Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, abril 11, 2012

Cortar na despesa do Estado: essa abstração!





Os dados da última execução orçamental mostram que as receitas dos impostos são menores do que o esperado, em resultado da quebra do consumo, do arrefecimento da atividade económica, e possivelmente do crescimento da fraude e da evasão fiscal. Muitos defendem que o nível de impostos está no limite e que a solução passa mais por cortar na despesa do que por aumentar a receita. Na realidade, os impostos sobre o consumo nunca foram tão altos. Os impostos sobre o trabalho idem, quer para trabalhadores quer para empresas. Outros impostos, por exemplo sobre o património, vão pelo mesmo caminho. Abono o meu caso: pago um IMI à Câmara Municipal de Lisboa de mais de 1200€ por um T3 de pouco mais de 120m2, que é meu. Ou seja, mais de 100€ mensais. O que já não é um imposto mas sim uma renda.
Porém, a coberto do endividamento, da criação de emprego, da possibilidade de fuga de capitais, por alteração do quadro fiscal existente, pouco ou nada se mexe na tributação das empresas, em especial das grandes empresas, no IRC ou nos dividendos. A coberto da descapitalização dos bancos, também não se mexe nas transações financeiras ou noutros tipos de tributação da atividade bancária.
O alfa e o ómega da política fiscal são os impostos sobre o consumo e sobre o trabalho. Mas quando se fala em carga fiscal e em impostos, tende-se geralmente a falar em abstrato. E há quem esteja a pagar mais do que pode e há quem esteja a pagar menos do que pode, e menos do que deve, atenta a sua responsabilidade social…
Perante isto, muitos, para não dizer quase todos, afirmam que há que cortar na despesa do Estado. Já se cortou nos salários/pensões dos que servem/recebem do Estado em 20%. As progressões e as promoções estão congeladas, com as exceções conhecidas. É sempre possível fazer mais, tal como, por exemplo, uniformizar as remunerações de fundos e serviços autónomos e das empresas públicas com os vencimentos da Administração Pública, tomando como referência o vencimento do Presidente da República, ou reduzir as pensões mais elevadas, em absoluto ou por via da tributação, equiparando-as ao que foi feito para a Administração Pública. Mas, tirando isto, parece-me que pouco mais se poderá fazer por essa via. Algumas reformas, ditas estruturais, tais como fundir organismos, cortar dirigentes, extinguir os governos-civis, extinguir freguesias, são quase simbólicas e representam muito pouco em relação à despesa do Estado. Uma análise minimamente atenta do Orçamento do Estado ou, até melhor, da Conta Geral do Estado, permite vislumbrar isso com clareza. A situação das rendas do Estado pagas ao sector energético e no âmbito das Parcerias Público/Privadas (PPP) pode – e deve – ser negociada e com isso gerar poupanças significativas. Mas, não nos iludamos, a menos que se pudessem eliminar, e não podem, apenas se podem negociar ou reduzir, não está ali a solução do problema da despesa do Estado.
Quando se fala em despesa do Estado, tende-se igualmente a falar em abstrato.
O essencial da despesa do Estado está nas áreas da Saúde, da Educação, da Segurança Social (incluindo as remunerações). Iremos todos perceber, e rapidamente, que cortar na despesa do Estado, é cortar no que o Estado nos devolve sobretudo nas situações de fragilidade/carência: na educação, na assistência na doença, na assistência na infância e na velhice, na assistência no desemprego.
Cortar na despesa do Estado não é uma abstração.


sábado, abril 07, 2012

A (IR)RESPONSABILIDADE SOCIAL DAS EMPRESAS: MODA OU NECESSIDADE?

As sociedades mais desenvolvidas vivem num quadro de mudança de valores para além dos tradicionais valores materiais, começando os gestores a tomar consciência de que as empresas são agentes sociais activos pelo que têm de ter em conta, ao longo da sua actividade, os diversos factores e necessidades que a sociedade lhes solicita (Carrasco, 2007).

