Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sábado, dezembro 15, 2012

Cães!


Sou um cidadão cumpridor. Sou um cidadão que na análise sociopolítica procuro situar-me mais na perspetiva do coletivo do que na perspetiva individual. É por isso que em termos absolutos aceito que me reduzam o salário em virtude de o Estado não ter dinheiro. Gostava que isso fosse assumido assim mesmo, de forma direta, pelo seu valor facial, sem subterfúgios, sem truques, sem habilidades, sem outro argumentário. Já me custa mais a aceitar que em termos relativos me exijam mais a mim do que a outros com iguais ou superiores rendimentos públicos e privados… 

Como cidadão cumpridor custa-me que me tenham enviado, quase cinco anos depois e a dias da prescrição, duas coimas de 15€ por ter pago o Imposto Único de Circulação (IUC) fora do prazo. A primeira refere-se a 2008 ano em que paguei o IUC em abril e não em fevereiro. Isso aconteceu porque em finais de 2007 houve uma alteração legislativa que estabeleceu que o mês do pagamento do IUC seria o mês da matrícula. A Administração Fiscal não me avisou e eu não estive atento àquela alteração legislativa. A segunda diz respeito ao IUC de 2009 pois comprei um carro novo em finais de 2008. Tinha 90 dias para pagar o IUC e em vez de o ter pago a 26 de março paguei-o a 27. A esta distância, eu que até sou organizado, encontrei apenas uma declaração que me diz que tinha de pagar o IUC no prazo de 90 dias. Não consegui sequer encontrar o papel do pagamento. Admito que tenha havido um lapso qualquer da minha parte na contagem do prazo. Não sei!

Assim, acabei de liquidar 30€ de coimas relativas ao IUC, 15€ porque a Administração Fiscal não me avisou da alteração legislativa, e mais 15€ por ter pago um dia depois.

Parece, segundo esta notícia, que cerca de 400 mil pessoas foram notificadas pelas Finanças com igual fim. Se o Estado precisa de dinheiro, e precisa, tire-mo decentemente através de um imposto qualquer, dizendo-me isso mesmo: que precisa e não tem. Não me cobre, e a mais 400 mil, coimas de há 5 anos por aqueles motivos. Se o Estado quer ter o respeito dos cidadãos tem de se comportar como pessoa de bem e não como um reles habilidoso de curva à espera do incumprimento. Espero que os 30€ façam bom proveito à Administração Fiscal. Podiam-me tirar 300€ e manter o meu respeito, tiraram-me 30€ e eu perdi-lhes o respeito. Cães!

terça-feira, dezembro 11, 2012

Bancos alimentares: acaso ou necessidade?


Será que os Bancos Alimentares são, em si mesmos, uma necessidade social ou um acaso circunstancial? Fazem parte da organização permanente da sociedade ou são um fenómeno emergencial?

Excerto do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
«Toda a pessoa tem o direito a um nível de vida suficiente que lhe assegure e à sua família, a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda aos serviços sociais necessários»
Tendo em consideração que estes direitos, enquanto necessidades básicas, nomeadamente o direito à alimentação, não se encontram satisfeitos, aparecem organizações humanitárias, como os Bancos Alimentares, enquanto resposta da sociedade, à constatação dessa realidade. Porém, deverão ser encaradas como provisórias, ou então os Direitos do Homem são uma farsa, sobretudo quando estamos a falar de países desenvolvidos… será que o são?

Será que os países que há dezenas de anos, movidos por interesses políticos e económicos, não conseguem, ou não querem, erradicar a fome, poderão mesmo ser considerados desenvolvidos? Países onde as fortunas pessoais não param de aumentar, onde, por vezes, se deita comida fora para não baixar os preços? Onde o lucro é o meio e o fim de tudo?

Não creio,  e até considero paradoxal a designação de países desenvolvidos. Nestes países, a existência de organizações/instituições de caridade é cada vez mais uma realidade que tenta minorar, entre outras, a fome.  Daí a necessidade do aparecimento de Bancos Alimentares, através dos quais é celebrado um acordo de abastecimento gratuito com cada uma dessas associações humanitárias.  A ajuda alimentar é posteriormente entregue pelas diversas instituições às pessoas carenciadas sob a forma de refeições, servidas quer em lares, creches, refeitórios sociais e entregas domiciliárias, bem como de refeições distribuídas na rua ou em determinados locais de acolhimento. Outra forma de actuação consiste ainda na distribuição de cabazes de alimentos a famílias carenciadas.

