Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, dezembro 15, 2012

Cães!


Sou um cidadão cumpridor. Sou um cidadão que na análise sociopolítica procuro situar-me mais na perspetiva do coletivo do que na perspetiva individual. É por isso que em termos absolutos aceito que me reduzam o salário em virtude de o Estado não ter dinheiro. Gostava que isso fosse assumido assim mesmo, de forma direta, pelo seu valor facial, sem subterfúgios, sem truques, sem habilidades, sem outro argumentário. Já me custa mais a aceitar que em termos relativos me exijam mais a mim do que a outros com iguais ou superiores rendimentos públicos e privados… 

Como cidadão cumpridor custa-me que me tenham enviado, quase cinco anos depois e a dias da prescrição, duas coimas de 15€ por ter pago o Imposto Único de Circulação (IUC) fora do prazo. A primeira refere-se a 2008 ano em que paguei o IUC em abril e não em fevereiro. Isso aconteceu porque em finais de 2007 houve uma alteração legislativa que estabeleceu que o mês do pagamento do IUC seria o mês da matrícula. A Administração Fiscal não me avisou e eu não estive atento àquela alteração legislativa. A segunda diz respeito ao IUC de 2009 pois comprei um carro novo em finais de 2008. Tinha 90 dias para pagar o IUC e em vez de o ter pago a 26 de março paguei-o a 27. A esta distância, eu que até sou organizado, encontrei apenas uma declaração que me diz que tinha de pagar o IUC no prazo de 90 dias. Não consegui sequer encontrar o papel do pagamento. Admito que tenha havido um lapso qualquer da minha parte na contagem do prazo. Não sei!

Assim, acabei de liquidar 30€ de coimas relativas ao IUC, 15€ porque a Administração Fiscal não me avisou da alteração legislativa, e mais 15€ por ter pago um dia depois.

Parece, segundo esta notícia, que cerca de 400 mil pessoas foram notificadas pelas Finanças com igual fim. Se o Estado precisa de dinheiro, e precisa, tire-mo decentemente através de um imposto qualquer, dizendo-me isso mesmo: que precisa e não tem. Não me cobre, e a mais 400 mil, coimas de há 5 anos por aqueles motivos. Se o Estado quer ter o respeito dos cidadãos tem de se comportar como pessoa de bem e não como um reles habilidoso de curva à espera do incumprimento. Espero que os 30€ façam bom proveito à Administração Fiscal. Podiam-me tirar 300€ e manter o meu respeito, tiraram-me 30€ e eu perdi-lhes o respeito. Cães!

terça-feira, dezembro 11, 2012

Bancos alimentares: acaso ou necessidade?


Será que os Bancos Alimentares são, em si mesmos, uma necessidade social ou um acaso circunstancial? Fazem parte da organização permanente da sociedade ou são um fenómeno emergencial?

Excerto do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
«Toda a pessoa tem o direito a um nível de vida suficiente que lhe assegure e à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários»
Tendo em consideração que estes direitos, enquanto necessidades básicas, nomeadamente o direito à alimentação, não se encontram satisfeitos, aparecem organizações humanitárias, como os Bancos Alimentares, enquanto resposta da sociedade, à constatação dessa realidade. Porém, deverão ser encaradas como provisórias, ou então os Direitos do Homem são uma farsa, sobretudo quando estamos a falar de países desenvolvidos… será que o são?

Será que os países que há dezenas de anos, movidos por interesses políticos e económicos, não conseguem, ou não querem, erradicar a fome, poderão mesmo ser considerados desenvolvidos? Países onde as fortunas pessoais não param de aumentar, onde, por vezes, se deita comida fora para não baixar os preços? Onde o lucro é o meio e o fim de tudo?

Não creio,  e até considero paradoxal a designação de países desenvolvidos. Nestes países, a existência de organizações/instituições de caridade é cada vez mais uma realidade que tenta minorar, entre outras, a fome.  Daí a necessidade do aparecimento de Bancos Alimentares, através dos quais é celebrado um acordo de abastecimento gratuito com cada uma dessas associações humanitárias.  A ajuda alimentar é posteriormente entregue pelas diversas instituições às pessoas carenciadas sob a forma de refeições, servidas quer em lares, creches, refeitórios sociais e entregas domiciliárias, bem como de refeições distribuídas na rua ou em determinados locais de acolhimento. Outra forma de actuação consiste ainda na distribuição de cabazes de alimentos a famílias carenciadas.

Sendo a fome o móbil do aparecimento dos Bancos Alimentares, poder-se-á inferir que estes terão surgido nos países não desenvolvidos, países pobres?

