Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, julho 14, 2012

Reformas e pensões: o «critério material»


As pensões e as reformas não são uma dádiva, são uma obrigação, pois o Estado apenas foi o fiel depositário do dinheiro que elas representam. Esta é uma afirmação simplista que de tantas vezes repetida ganha foros de verdade absoluta no debate público. Porém, se é tolerável no plano político, pela narrativa muitas vezes demagógica que os agentes interiorizaram e os cidadãos aceitam, é-o menos na dimensão técnica, por princípio mais neutra, e menos ainda na dimensão judicial, por princípio independente, equilibrada e justa. O recente Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) enferma de uma conceção semelhante quando, acerca dos cortes dos subsídios aplicados aos reformados e pensionistas, refere: «as pensões, apesar de serem pagas por organismos públicos e de as respetivas verbas estarem inscritas em orçamentos públicos, resultam de contribuições de pessoas que, por assim dizer, as colocam nas mãos daqueles organismos para serem geridas e depois devolvidas na forma de pensões. […] Não se vislumbra, assim, qualquer critério material que justifique a sujeição destas categorias de pessoas a esta diminuição dos seus rendimentos […] O que distingue os reformados/pensionistas do setor privado, dos trabalhadores ativos do setor privado, é que os primeiros já pagaram as suas contribuições, recebendo agora a respetiva pensão de acordo com o que contribuíram, enquanto os segundos estão a pagar para vir a receber a pensão correspondente». 


Ora, na verdade os reformados e os pensionistas genericamente recebem uma pensão de acordo com o que lhe pediram que contribuíssem mas não de acordo com o que efetivamente contribuíram. Isto é, individualmente considerados, os descontos que efetuaram ao longo da vida não foram suficientes para o que estão e virão a receber. Este é um critério material que o TC teria também de conhecer e sopesar. Há estudos que referem que os descontos efetuados ao longo da vida cumulativamente por entidade patronal e trabalhador não chegam para suportar mais do que alguns anos de reforma/pensão. Aliás, mesmo hoje, basta olhar para o que cada um de nós desconta (11%), somar-lhe o que a entidade patronal desconta (23,5%), considerar um percurso contributivo de 40 anos e uma sobrevida de 18 anos aos 65 anos, o que está alinhado com a média atual, mesmo considerando a capitalização, para perceber que o que se descontou individualmente não será suficiente para assegurar uma reforma ou pensão sem quebras muito significativas de rendimento. Isto sem sequer debitar o que a Segurança Social nos devolve durante a vida ativa, em situação de doença, desemprego ou outra, uma vez que o bolo é o mesmo. Há estudos que referem que quem tem hoje 50 anos pode vir a perder na reforma 35% do rendimento, quem tem hoje 40 anos 45%, e quem tem hoje 30 anos 60%. Este pode ser um cenário dos futuros reformados e pensionistas face aos atuais.


É que o modelo de reforma/pensão dos atuais reformados/pensionistas assentou no benefício definido e não na contribuição acumulada. O que o TC parece considerar é que as reformas/pensões são uma espécie de conta individual para onde foram sendo transferidos e acumulados os descontos efetuados pelo beneficiário e em seu nome pela entidade patronal, a que se somaria um rendimento resultado da valorização do capital. Ora isto, por razões históricas e de modelo, nunca aconteceu e só um esquema semelhante, com mecanismos de ajustamento automático à evolução da esperança média de vida, poderia garantir a verificação integral das premissas consideradas pelo TC. Sabemos que hoje já é considerada toda a carreira contributiva mas também que o cálculo foi durante anos feito pelos 10 melhores anos dos últimos 15, sabemos que hoje já é considerado o chamado fator de sustentabilidade, que indexa o cálculo da pensão à esperança média de vida, mas que este só surgiu em 2008. Tudo isto são dados objetivos, tudo isto consubstancia o critério material que o TC deveria também equacionar na decisão, o qual, a ser considerado, poderia mesmo suscitar, a contrario sensu, o questionamento de uma parte das atuais reformas/pensões justamente à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, em nome do contrato solidário entre gerações. Obviamente que não se considera aqui a esmagadora maioria pensões e reformas, socialmente indignas e que deveriam mesmo ser valorizadas, independentemente do que contribuíram ou não para o sistema, exatamente em nome do direito à segurança social constitucionalmente consagrado, direito que a atual geração de ativos deve às precedentes mas que a atual geração de reformados também deve às vindouras.
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