Sendo a fome o móbil do aparecimento dos Bancos Alimentares, poder-se-á inferir que estes terão surgido nos países não desenvolvidos, países pobres?

Mais um paradoxo, este conceito nasceu nos Estados Unidos, o país do sonho americano, em 1967, mais concretamente em Phoenix, quando John Van Hengel viu uma viúva, mãe de 10 filhos, a procurar comida no lixo, atrás de mercearias. Sentiu-se impelido a ajudar e, para tal, procurou convencer as lojas a dar os produtos em vez de os deitar fora. Surgiu assim o embrião do primeiro banco de alimentos.

Mais tarde, Francisco Lopez, funda o Banco Alimentar de Edmonton, no Canadá. E inspirado nele, Cécile Bigot, na França, a fim de lidar com o aumento da pobreza em Paris, contactou Dandrel Bernard da Secours Catholique que, com a ajuda de outras instituições de caridade como a Emaús e o Exército da Salvação, fundou o Banco de Alimentos da França de Paris-Ile, em julho de 1984.

Por sua vez, André Hubert decide também criar um Banco de Alimentos em Bruxelas. Este movimento, contagioso, criou a necessidade de se organizar e ter uma voz mais forte que representasse estas organizações quer a nível europeu, quer internacional. Nasceu assim a FEBA - Federação Europeia de Bancos de Alimentares, lançada em 23 de Setembro de 1986.

A FEBA, entre 1988 e 1992, apoiou o desenvolvimento de Bancos Alimentares em Espanha, Itália, Irlanda e Portugal; entre 1994 e 2001 na Polónia, Grécia e Luxemburgo. A partir de 2004, verificou-se a adesão à rede da Alemanha, Hungria, República Checa, Eslováquia, Reino Unido, Lituânia e Sérvia, seguindo-se em 2010 e 2011 a Holanda, Suíça, Estónia, Dinamarca e Montenegro. Actualmente a FEBA continua em contacto com outros países, no sentido de serem  criados novos Bancos Alimentares.

A título de informação, diga-se que existem em Portugal 13 bancos alimentares que ajudam diariamente mais de 219 mil pessoas através de mais de 1.200 instituições (só na área da grande Lisboa são apoiadas 63 mil pessoas). Curiosamente, em 12 maio de 2012, em Vilnius, foi eleito, em Assembleia Geral da FEBA, um novo Conselho de Administração, de que Isabel Jonet se tornou Presidente.

Como muitos dos países aqui referidos são dos ditos desenvolvidos é provável que surjam vozes a justificar estes Bancos Alimentares com a emigração, com pessoas oriundas de países pobres em busca de melhores situações. Parcialmente, pode até ter algum cunho de verdade, mas, poder-se-á afirmar que todas as pessoas que, por exemplo, em Portugal e Espanha, sofrem o flagelo da fome, serão todos emigrantes? E nos restantes países europeus? Temo que não, e ainda que não possua elementos suficientes sobre esta questão, não me parece que o problema não se tenha alargado à população nacional. Basta atentarmos nas notícias de empresas a fecharem em toda a Europa, às reduções drásticas de pessoal em bancos, no comércio, na indústria ou nos serviços, entre outras. Nem creio que a Segurança Social desses países estivesse preparada para tal colapso.

Como muitos o têm já referido, estamos perante uma Sociedade, baseada no egoísmo, no enriquecimento a todo o custo, onde o que conta é o indivíduo que se julga o centro do universo.

Parece-me que estamos num mundo evoluído, com alimentos bastantes para todos, mas que são sonegados a muitos, em prol desse egoísmo, dessa ganância irracional, que não se importa de ver os seus concidadãos à míngua. Claro que existem situações extremas, catástrofes, fenómenos inesperados da natureza, entre outros, que justificam a existência de organizações de apoio humanitário, mas estas não devem ser um fim mas apenas um meio provisório e temporário para situações pontuais.

Reportando-me novamente ao enunciado artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, questiono-me se, de facto, a existência de Bancos Alimentares são um acaso ou uma necessidade. Penso que deveriam ser um acaso, mas infelizmente e face à realidade actual da nossa sociedade corremos o sério risco de se tornarem uma necessidade.

Com efeito, baseado naqueles princípios, convencionados e aceites pelas diversas nações, competiria aos seus orientadores, leia-se governantes, assegurarem a sua prossecução. Afinal são estes princípios que prometem defender e prosseguir quando se apresentam aos eleitores. Neste sentido têm de honrar os seus compromissos e, se o não fizerem, não têm legitimidade em continuar a gerir os destinos do país. Seja por incompetência, seja por influência externa, desde que admitam ou, na prática, demonstrem não serem capazes, de que adianta protelarem o inevitável? Para quê manter o insustentável? Diria que estão a mais, estão fora de prazo.


