Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, julho 25, 2012

Portugal e as suas clivagens



Portugal parece-me ser, no momento, um país a duas velocidades. Há normalmente entre alguns de nós, economistas, a tendência para ir observando os fenómenos sócio-económicos com que nos vamos defrontando e que ocorrem ao nosso lado no dia-a-dia. Por vezes também me acontece. E é exactamente do fruto dessa observação que retiro a ideia que me parece que o país continua a registar, e até fico com a sensação, a agravar, algumas clivagens sociais que aparentam surgir aos nossos olhos de forma cada vez mais vincada.

Hoje, quando tanto se fala no Estado Social, na sua importância para os cidadãos menos favorecidos e quando este Estado Social é tão posto em causa, quer aqui quer na Europa, e é tão difícil de manter dada a difícil situação financeira do país e a falta de dinheiro para o suportar, há no entanto quem alerte, e alguns outros alertas surgem no horizonte, para o perigo da situação. Se por um lado o Estado Social é difícil, para uns, impossível, para outros, de manter, o desmantelamento do mesmo arrisca provocar ainda maiores clivagens na sociedade civil. Corremos o perigo de vermos agravar-se a separação entre os portugueses que mantêm o seu estatuto de vida e nível financeiro e aqueles que viram a sua situação pessoal, económica e familiar degradar-se cada vez mais. E esta separação arrisca ainda a criar um fosso que dificilmente se fechará entre os que estão nos degraus acima da pirâmide social. Silva Lopes alertou para este perigo ainda não há muito tempo.

E neste quadro de observações que refiro, confronto-me dia-a-dia com estas diferenças. Desde os restaurantes porta-a-porta ou lado a lado, em que um deles está invariavelmente cheio, com a mesma clientela do costume, que pode pagar preços mais elevados e cujo valor médio da refeição oferecida está acima do “bolso médio” do cidadão comum, e o outro ao lado de gama mais baixa e preços mais modestos que se encontra invariavelmente vazio. Ou dos salões de cabeleireiro cujos preços pelos serviços prestados estão 30% a 50% acima do cabeleireiro “médio” mas que invariavelmente a clientela lhe é fiel quando os outros lutam pela sobrevivência. Ou ainda quando não assistimos ao encerramento de nenhuma das marcas de roupa e moda topo de gama e de marcas internacionais de elite quando diariamente encerram inúmeros estabelecimentos de moda e vestuário da gama média ou média baixa.

Os indicadores sociais do INE de 2010 dizem-nos, segundo notícias recentes, que a pobreza se agravou em Portugal e que mais de 1,8 mio de pessoas vivem abaixo de determinado limiar de pobreza. Isto já em 2010 antes das medidas do Governo exigidas pela Troika.

Portugal necessita de crescer para conseguir de alguma forma manter, pelo menos, este Estado Social enfermo. E é curioso quando há dias ouvi o economista João César das Neves referir-se ao problema do crescimento económico e da produtividade nestes termos: Portugal não tem nenhum problema de crescimento ou produtividade. Ninguém percebeu ainda que o nosso problema é um problema de demografia. Antigamente, as pessoas reformavam-se aos 65 para morrerem aos 70. Hoje reformam-se aos 65 para morrerem aos 80 ou aos 85 e logo há muito menos a contribuir para a produtividade e mais a usufruir do que é produzido. Resolva-se o problema da demografia e resolve-se este problema. O que há a fazer é, naturalmente, adiar e chutar para a frente a idade da reforma. Simples não é? Até parece fácil.

Não nos podemos esquecer que a solidariedade social é um dos maiores valores de uma civilização e da democracia tal qual a concebemos. É o suporte da humanidade nos tempos modernos. De nada serve chamar para aqui as regras do mercado porque essas não ajudam a resolver, antes agravam, a situação sócio-económica dos povos e das nações. Mais do que nunca é necessário mudar o paradigma social e económico em que assentam as bases desta democracia. Pelo menos mudá-lo transitoriamente. O que os povos conquistaram não aceitam abdicar de forma abrupta, dolorosa e violenta porque simplesmente não o entendem. Há que ter isto em atenção e actuar em conformidade. O caminho faz-se caminhando e os ajustamentos, ajustando. Nada pode ser feito de uma vez só. Também aqui o tempo é o melhor conselheiro e o melhor instrumento de uso para legitimar as politica sociais agressivas. Exige-se bom senso.

