela vossa cabeça. Deixem-se de acreditar em propaganda.
Afinal qual é o papel do Tribunal Constitucional? É ser sensível? É ter de aprender economia? É ter de alinhar com o Governo? Ou será apenas e só zelar pela aplicação do que está previsto na Constituição?
O Tribunal Constitucional tem alguma responsabilidade pelas consequências daquilo que é a atuação do Governo? Então não é ao contrário? Não é o Governo que deve governar e legislar de forma a não ferir a Constituição? Numa situação ótima os Senhores do TC nem deveriam ter nada que fazer. Seria sinal de que ninguém ousou ir contra aquilo que a Constituição prevê em defesa do povo português e do país. Seja qual for a cor do partido no poder.
Quem está agora no Governo, está lá porque desejou estar. Está lá porque fez de tudo para lá estar. Está lá porque trabalhou muito para lá chegar. Está lá porque convenceu uma determinada maioria de votantes de que sabia exatamente o que tinha de fazer para resolver o problema existente em 2011. A Constituição Portuguesa dessa altura é a mesma que temos hoje.
Não é a Constituição que tem de se dobrar aos desejos de cada um no poder. A Constituição é o Garante do país e do povo. Toquem-lhe apenas com as ferramentas que a democracia prevê. Ataques e remoques ficam muito mal a quem os desfere.

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domingo, outubro 13, 2013

Não há medidas bacteriologicamente puras

A comunicação deste Governo é trágica: todos o reconhecem. Mas, além da comunicação, é igualmente trágico o modo avulso e casuístico como certas medidas são tomadas. 

Sobre o modo avulso e casuístico das medidas

A recente proposta de corte das pensões de sobrevivência e as reações que se lhe seguiram tornaram claro para mim que estes ajustes de contas pontuais, com determinados segmentos da população, visando a justiça distributiva, são mais prejudiciais do que benéficos. Querem corrigir mas acabam por pôr em evidência, pelo confronto, situações ao lado, iguais ou piores. Não é possível legislar de forma tão perfeita que o evite. Além de, dentro da mesma classe, no caso os reformados, criar dois segmentos, o das pensões de sobrevivência e o das outras. Está, aliás, já prevista uma outra medida apenas destinada aos aposentados da Caixa Geral de Aposentações, deixando os da Segurança Social de fora, que volta a criar duas classes, apenas mudando a geometria. Também aí, a coberto de uma aparente justiça, a medida em muitos e muitos casos não será justa. 

Pior do que tudo isto, estas medidas deslassam o tecido social, quebram a coesão, alimentam invejas, corroem as relações entre as pessoas, destroem o ânimo, minam o país. Nunca haverá medidas bacteriologicamente puras. 

Deixava ontem (12 de outubro) Marques Mendes como recomendação ao Governo que, nos cortes para 2014, fossem tidos em linha de conta os agregados em que os dois elementos fossem funcionários públicos. Não deixei de sorrir pela ideia, que achei pouco refletida e atirada para ali para encher espaço televisivo, e logo pensei na chusma de divórcios que adviria se fosse legislada uma medida de discriminação positiva como a que ele propunha. Aliás, essa pseudo-medida e as consequências que se lhe seguiriam dá bem conta da quase impossibilidade de uma distribuição salomónica dos custos do ajustamento. A distribuição será sempre desigual: há quem tenha ficado desempregado, há quem não encontre emprego, há quem encontre um subemprego, há quem encontre um emprego mal remunerado e desempenhe as mesmas funções pagas a outros a um valor superior, há quem tenha, no sector privado, sofrido cortes superiores aos do sector público… Há, há, há… Todos esses estão aparentemente piores do que os aposentados ou os funcionários públicos… Obviamente que há também uma enorme mole de gente, do sector privado, que vê os seus rendimentos intocados, como se estivesse num casulo… Há, pois, de tudo… 

Isto não significa, porém, que o Governo deva pactuar com situações flagrantemente injustas, mas legisle para o futuro e deixe o que está como está, corrigindo as assimetrias atuais por via da tributação progressiva. Aliás, o Governo apanha recorrentemente com o Tribunal Constitucional em cima e parece que não aprende… A medida sobre as pensões de sobrevivência corre, aliás, o sério risco de ser declarada inconstitucional, ainda que as decisões do TC sejam uma roleta russa oracular, pois nunca se sabe o que dali pode sair…