Mais um paradoxo, este conceito nasceu nos Estados Unidos, o país do sonho americano, em 1967, mais concretamente em Phoenix, quando John Van Hengel viu uma viúva, mãe de 10 filhos, a procurar comida no lixo, atrás de mercearias. Sentiu-se impelido a ajudar e, para tal, procurou convencer as lojas a dar os produtos em vez de os deitar fora. Surgiu assim o embrião do primeiro banco de alimentos.

Mais tarde, Francisco Lopez, funda o Banco Alimentar de Edmonton, no Canadá. E inspirado nele, Cécile Bigot, na França, a fim de lidar com o aumento da pobreza em Paris, contactou Dandrel Bernard da Secours Catholique que, com a ajuda de outras instituições de caridade como a Emaús e o Exército da Salvação, fundou o Banco de Alimentos da França de Paris-Ile, em julho de 1984.

Por sua vez, André Hubert decide também criar um Banco de Alimentos em Bruxelas. Este movimento, contagioso, criou a necessidade de se organizar e ter uma voz mais forte que representasse estas organizações quer a nível europeu, quer internacional. Nasceu assim a FEBA - Federação Europeia de Bancos de Alimentares, lançada em 23 de Setembro de 1986.

A FEBA, entre 1988 e 1992, apoiou o desenvolvimento de Bancos Alimentares em Espanha, Itália, Irlanda e Portugal; entre 1994 e 2001 na Polónia, Grécia e Luxemburgo. A partir de 2004, verificou-se a adesão à rede da Alemanha, Hungria, República Checa, Eslováquia, Reino Unido, Lituânia e Sérvia, seguindo-se em 2010 e 2011 a Holanda, Suíça, Estónia, Dinamarca e Montenegro. Actualmente a FEBA continua em contacto com outros países, no sentido de serem  criados novos Bancos Alimentares.

A título de informação, diga-se que existem em Portugal 13 bancos alimentares que ajudam diariamente mais de 219 mil pessoas através de mais de 1.200 instituições (só na área da grande Lisboa são apoiadas 63 mil pessoas). Curiosamente, em 12 maio de 2012, em Vilnius, foi eleito, em Assembleia Geral da FEBA, um novo Conselho de Administração, de que Isabel Jonet se tornou Presidente.

Como muitos dos países aqui referidos são dos ditos desenvolvidos é provável que surjam vozes a justificar estes Bancos Alimentares com a emigração, com pessoas oriundas de países pobres em busca de melhores situações. Parcialmente, pode até ter algum cunho de verdade, mas, poder-se-á afirmar que todas as pessoas que, por exemplo, em Portugal e Espanha, sofrem o flagelo da fome, serão todos emigrantes? E nos restantes países europeus? Temo que não, e ainda que não possua elementos suficientes sobre esta questão, não me parece que o problema não se tenha alargado à população nacional. Basta atentarmos nas notícias de empresas a fecharem em toda a Europa, às reduções drásticas de pessoal em bancos, no comércio, na indústria ou nos serviços, entre outras. Nem creio que a Segurança Social desses países estivesse preparada para tal colapso.

Como muitos o têm já referido, estamos perante uma Sociedade, baseada no egoísmo, no enriquecimento a todo o custo, onde o que conta é o indivíduo que se julga o centro do universo.

Parece-me que estamos num mundo evoluído, com alimentos bastantes para todos, mas que são sonegados a muitos, em prol desse egoísmo, dessa ganância irracional, que não se importa de ver os seus concidadãos à míngua. Claro que existem situações extremas, catástrofes, fenómenos inesperados da natureza, entre outros, que justificam a existência de organizações de apoio humanitário, mas estas não devem ser um fim mas apenas um meio provisório e temporário para situações pontuais.

Reportando-me novamente ao enunciado artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, questiono-me se, de facto, a existência de Bancos Alimentares são um acaso ou uma necessidade. Penso que deveriam ser um acaso, mas infelizmente e face à realidade actual da nossa sociedade corremos o sério risco de se tornarem uma necessidade.

Com efeito, baseado naqueles princípios, convencionados e aceites pelas diversas nações, competiria aos seus orientadores, leia-se governantes, assegurarem a sua prossecução. Afinal são estes princípios que prometem defender e prosseguir quando se apresentam aos eleitores. Neste sentido têm de honrar os seus compromissos e, se o não fizerem, não têm legitimidade em continuar a gerir os destinos do país. Seja por incompetência, seja por influência externa, desde que admitam ou, na prática, demonstrem não serem capazes, de que adianta protelarem o inevitável? Para quê manter o insustentável? Diria que estão a mais, estão fora de prazo.