segunda-feira, julho 23, 2012

CAMARADAS FRESIANOS

Camaradas fresianos

Em tertúlias e reflexões

Desmontam os desenganos

Estão despidos de ambições

 

Gente anónima de imagem

Mas ousada em pensamento

Das mais sensatas dimensões

O seu Deus é a coragem

Do grupo vem o alento

Estão despidos de ambições

 

Decerto o futuro avança

Pois só a razão comanda

De si mesmo soberanos

Nada os derrota nem cansa

Imunes à propaganda

Desmontam os desenganos

 

Com perseverança e prazer

A lógica está em cena

Fieis às próprias convicções

Modo independente de ver

Sua análise é serena

Em tertúlias e reflexões

 

E nos convívios de ascensão

Combatem‑se frente a frente

Sem causar feridas ou danos

Em altaneira gratidão

Jamais alguém se ressente

Camaradas fresianos



Autor Fresiano que preferiu o anonimato

sábado, julho 14, 2012

Reformas e pensões: o «critério material»


As pensões e as reformas não são uma dádiva, são uma obrigação, pois o Estado apenas foi o fiel depositário do dinheiro que elas representam. Esta é uma afirmação simplista que de tantas vezes repetida ganha foros de verdade absoluta no debate público. Porém, se é tolerável no plano político, pela narrativa muitas vezes demagógica que os agentes interiorizaram e os cidadãos aceitam, é-o menos na dimensão técnica, por princípio mais neutra, e menos ainda na dimensão judicial, por princípio independente, equilibrada e justa. O recente Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) enferma de uma conceção semelhante quando, acerca dos cortes dos subsídios aplicados aos reformados e pensionistas, refere: «as pensões, apesar de serem pagas por organismos públicos e de as respetivas verbas estarem inscritas em orçamentos públicos, resultam de contribuições de pessoas que, por assim dizer, as colocam nas mãos daqueles organismos para serem geridas e depois devolvidas na forma de pensões. […] Não se vislumbra, assim, qualquer critério material que justifique a sujeição destas categorias de pessoas a esta diminuição dos seus rendimentos […] O que distingue os reformados/pensionistas do setor privado, dos trabalhadores ativos do setor privado, é que os primeiros já pagaram as suas contribuições, recebendo agora a respetiva pensão de acordo com o que contribuíram, enquanto os segundos estão a pagar para vir a receber a pensão correspondente». 


Ora, na verdade os reformados e os pensionistas genericamente recebem uma pensão de acordo com o que lhe pediram que contribuíssem mas não de acordo com o que efetivamente contribuíram. Isto é, individualmente considerados, os descontos que efetuaram ao longo da vida não foram suficientes para o que estão e virão a receber. Este é um critério material que o TC teria também de conhecer e sopesar. Há estudos que referem que os descontos efetuados ao longo da vida cumulativamente por entidade patronal e trabalhador não chegam para suportar mais do que alguns anos de reforma/pensão. Aliás, mesmo hoje, basta olhar para o que cada um de nós desconta (11%), somar-lhe o que a entidade patronal desconta (23,5%), considerar um percurso contributivo de 40 anos e uma sobrevida de 18 anos aos 65 anos, o que está alinhado com a média atual, mesmo considerando a capitalização, para perceber que o que se descontou individualmente não será suficiente para assegurar uma reforma ou pensão sem quebras muito significativas de rendimento. Isto sem sequer debitar o que a Segurança Social nos devolve durante a vida ativa, em situação de doença, desemprego ou outra, uma vez que o bolo é o mesmo. Há estudos que referem que quem tem hoje 50 anos pode vir a perder na reforma 35% do rendimento, quem tem hoje 40 anos 45%, e quem tem hoje 30 anos 60%. Este pode ser um cenário dos futuros reformados e pensionistas face aos atuais.