Sobre a comunicação

Enquanto funcionário público irei sofrer para o ano mais um corte de 10% no salário. Conhecendo minimamente os grandes números do país, a medida oferece-me pouca contestação. Isto apesar de praticamente só ter rendimentos do trabalho, de a mesma me ir ao bolso, de estar a empobrecer a olhos vistos. Não consigo ser intelectualmente desonesto ao ponto de a contestar, por comparação com outros segmentos. A recomendação que eu, à guiza de Marques Mendes, faria ao Governo é que me diga: «lamento, tenho de te cortar salário porque não há dinheiro», mas não me diga que há funcionários a mais, nem me fale em privilégios que eu não tenho. É que eu percebo o argumento de não haver dinheiro: mete-se-me pelos olhos dentro, de forma cristalina, mas não entendo e não vislumbro, porque tenho olhos na cara e vejo o que se passa ali ao lado, os privilégios que me dizem que tenho… Ainda ontem, aliás, passou, numa das televisões, uma reportagem de uma empresa que fabrica sacos e que montou um ginásio para os seus colaboradores. Falaram trabalhadores e patrão sobre as vantagens daquilo e o tom da notícia era de júbilo… Questiono-me se no meu serviço se montasse um ginásio o tom da notícia seria o mesmo? E, por favor, não me venham com a lengalenga de que o dinheiro das empresas é das empresas e o do Estado é de todos nós… É que se aquele ginásio foi montado é porque havia dinheiro para isso e se havia dinheiro para isso é porque a venda do produto permite a existência desses lucros… Pela mesma lógica, cada cêntimo daquele ginásio é retirado a cada um de nós no preço dos produtos que compramos e que incorpora o custo dos sacos…

As medidas têm, pois, de ser comunicadas com verdade, sem subterfúgios, sem enviesamentos argumentativos e sem ocultar uma parte da realidade. As medidas têm de ser comunicadas pelo seu valor facial e serem tendencialmente universais. Será a única forma de manter um mínimo de agregação social que nos permita continuar a levar o barco para a frente.

As medidas avulsas e os erros de comunicação demonstram também à saciedade as deficiências arquitetónicas do edifício da Zona Euro. Estivéssemos nós na plena posse das ferramentas de desvalorização monetária e cambial e outro galo cantaria. O efeito era universal, tendencialmente mais justo, podendo o Governo corrigir, através de medidas de apoio social, as quebras de rendimento dos escalões mais baixos. Empobrecíamos, mas empobrecíamos todos por igual, ou pelo menos de forma mais igual. Porque é evidente que teremos todos de empobrecer.

quinta-feira, outubro 03, 2013

A democracia e os independentes


Não só o crescimento do número de candidaturas independentes foi uma das marcas destas eleições autárquicas como as conquistas destes mesmos independentes são igualmente merecedoras de grande destaque.
Atendendo aos resultados que nos são divulgados à hora da redação deste texto, no total, os grupos de cidadãos independentes que se lançaram nesta batalha eleitoral conquistaram 14 autarquias o que corresponde a cerca de 340 mil votos, estes subtraídos aos dois principais partidos, primeiro ao PSD, rotundamente derrotado nestas eleições e depois ao PS, ainda que vencedor destacado das mesmas.

Trata-se portanto de um notável crescimento quando em 2009 as candidaturas independentes haviam conquistado 9 autarquias. O país assiste também neste campo a uma viragem nas intenções de voto, a qual pode querer dizer várias coisas mas que revela os sinais de um desencanto com as atuais estruturas partidárias e com quem as representa ao nível do poder local, mas não só.
E digo não só porque, atendendo ao quadro atual da política nacional e à forma de condução das políticas públicas, estou em crer que o voto nestas eleições locais representou mais do que uma mera escolha local, antes evidenciou, diria como nunca, o sentimento dos portugueses no que concerne à política governamental e ao papel dos partidos políticos, transmitindo um grito de revolta e de descontentamento face ao rumo seguido nos últimos anos. 

Atingindo uma marca nunca vista, a percentagem dos votos em candidatos independentes representou cerca de 6,6% dos votos nacionais, segundo os dados disponíveis. Dito isto, algo poderá estar a mudar na sociedade portuguesa, até aqui toldada e adormecida às iniciativas provenientes da sociedade civil e dominada por uma espécie de partidocracia vigente.
E é curioso salientar que estes votos não apareceram nuns locais quaisquer mas antes em autarquias importantes: Porto, Matosinhos e Oeiras, com vitórias significativas, depois Portalegre, Estremoz, Borba e Redondo, com vitórias menos expressivas, e finalmente Sintra, num renhido segundo lugar. Estará algo para mudar na sociedade portuguesa?

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quarta-feira, outubro 02, 2013

Da necessidade de um bode expiatório



Diariamente somos confrontados com as mais diversas justificações sobre as origens e causas da crise em que o país se encontra.