Enfim, numa sociedade onde poucos têm muito e muitos têm tão pouco, custa a entender que estes, que nada têm a perder, continuem apáticos ou adormecidos, ou quiçá esperançosos ou manipulados pela possível existência de vida para além da morte e lá, no além, sejam recompensados por terem oferecido a outra face, em vez de terem reagido.


quarta-feira, dezembro 05, 2012

Mais uma vez a Educação


Entende-se mal as recentes declarações de Pedro Passos Coelho sobre a necessidade (ou perspectiva do Governo) em estabelecer que o ensino público venha a ser cofinanciado pelas famílias i. é. pelos particulares, cidadãos em geral mediante a hipotética introdução de uma taxa sobre as famílias.

E percebe-se mal porque uma pergunta se impõe. Não pagarão já os cidadãos o sistema de educação em Portugal? Não será tal concretizado através dos muitos impostos que nos são já cobrados? A resposta é obviamente sim.

E estas afirmações acabam por ser, para além de polémicas, incompreensíveis dado o estado social e económico do país. Polémicas porque não há posições alinhadas dos constitucionalistas quanto à sua legitimidade constitucional. A maioria destes, defende que a constituição, definindo que o ensino é obrigatório e, sendo obrigatório, deverá ser gratuito. Outros afirmam no entanto que o ensino básico é que será obrigatório e gratuito. Ora o ensino básico em Portugal confina-se aos 9 primeiros anos de escolaridade (do 1.º ao 3.º Ciclo) dando depois origem ao designado ensino secundário.

Desta forma, não será necessário sermos constitucionalistas para se entender que tal medida, a ser tomada, será inconstitucional. Se a constituição prevê que o ensino é obrigatório e sendo obrigatório será gratuito, então se hoje temos o ensino obrigatório até ao 12º ano, não faz qualquer sentido que sejam exigidas às famílias novos esforços. A não ser que PPC se tenha querido referir ao ensino superior - mas nas afirmações que agora se comentam não o disse nem o esclareceu.

Há depois a questão moral, social e, ainda, a questão puramente financeira.

Pelo que se tem divulgado nos órgãos de comunicação social, temos no país cerca de 127 mil alunos com carências alimentares que recorrem aos serviços das cantinas escolares para obterem a principal refeição do dia. Os directores de muitas escolas já vieram testemunhar que há um número crescente de alunos que começou a tomar o pequeno-almoço igualmente na escola. Temos igualmente o testemunho de muitas escolas no país que já não encerram as cantinas nas pausas escolares pelo facto de poderem receber os alunos com carências alimentares e de famílias mais desfavorecidas ou com os pais desempregados, pois a cantina escolar permite-lhes um pequeno-almoço e almoço que em casa não lhes é possível pela situação familiar em que vivem.

Posto isto, menos sentido fará tal ideia pois acreditamos que o Governo terá a noção exacta das carências do país e da situação de muitas famílias. Tanto mais que não há nenhum país da União Europeia em que o ensino obrigatório não seja totalmente financiado pelo Estado.

E que dizer do já elevado abandono escolar? Medidas desta natureza podem projectar o país numa espiral ainda mais grave de abandono escolar pelo facto das famílias não conseguirem suportar mais custos com as propinas escolares. Tal poderá ainda provocar um retrocesso na valorização do ensino e nas conquistas e evolução, conseguidas ao longo das últimas décadas.

Recentemente aliás, o Secretário de Estado da Educação referiu que muitos destes esforços adicionais efectuados pelas escolas na alimentação dos seus alunos resultam não já do esforço e do dinheiro público mas da solidariedade privada de muitas empresas de distribuição alimentar, de produtores, de empresas de transportes, que doam muitos destes alimentos para que as escolas os possam disponibilizar aos alunos.

Se nos quisermos situar e analisar o investimento público por aluno no ensino secundário no seio da UE, verificamos, segundo dados da OCDE no seu trabalho Education at a Glance 2012 que a média deste investimento é de EUR 7.325 na UE e de EUR 7.170 nos seio da OCDE. Portugal está já abaixo destas médias com EUR 6.700 e atrás de países como a Espanha, França, Holanda ou Alemanha.