Neste sentido e de acordo com Santos (2008), as frequentes mudanças no meio envolvente das organizações obrigam os gestores, numa perspectiva sustentável de actuação, a assumir um posicionamento dinâmico que requer, constantemente e cada vez mais, uma alteração nos seus posicionamentos e nas suas acções.

No entanto e segundo Vasconcellos e Sá (2002), o dilema da gestão reside na dupla necessidade dos gestores assumirem dois papéis em simultâneo: o de gestor para cuidar da empresa do presente, o dia-a-dia, e o de empresário para criar e desenvolver a empresa do futuro.

Todas as organizações empresariais têm de definir de forma precisa, por razões de natureza estratégica e operacional, três aspectos essenciais para a sua gestão: a Visão, que traduz o seu entendimento do negócio, a forma como pretendem estruturar a sua actividade e os fins que pretendem alcançar; a Missão, que sintetiza os objectivos da organização e aquilo que se comprometem realizar; e os Valores, consubstanciados nos princípios éticos, deontológicos e empresariais pela qual se rege a sua actuação tendo em atenção todas as partes envolvidas e interessadas na sua actividade.

Este último aspecto deve representar, no seu todo, a cultura empresarial viva e actuante das organizações, a qual deve incorporar princípios de responsabilidade social abrangentes a todos os agentes interessados, dos colaboradores e accionistas aos clientes e fornecedores, das associações empresariais aos grupos ambientalistas, das instituições governamentais às organizações não-governamentais.

De acordo com o Green Paper da Comissão Europeia “Promoting an European Framework for Corporate Social Responsability” (2001), a responsabilidade social corporativa deve integrar voluntariamente preocupações de natureza social e ambiental no desenvolvimento dos negócios e das operações, indo para além da verificação de conformidades e do mero cumprimento de obrigações legais, investindo cada vez mais no capital humano, no ambiente e nas relações que se estabelecem com os diversos stakeholders.

Uma cultura empresarial forte e vincada, movida por princípios éticos, morais e empresariais concretos e praticados, imbuídos de reais preocupações de natureza social e ambiental, contribui para reforçar as relações internas entre os colaboradores e a construção de um espírito de equipa indispensável ao sucesso pretendido.

Por outro lado, a existência real destes princípios constitui um passo importante para reforçar a interacção da organização com a comunidade envolvente, permitindo-lhe obter por parte desta o respeito e o reconhecimento da sua actuação, a qual deve ser pautada por princípios solidários e de generosidade, permitindo ganhos de notoriedade e o consequente fortalecimento da sua imagem institucional, das suas marcas e dos seus produtos e serviços.

As empresas podem (e devem) intervir de forma activa na sociedade através do desenvolvimento das mais variadas acções, desde o apoio financeiro aos mais carenciados até ao mecenato cultural, do patrocínio de instituições de solidariedade social até ao apoio material de actividades culturais, recreativas e desportivas, da promoção de acções de formação e sensibilização sobre questões ambientais até ao investimento em meios e tecnologias tendentes à redução do impacto poluidor da sua própria actividade.

No contexto interno das organizações e atenta a realidade das sociedades modernas, as empresas e os seus gestores devem (e têm) de olhar para as condições sociais que proporcionam aos seus colaboradores numa dupla perspectiva: no respeito pelos valores sociais e ainda no impacto que as medidas tomadas induzem na proactividade e no rendimento individual e colectivo.

Entre outras, destacam-se o papel da mulher no cenário de desenvolvimento empresarial e o enquadramento da sua actividade profissional com as responsabilidades e necessidades de natureza familiar e materna, a flexibilização e limitação dos horários de trabalho atentas as tarefas e responsabilidades extra-profissionais dos colaboradores e o estabelecimento de um equilíbrio saudável entre a actividade profissional e a vida particular e familiar, a disponibilização de condições complementares ao exercício das actividades profissionais (refeitórios, meios de transporte, programas de assistência médica pessoal e familiar, incentivos ao desenvolvimento educacional e formativo) e a existência de boas condições físicas de trabalho (instalações) ao nível ambiental, ergonómico e de higiene e segurança.

