Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

domingo, março 04, 2012

Krugmanmania!

As reações às declarações do Nobel da Economia 2008, Paul Krugman, esta semana, por ocasião do seu triplo doutoramento honoris causa pelas Universidades públicas de Lisboa – Clássica, Nova e Técnica – de redução de 20% a 30% dos salários dos portugueses face aos alemães e a comparação entre a capacidade de intervenção do Primeiro-Ministro português e do Governador de Nova Jérsia provam à saciedade o que já conhecíamos: as notórias deficiências do modelo de construção europeia. Apenas ganham notoriedade por serem proferidas por quem foram.

A economia portuguesa definha, o desemprego avança para níveis históricos, é necessário um choque de competitividade. Neste cenário, e no que respeita às políticas do Estado, constatamos que o país já não tem instrumentos de política monetária, que o país já não tem instrumentos de política cambial, que o país ainda tem instrumentos de política fiscal, mas não está em condições de baixar a tributação, depois do endividamento excessivo criado em particular pelas medidas de estímulo à economia tomadas entre 2007 e 2009.

Em relação aos fatores de atração do investimento: quanto à energia, o país não controla o sector, sobretudo o principal agente do mercado, a EDP, que está nas mãos de privados, parte dos quais internacionais, alguns dos quais – pasme-se, empresas estatais: e há liberais que defenderam com denodo a venda da participação do Estado à empresa pública chinesa China Three Gorges?! –; ainda por cima há um défice tarifário conhecido; a tendência será, aliás, para o aumento do custo da energia e não para a sua redução; algum ganho introduzido pela maior concorrência esperada ou mesmo pela redução das rendas nessa área vai-se com certeza esvair pelo aumento que terá de existir para compensar o défice tarifário; quanto ao trabalho, o país não está em condições de baixar os impostos sobre o trabalho designadamente o IRS e a TSU; quanto à tríade: fiscalidade, burocracia e justiça, o país não está em condições de baixar o IRC, pode agir sobre a burocracia – e no que respeita à facilitação do investimento já muito se fez: a empresa na hora, os balcões únicos, os PIN, etc., pode agir sobre a justiça, para que as cobranças de dívidas e a resolução de litígios sejam mais rápidos, mas não mais do que isso.

O Estado também não pode, devido ao programa de ajuda, injetar diretamente dinheiro na economia através de políticas expansionistas ou criar emprego público. O Estado está de mãos e pés atados para resolver o problema da competitividade! O Estado limita-se hoje a ser um cobrador de impostos e (ainda) provedor de educação e de assistência social em sentido lato. Não tem já qualquer poder sobre a economia onde nem a regulação exerce bem. Neste contexto, por si só, um país periférico como Portugal não pode fazer praticamente nada para estimular a competitividade. E como é que um país fortemente dependente do exterior, funcionando num mercado aberto e com os condicionalismos referidos consegue reduzir a curto prazo as importações. Temo bem que só pela diminuição da procura através da redução do rendimento disponível das pessoas.

O que é que lamentavelmente sobra neste cenário? Sobram os custos diretos do trabalho como um fator interno que inteiramente dominamos. O que é curioso aqui verificar é que o Governo já fez o que é proposto por Krugman na Administração Pública (AP)? De forma crua, Vítor Gaspar referiu, quando reduziu os vencimentos da AP: ou é isto ou é a redução de 50 a 100 mil funcionários públicos. E os melhores quadros da AP viram reduzidos os seus salários nominais em cerca de 25%, ou seja, curiosamente um valor dentro do intervalo proposto por Krugman. E globalmente, a redução deve situar-se perto dos 20%. Quanto ao sector privado: o ajustamento pela via salarial tem estado a ser feito de duas formas. De imediato, através do crescimento do desemprego, mais lentamente através da manutenção salarial, comida ano após ano pela inflação e pelos impostos. Neste ínterim, sacrificam-se as novas gerações, obrigadas a emigrar, e os desempregados, para que os que outros sobrevivam mais intocados. A distribuição dos sacrifícios é, como sempre acontece nestes processos, injusta e desigual. Além de que os desempregados, cujo número já supera o dos trabalhadores da Administração Pública, constituem despesa pública. Com isto se colocando ainda mais pressão sobre o Estado.

Vamos empobrecer coletivamente, vamos continuar a ver subir os números do desemprego, com os dramas pessoais que essa situação comporta, vamos assistir à quebra da coesão social que o desemprego está a gerar. E não se vê grande reflexão sobre as notórias deficiências do atual modelo de construção europeia e, já agora, sobre o capitalismo desregulado que nos conduziu até aqui e uma ideia que seja para reduzir as assimetrias entre o que paga o trabalho e o que paga o capital.

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