É que o modelo de reforma/pensão dos atuais reformados/pensionistas assentou no benefício definido e não na contribuição acumulada. O que o TC parece considerar é que as reformas/pensões são uma espécie de conta individual para onde foram sendo transferidos e acumulados os descontos efetuados pelo beneficiário e em seu nome pela entidade patronal, a que se somaria um rendimento resultado da valorização do capital. Ora isto, por razões históricas e de modelo, nunca aconteceu e só um esquema semelhante, com mecanismos de ajustamento automático à evolução da esperança média de vida, poderia garantir a verificação integral das premissas consideradas pelo TC. Sabemos que hoje já é considerada toda a carreira contributiva mas também que o cálculo foi durante anos feito pelos 10 melhores anos dos últimos 15, sabemos que hoje já é considerado o chamado fator de sustentabilidade, que indexa o cálculo da pensão à esperança média de vida, mas que este só surgiu em 2008. Tudo isto são dados objetivos, tudo isto consubstancia o critério material que o TC deveria também equacionar na decisão, o qual, a ser considerado, poderia mesmo suscitar, a contrario sensu, o questionamento de uma parte das atuais reformas/pensões justamente à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, em nome do contrato solidário entre gerações. Obviamente que não se considera aqui a esmagadora maioria pensões e reformas, socialmente indignas e que deveriam mesmo ser valorizadas, independentemente do que contribuíram ou não para o sistema, exatamente em nome do direito à segurança social constitucionalmente consagrado, direito que a atual geração de ativos deve às precedentes mas que a atual geração de reformados também deve às vindouras.
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quarta-feira, julho 11, 2012

PRESENTE NO FUTURO - Os Portugueses em 2030






Quero aqui referir e destacar o encontro a realizar no Centro Cultural de Belém nos dias 14 e 15 de Setembro designado “Presente no Futuro – Os Portugueses em 2030” organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Esta Conferência permitirá debater a ideia de como será Portugal em 2030 atendendo aos problemas demográficos e de envelhecimento da população que hoje se apresentam ao país. As questões centrais a debater irão centrar-se em quatro eixos: envelhecimento e conflito de gerações; famílias, trabalho e fecundidade; desigualdade: povoamento e recursos; fluxos de populacionais e projectos de futuro.

Num tempo em que a população regista um encolhimento e onde o saldo migratório foi pela primeira vez negativo desde 1993, i.e. houve mais pessoas a sair do que a entrar no país, estes são temas da maior importância para o contexto socioeconómico da nação.

Quando se sabe que em 2010 este saldo negativo foi de 61 mil pessoas e em 2011 de 24,3 mil pessoas, é urgente tomar medidas para contrariar esta tendência recente. Se considerarmos a diferença entre o nº de nascimentos e de mortes, Portugal registou um saldo populacional negativo de menos 65 mil pessoas em 2010 e de 30 mil pessoas em 2011. Somos cada vez menos e não sabemos como inverter este facto.

Para onde caminhamos é pois uma pergunta incontornável sabendo-se que menos população representa menos capacidade produtiva, menos conhecimento, menos criação de riqueza menor afirmação cultural e civilizacional no Mundo.

Para além da discussão do “como será o Portugal de 2030” e “que Portugueses teremos em 2030”, serão feitas várias projecções sobre o retrato de Portugal no futuro e de como será a próxima geração em Portugal. Que problemas, que dificuldades, em que contexto sócio económico viverá, que reformas foram feitas, como estará a saúde, a educação etc.

Estou em crer que se trata de uma discussão de extrema relevância, que ainda não foi vista no país e que urge como nunca concretizar. Aliás, digo-o há muito tempo, falta ao país definir a sua missão, clarificar o seu posicionamento no mundo, inscrever um rumo e reunir todos os recursos e esforços para partir nessa direcção. E esta discussão sobre o Portugal do futuro não foi feita até hoje. Devemos estar, por isso, expectantes e procurar estar informados.


quinta-feira, julho 05, 2012

Os «donos» do Estado...




Utilizo diariamente os transportes públicos, designadamente o Metropolitano e a Carris. Há já uns anos que viajo normalmente tendo por companhia um MP3, abstraindo-me um pouco das conversas circundantes, perdendo - tenho consciência disso - muito conhecimento do meu semelhante. Os transportes são, como se sabe, um curioso microcosmos antropológico. Geralmente até só ligo o telemóvel já nas imediações do meu local de trabalho, procurando criar logo pela manhã um pequeno momento Zen, que me prepare para o ritmo do dia. Ocasionalmente isso não acontece. 