Em Portugal, existem casos conhecidos, estudados e amplamente divulgados, de empresas que põem em prática alguns dos princípios aqui enunciados. E esta realidade não está condicionada à dimensão uma vez que encontramos implementados estes princípios não só no seio de grandes empresas mas também entre PME´s e empresas familiares.

No entanto, no actual contexto económico recessivo vivido quer em Portugal quer um pouco por toda a Europa, o qual afecta os mercados e as empresas, assiste-se cada vez mais ao detrimento das responsabilidades empresariais de índole social em prol das questões de natureza eminentemente económica e financeira.

Constitui um marco visível desta acentuada desresponsabilização social o aumento acentuado do nível de desemprego em Portugal, com forte incidência no grupo dos jovens sem emprego ou à procura da primeira oportunidade de trabalho e ainda no grupo constituído por cidadãos de meia-idade, com experiência consumada no mercado laboral mas que pelas mais diversas razões e justificações se vêem “empurrados”, não poucas vezes de modo dificilmente justificável, para uma situação de desemprego involuntária.

E se algumas empresas investiram em estratégias suportadas numa forte vertente social, contribuindo desta forma para uma maior motivação, reconhecimento e produtividade dos seus colaboradores, verifica-se agora em muitos casos uma inflexão nestes propósitos empresariais, substituindo a lógica de investimento no capital humano de longo prazo pela perspectiva imediata de resolução de questões de curto prazo, retirando sem justificação plausível muitas das condições criadas segundo um espirito inovador e empreendedor, de visão de futuro e de dimensão humana.

Esta visão humanista tem vindo a ser substituída pelo domínio da vertente financeira, entendida esta como o único factor de sobrevivência.

Esta postura leva a colocar algumas questões, porventura consideradas “politicamente incorrectas”, relativamente às opções e decisões tomadas pelos gestores sobre as questões da responsabilidade social e o seu real fundamento.

Será que as políticas de responsabilização social divulgadas por muitas empresas não são mais do que o resultado de um mero expediente tendente simplesmente ao reconhecimento externo das organizações e à criação de uma imagem favorável junto dos stakeholders?

Do mesmo modo, a criação de condições mais favoráveis a nível interno junto dos colaboradores não resulta, em muitos casos, da necessidade única de dar resposta às pressões exercidas pelas diversas entidades representantes dos colaboradores (sindicatos, ordens, associações profissionais) e da simples satisfação das suas reivindicações e interesses?

As acções externas em prol da comunidade envolvente, por vezes assumidas sob a forma de mecenato, não são por vezes motivadas pela simples necessidade de reduzir o conjunto de proveitos gerados com a actividade, procurando aliar a uma imagem de solidariedade e preocupação comunitária a capacidade de induzir “custos” dedutíveis em sede fiscal?

A redução recente e acentuada da força laboral, consubstanciada no aumento das práticas da cessação de contractos de trabalho e algumas vezes no despedimento colectivo, não são muitas vezes consequência (quase) exclusiva duma insuficiente capacidade de gestão para projectar cenários de crescimento futuro da sua actividade e para estabelecer estratégias corporativas sustentáveis no longo prazo, emergindo estas limitações e insuficiências no actual quadro recessivo e de forte contracção dos mercados?

Estamos certos que não existem respostas padrão para estas questões, encontrando-se no mundo empresarial exemplos que comprovam uma e outra das tendências que aqui apresentámos.

O que importa é que o esforço, o empenho e a dedicação das empresas aos aspectos relacionados com a responsabilidade social não seja apenas um fenómeno de projecção mediática e reforço da imagem institucional mas vá muito para além disso, tocando nos verdadeiros aspectos da ética empresarial: o cumprimento das normas, a seriedade na acção e o humanismo nas relações.

Autores: Mário de Jesus e João Rocha Santos

Referências:

Carrasco, I. (2007) Corporate Social Responsibility, Values, and Cooperation, International Advances in Economic Research, 13, 4, 454-460.