Foi o desgoverno do Estado, foi a corrupção, foi a economia paralela, foi a má preparação e falta de conhecimentos dos governantes, foi a ilusão do dinheiro fácil, foi o crédito ilimitado, etc. E, relativamente aos argumentos e contra argumentos sobre todas estas causas, enquanto geradoras de todos os nossos males, divergem as elites deste país, sejam elas economistas, financeiros, gestores, politicos ou outros. Cada um, como diz o povo puxa a brasa à sua sardinha. Porém, de um modo subliminar, em muitas declarações, sobretudo de alguns sectores políticos, sindicalistas, comentadores e fazedores de opinião, na ausência de argumentos devidamente fundamentados, descobriram a razão de todos os males – a banca e os funcionários públicos. Fácil, muito fácil mesmo, enquanto intermediários da actividade financeira, fiéis depositários do dinheiro, haverá melhores responsáveis do que a banca para justificar a falta de poder de compra, da falta de dinheiro que nos apoquenta? E pelo lado da despesa, para que servem os funcionários públicos, essa gente que nos complica a vida e que nada faz? Estão encontrados os “bodes expiatórios”, a razão de todos os males e o povo,  ávido de explicações, rapidamente adere.

Com as devidas distâncias iedológicas e factuais, soa a um discurso já ouvido há muito tempo. Num passado recente, para manipular as pessoas menos informadas e em situação económica precária, e não encontrando justificação melhor, mais concreta e fundamentada, os nazis apontaram baterias para os judeus. Defenderam esta tese, enquanto valor social, como se fosse uma crença, fé ou religião, o que, como todos sabemos, não é passível de combate lógico e, nesse sentido, constitui um terreno muito propício para orientar e gerir, a seu belo prazer, as emoções de uma sociedade descontente.

Não quero com isto dizer que a situação é similar à referida, dada a sua dimensão social e atitude nada ética, bem como a assunção de comportamentos a todos os níveis reprováveis que esperamos nunca ver repetidos. Apenas o citei como exemplo da manipulação e intoxicação da opinião pública utilizando argumentos falaciosos.

Por vezes, ao ouvir tanto radicalismo, tanto enfoque na banca e nos funcionários públicos, interrogo-me se não estarão a tentar desviar as atenções do povo para as verdadeiras causas desencadeadoras da crise, bem como dos factores que efectivamente contribuiram para a referida situação. Mas, ainda mais perturbador, é que me parece que muitos dos comentadores não o fazem intencionalmente, mas por desconhecimento e/ou incompetência para analisar e concluir sobre os factos.

É que o tempo de se recorrer a um bode expiatório não se compagina com a realidade global em que vivemos, onde tudo interage, tudo influencia e é influenciado pelo meio envolvente. Não é tempo de se ter uma atitude reducionista ao ponto de julgarmos que há apenas um único responsável por tudo aquilo que nos rodeia.

Como todos os agentes sociais, quer a banca quer os funcionários públicos têm o seu papel e a sua quota parte de intervenção social, na medida em que influenciam e são influenciados dentro da realidade onde se inserem. Neste sentido, esta manipulação, apontando-os como origem de todos os males, não me parece correcta, nem sequer a maneira mais adequada de se educar aqueles menos informados que necessitam de ser esclarecidos, a não ser que queiramos caminhar para o fim da moeda e  criar uma sociedade individualista, regressando ao tempo das trocas directas e do nomadismo, crendo que assim tudo se resolverá e que poderemos viver felizes para sempre.

Acredito que as pessoas muito provavelmente gostariam de entender o que se passa à sua volta, quais os fenómenos que provocam as alterações sociais, como reduzir os seus efeitos, como participar nas decisões, como contribuir para solucionar os problemas, mas para isso, as elites melhor informadas e detentoras do conhecimento, deveriam interagir com os  seus concidadãos no sentido de os envolver na orientação dos seus destinos.

Infelizmente parece que a nossa democracia ainda se encontra numa fase primária, onde o povo ainda não teve a educação necessária, se sente confuso e aquela, apesar dos seus 39 anos, ainda não terá saído verdadeiramente do papel.

Muitas pessoas sentem-se, de um modo geral, catalogadas de esquerda ou de direita, como que remontando aos tempos da Revolução Francesa, e face à ausência de melhores referenciais, ficam sem saber em que lado se acomodarem. Penso mesmo que a maioria dos portugueses, para além das frases feitas dos diversos partidos políticos, que se preocupam mais em rotular os seus opositores, gastando o seu tempo em jogar à apanhada dos deslizes dos outros para os usar nos seus combates políticos, não entende sequer o que é isso de esquerda ou de direita. E, em vez de se deterem na abordagem das ideologias em presença, já ouvi definir a direita como sendo a banca, os ricos, os patrões e todos aqueles que vivem bem e a esquerda os operários, os trabalhadores e os pobres. Será deste modo que conseguiremos ter um povo desenvolvido, pessoas informadas e capazes de tomarem decisões, nomeadamente na eleição dos seus representantes?

Foto - J. A. Ferreira Alves