Enfim, numa sociedade onde poucos têm muito e muitos têm tão pouco, custa a entender que estes, que nada têm a perder, continuem apáticos ou adormecidos, ou quiçá esperançosos ou manipulados pela possível existência de vida para além da morte e lá, no além, sejam recompensados por terem oferecido a outra face, em vez de terem reagido.


quarta-feira, dezembro 05, 2012

Mais uma vez a Educação


Entende-se mal as recentes declarações de Pedro Passos Coelho sobre a necessidade (ou perspectiva do Governo) em estabelecer que o ensino público venha a ser cofinanciado pelas famílias i. é. pelos particulares, cidadãos em geral mediante a hipotética introdução de uma taxa sobre as famílias.

E percebe-se mal porque uma pergunta se impõe. Não pagarão já os cidadãos o sistema de educação em Portugal? Não será tal concretizado através dos muitos impostos que nos são já cobrados? A resposta é obviamente sim.

E estas afirmações acabam por ser, para além de polémicas, incompreensíveis dado o estado social e económico do país. Polémicas porque não há posições alinhadas dos constitucionalistas quanto à sua legitimidade constitucional. A maioria destes, defende que a constituição, definindo que o ensino é obrigatório e, sendo obrigatório, deverá ser gratuito. Outros afirmam no entanto que o ensino básico é que será obrigatório e gratuito. Ora o ensino básico em Portugal confina-se aos 9 primeiros anos de escolaridade (do 1.º ao 3.º Ciclo) dando depois origem ao designado ensino secundário.

Desta forma, não será necessário sermos constitucionalistas para se entender que tal medida, a ser tomada, será inconstitucional. Se a constituição prevê que o ensino é obrigatório e sendo obrigatório será gratuito, então se hoje temos o ensino obrigatório até ao 12º ano, não faz qualquer sentido que sejam exigidas às famílias novos esforços. A não ser que PPC se tenha querido referir ao ensino superior - mas nas afirmações que agora se comentam não o disse nem o esclareceu.

Há depois a questão moral, social e, ainda, a questão puramente financeira.

Pelo que se tem divulgado nos órgãos de comunicação social, temos no país cerca de 127 mil alunos com carências alimentares que recorrem aos serviços das cantinas escolares para obterem a principal refeição do dia. Os directores de muitas escolas já vieram testemunhar que há um número crescente de alunos que começou a tomar o pequeno-almoço igualmente na escola. Temos igualmente o testemunho de muitas escolas no país que já não encerram as cantinas nas pausas escolares pelo facto de poderem receber os alunos com carências alimentares e de famílias mais desfavorecidas ou com os pais desempregados, pois a cantina escolar permite-lhes um pequeno-almoço e almoço que em casa não lhes é possível pela situação familiar em que vivem.

Posto isto, menos sentido fará tal ideia pois acreditamos que o Governo terá a noção exacta das carências do país e da situação de muitas famílias. Tanto mais que não há nenhum país da União Europeia em que o ensino obrigatório não seja totalmente financiado pelo Estado.

E que dizer do já elevado abandono escolar? Medidas desta natureza podem projectar o país numa espiral ainda mais grave de abandono escolar pelo facto das famílias não conseguirem suportar mais custos com as propinas escolares. Tal poderá ainda provocar um retrocesso na valorização do ensino e nas conquistas e evolução, conseguidas ao longo das últimas décadas.

Recentemente aliás, o Secretário de Estado da Educação referiu que muitos destes esforços adicionais efectuados pelas escolas na alimentação dos seus alunos resultam não já do esforço e do dinheiro público mas da solidariedade privada de muitas empresas de distribuição alimentar, de produtores, de empresas de transportes, que doam muitos destes alimentos para que as escolas os possam disponibilizar aos alunos.

Se nos quisermos situar e analisar o investimento público por aluno no ensino secundário no seio da UE, verificamos, segundo dados da OCDE no seu trabalho Education at a Glance 2012 que a média deste investimento é de EUR 7.325 na UE e de EUR 7.170 nos seio da OCDE. Portugal está já abaixo destas médias com EUR 6.700 e atrás de países como a Espanha, França, Holanda ou Alemanha.

Torna-se por isso relevante que a sociedade civil esteja atenta na senda de uma política com algum sentido de justiça e de solidariedade numa sociedade já tão castigada e causticada pela austeridade. Pelas mais recentes declarações de PPC, somos esclarecidos que, por razões constitucionais, o Governo não poderá aplicar tal taxa no ensino obrigatório. Ficamos satisfeitos. Salve-se a constituição que nos salva.