Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Mais uma vez a Educação


Entende-se mal as recentes declarações de Pedro Passos Coelho sobre a necessidade (ou perspectiva do Governo) em estabelecer que o ensino público venha a ser cofinanciado pelas famílias i. é. pelos particulares, cidadãos em geral mediante a hipotética introdução de uma taxa sobre as famílias.

E percebe-se mal porque uma pergunta se impõe. Não pagarão já os cidadãos o sistema de educação em Portugal? Não será tal concretizado através dos muitos impostos que nos são já cobrados? A resposta é obviamente sim.

E estas afirmações acabam por ser, para além de polémicas, incompreensíveis dado o estado social e económico do país. Polémicas porque não há posições alinhadas dos constitucionalistas quanto à sua legitimidade constitucional. A maioria destes, defende que a constituição, definindo que o ensino é obrigatório e, sendo obrigatório, deverá ser gratuito. Outros afirmam no entanto que o ensino básico é que será obrigatório e gratuito. Ora o ensino básico em Portugal confina-se aos 9 primeiros anos de escolaridade (do 1.º ao 3.º Ciclo) dando depois origem ao designado ensino secundário.

Desta forma, não será necessário sermos constitucionalistas para se entender que tal medida, a ser tomada, será inconstitucional. Se a constituição prevê que o ensino é obrigatório e sendo obrigatório será gratuito, então se hoje temos o ensino obrigatório até ao 12º ano, não faz qualquer sentido que sejam exigidas às famílias novos esforços. A não ser que PPC se tenha querido referir ao ensino superior - mas nas afirmações que agora se comentam não o disse nem o esclareceu.

Há depois a questão moral, social e, ainda, a questão puramente financeira.

Pelo que se tem divulgado nos órgãos de comunicação social, temos no país cerca de 127 mil alunos com carências alimentares que recorrem aos serviços das cantinas escolares para obterem a principal refeição do dia. Os directores de muitas escolas já vieram testemunhar que há um número crescente de alunos que começou a tomar o pequeno-almoço igualmente na escola. Temos igualmente o testemunho de muitas escolas no país que já não encerram as cantinas nas pausas escolares pelo facto de poderem receber os alunos com carências alimentares e de famílias mais desfavorecidas ou com os pais desempregados, pois a cantina escolar permite-lhes um pequeno-almoço e almoço que em casa não lhes é possível pela situação familiar em que vivem.

Posto isto, menos sentido fará tal ideia pois acreditamos que o Governo terá a noção exacta das carências do país e da situação de muitas famílias. Tanto mais que não há nenhum país da União Europeia em que o ensino obrigatório não seja totalmente financiado pelo Estado.

E que dizer do já elevado abandono escolar? Medidas desta natureza podem projectar o país numa espiral ainda mais grave de abandono escolar pelo facto das famílias não conseguirem suportar mais custos com as propinas escolares. Tal poderá ainda provocar um retrocesso na valorização do ensino e nas conquistas e evolução, conseguidas ao longo das últimas décadas.

Recentemente aliás, o Secretário de Estado da Educação referiu que muitos destes esforços adicionais efectuados pelas escolas na alimentação dos seus alunos resultam não já do esforço e do dinheiro público mas da solidariedade privada de muitas empresas de distribuição alimentar, de produtores, de empresas de transportes, que doam muitos destes alimentos para que as escolas os possam disponibilizar aos alunos.

Se nos quisermos situar e analisar o investimento público por aluno no ensino secundário no seio da UE, verificamos, segundo dados da OCDE no seu trabalho Education at a Glance 2012 que a média deste investimento é de EUR 7.325 na UE e de EUR 7.170 nos seio da OCDE. Portugal está já abaixo destas médias com EUR 6.700 e atrás de países como a Espanha, França, Holanda ou Alemanha.

Torna-se por isso relevante que a sociedade civil esteja atenta na senda de uma política com algum sentido de justiça e de solidariedade numa sociedade já tão castigada e causticada pela austeridade. Pelas mais recentes declarações de PPC, somos esclarecidos que, por razões constitucionais, o Governo não poderá aplicar tal taxa no ensino obrigatório. Ficamos satisfeitos. Salve-se a constituição que nos salva.

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