Comissão Europeia (2001), GREEN PAPER - Promoting a European framework for Corporate Social Responsibility [Online], Commission of the European Communities, Disponível através do site: http://eur-lex.europa.eu/.

Santos, A. J. R. (2008) Gestão Estratégica – Conceitos, modelos e instrumentos, Lisboa, Editorial Verbo.

Vasconcellos e Sá, J. A. (2002) A Empresa Negligenciada, Lisboa, Editorial Verbo.

(NOTA: Artigo publicado nos "Cadernos de Economia", Vol.XXV, Janeiro/Março 2012, p.68-71)

sexta-feira, abril 06, 2012

Politicas favoráveis



Artigo publicado no Diário OJE



Existe no país a crença de que a recuperação económica se fará de forma mais rápida e acelerada bastando para tal um crescimento rápido das exportações. No momento em que assistimos ao aumento dos impostos e à redução do consumo interno e do investimento público, este fomentador do investimento privado, provocando uma regressão no crescimento económico, manter esta crença pode ser perigoso e ilusório.


Sendo um defensor da aposta e do investimento em politicas favoráveis ao crescimento e desenvolvimento das empresas situadas em sectores de bens transaccionáveis e julgando que parte da crença acima referida deve ser alimentada, há contudo que avaliar com cuidado a composição do tecido empresarial português antes de concluir o que quer que seja.


Uma análise atenta a este tecido empresarial permite extrapolar dados como os seguintes: Segundo o estudo sobre o Perfil Exportador das PME em 2009 elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), Portugal teria cerca de 348.552 PME´s num universo que não ultrapassaria as 349.410 empresas. Destas, cerca de 80% seriam micro empresas com menos de 10 trabalhadores. As pequenas empresas, com menos de 50 trabalhadores, representariam 15% do total. Já as médias empresas, com menos de 250 trabalhadores, corresponderiam a cerca de 4.8%. Quanto às grandes empresas, com mais de 250 trabalhadores, não seriam mais do que 0.2%.


Vemos assim que as PME´s representariam 99,8% das empresas nacionais, que foram responsáveis por 60% da riqueza criada, empregando 2 milhões de pessoas, o que corresponde a cerca de 40% do emprego total do país. Com este quadro não será difícil perceber as limitações à internacionalização da maioria das empresas nacionais em especial quando têm que optar pelas diversas soluções de acesso ao exterior. Mas o principal problema reside no facto de apenas 10% das nossas empresas serem exportadoras quando é sabido que temos um volume total de exportações que rondará os 30% do PIB nacional.



Podemos acreditar que existe um desconhecimento sobre o modo, a forma e as etapas a cumprir quando se pensa seguir o rumo da internacionalização. Por outro lado a fragilidade financeira das nossas empresas, quer em capitais próprios quer em fontes de financiamento de apoio à exportação são outras limitações.


Por isso, apostar no crescimento rápido das exportações, sendo o caminho certo não será o único a percorrer, antes havendo a necessidade de apostar no crescimento sustentado das exportações. E isto consegue-se com apoios através de novas linhas de crédito ajustadas às micro e pequenas empresas, de natureza comercial e de curto prazo, acompanhando as remessas externas e os circuitos comerciais das mesmas. Importa por isso equacionar de forma séria a alocação de fundos disponíveis no país, ainda não comprometidos, para o vector exportação alargando assim a base exportadora nacional.



De igual modo, um contributo indispensável para as empresas seria a resolução no curto prazo dos atrasos do sistema de pagamentos nacional, em especial da parte do estado a muitas delas, os quais estão a provocar em muitos casos já identificados, um sufoco dificilmente ultrapassável.



Também ao nível fiscal, as empresas poderiam ver existir um quadro mais amigável bastando para isso harmonizar o pagamento do IVA com o seu recebimento da parte do Estado. E a pratica do conceito IVA com recibo, seria um contributo indispensável. Acredito que é disto que os empresários necessitam.