Numa dessas ocasiões, num Metropolitano bastante composto de gente, e onde de forma forçada se encurtaram os espaços entre os passageiros, surpreendi uma conversa entre uma mulher e um homem. Ela, uma criatura de meia-idade, nem bonita nem feia, de atitude demasiadamente assertiva, e até mesmo um pouco desagradável nos modos, o que não a tornava simpática. Ele, um indivíduo mais jovem, barba de dois dias, fato e gravata, ar um pouco negligé, tímido mas do género insonso, diria que uma espécie de yuppie de gama baixa. Como íamos quase lado a lado, a conversa deles impôs-se-me. Ela falava mais alto, pelo que era impossível não ouvir, ele mais baixo. Dá-me ideia que ela teria tido funções numa instituição europeia, ele devia ser advogado. 


Numa parte da conversa – a viagem deve ter demorado menos de 10 minutos – ela recordava os deputados europeus e outro pessoal das instituições comunitárias que, há 15 ou 20 anos, via nas salas VIP dos aeroportos, a utilizar o telemóvel de um modo exibicionista para fazer chamadas particulares sobre trivialidades, deixando-se ouvir pelos demais, referindo-se àqueles que «à nossa conta» e com «o nosso dinheiro» torravam os saldos. Dou de barato que aqueles de quem ela falava tinham telemóvel pago e dou de barato ainda o facto de também ela exibir alarvemente as suas opiniões àquela parte da carruagem, nisso não se distinguindo dos primeiros. O que me chocou foi a forma boçal como ela se referia ao «nosso dinheiro». Coisa que, aliás, vejo repetida até à exaustão hoje em dia por todo e qualquer motivo e por tudo quanto é gente, e que assenta no pressuposto de que o dinheiro do Estado é de todos os cidadãos e o dinheiro das empresas e das pessoas é delas. Não contesto tanto o fundamento último do argumento, mas sobretudo a forma arrogante com que o mesmo é brandido. Não creio, aliás, que nenhum cliente de uma empresa diga que o dinheiro que aquela empresa gera é a ele que se deve e na verdade os lucros das empresas provêm do dinheiro de quem lhes compra os bens ou os serviços que elas produzem. Nem vejo nenhum pequeno acionista, ou até grandes, dizerem com essa jactância, a propósito da empresa de que detêm ações, que é «nossa» ou falar desse modo do «nosso dinheiro». Há mesmo quem, a propósito do Estado, diga «o meu dinheiro», o que então me parece profundamente ridículo, pela insignificância da contribuição, e mesmo os que dizem «o nosso dinheiro» apelam, com esse plural majestático, a que todos se irmanem dessa demagógica afirmação.


O jovem concordava, anuindo sem reservas, ou até mesmo corroborando com veemência, ajudando a carregar ainda mais no tom daquela carta. Até aqui nada de especial, uma conversa como tantas outras, num tom igual a tantos outros. Acontece que pouco depois, o jovem refere-se a uma prática profissional em uso na empresa onde trabalhava e que se resume a isto: o apoio telefónico aos clientes era cobrado em períodos mínimos de 15 minutos, pelo que uma chamada de 5 minutos, ou menos, era cobrada como sendo de 15, uma chamada de 16 era cobrada como sendo de 30, e por aí em diante. Ao referir isto ele esboçou um sorriso algo comprometido e ela embatucou, devolvendo-lhe um sorriso alvar. Tudo isto não mereceu qualquer comentário ou crítica daqueles dois. E eu, para dentro, não deixei de analisar que sobre uma realidade que tinha em comum o telefone, mas em que a segunda era profundamente mais danosa, a diferença de postura entre o que se exige ao Estado e o que se exige às empresas. Da conversa entre eles resultou o espancamento verbal dos deputados ou funcionários europeus por fazerem umas chamadas particulares e de trivialidades com o telemóvel que lhes estava atribuído, não merecendo qualquer comentário a prática de uma empresa que, no limite, pode cobrar até 14 vezes mais pelo apoio telefónico que presta…


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