Torna-se por isso relevante que a sociedade civil esteja atenta na senda de uma política com algum sentido de justiça e de solidariedade numa sociedade já tão castigada e causticada pela austeridade. Pelas mais recentes declarações de PPC, somos esclarecidos que, por razões constitucionais, o Governo não poderá aplicar tal taxa no ensino obrigatório. Ficamos satisfeitos. Salve-se a constituição que nos salva.

quarta-feira, novembro 21, 2012

As greves europeias



As greves gerais em Portugal e Espanha mereceram manifestações de apoio por toda a Europa. França, Itália, Reino Unido e até Alemanha com manifestações.

Era na semana passada este o título de um artigo de um jornal online da praça portuguesa.

Para além das greves gerais em Portugal e Espanha no passado dia 14 de novembro, assistimos igualmente a protestos contra a austeridade um pouco por toda a Europa. Desde a Grécia, Bélgica e França, passando pela Itália, Reino Unido e até nas portas de Brandenburgo na Alemanha, se assistiu a um movimento que parece bem concertado de protestos por toda a Europa.

As posições cívicas contra a austeridade não são afinal um fenómeno de natureza local confinado aos países do sul da Europa ou àqueles sob programas de assistência financeira (aqui exceptuando-se a Irlanda que parece estar num outro campeonato) mas antes um problema e um fenómeno de natureza generalizada aos países da zona Euro.

A luta contra as medidas de austeridade e o problema do desemprego, uniram cidadãos e sindicatos com milhares de manifestantes a saírem à rua em algumas das principais cidades europeias.

O Governo espanhol e em particular Mariano Rajoy estiveram no centro dos protestos em Espanha contra o aumento de impostos e os processos de privatizações em curso.

Em Itália, não foi dia de greve geral, mas apenas de uma paragem de quatro horas enquanto nas ruas foram organizadas diversas manifestações, entre as quais a dos professores em protesto contra o aumento de impostos.

Em Atenas, foram exibidas as bandeiras dos países que pediram ajuda ao FMI e em Bruxelas houve até sinais de alguma violência nas ruas, o que igualmente se observou em Madrid.

Sinais de uma Europa em convulsões? Ou tempos de uma Europa desmembrada?

domingo, outubro 14, 2012

O FMI e o Modelo de Austeridade falhado


Fazendo parte daqueles a quem se classificam como de crescimentalistas, pelo facto de entender que o modelo de austeridade seguido não resolve, nem resolverá, por si só, os problemas das finanças públicas e da dívida externa, do desemprego ou da falta de crescimento, por contrapartida ao pensamento dos designados austeritaristas, confesso que fico satisfeito com a notícia.

O último relatório de Outlook do FMI deita por terra a base virtuosa do modelo de austeridade aplicado aos países do sul da Europa, modelo este já aplicado também ao longo das últimas décadas em diferentes geografias, e que teve o seu mais negativo reflexo nos finais da década de 90 na América Latina, muito especialmente no exemplo paradigmático da Argentina.

Conclui agora tal relatório que existe um erro (um desvio) nos resultados de tal modelo de austeridade. O FMI reconhece agora que se enganou em relação às previsões que sustentam os programas de austeridade e de resgate dos vários países onde tal modelo tem vindo a ser implementado, no caso presente (e mais recente) da Grécia e Portugal.

Afinal, feitas bem as contas, com base nas experiências mais recentes da Grécia, Irlanda ou Portugal, o corte de 1 Euro no défice não custa apenas 50 cêntimos ao PIB. Antes porém, pode custar entre 90 cêntimos e 1,7 Euros.

Extraordinário, dirão os crescimentalistas. Coisa a verificar melhor porque não será bem assim, dirão os austeritaristas. A verdade é que a realidade parece vir provar este mesmo fracasso (chamemos-lhe apenas desvio). Afinal o modelo tem conduzido a resultados inesperados.

Como dirão os crescimentalistas, isto não vai lá só com contas! Há as expectativas dos agentes económicos (empresas) e outros como os consumidores, há o poder de compra, há o grau de confiança que leva ao investimento e ao consumo, há o rendimento disponível e a carga fiscal…etc, factores que influenciam directamente os resultados das politicas de austeridade implementadas.

Sobre esta matéria e como análise crítica ao modelo de austeridade e aos seus resultados, que o FMI e o Banco Mundial aplicaram na passada década de 90, recomendo a leitura de um livro escrito exactamente há 10 anos pelo célebre economista Prémio Nobel, Joseph Stieglitz (ex- economista chefe do Banco Mundial, assessor económico do Presidente Clinton) insuspeito portanto, e que se intitula: Globalização a grande desilusão.

Ou na sua versão inglesa: Globalization and it´s discountants

Há 10 anos, já Joseph Stieglitz alertava, muito primeiro que todos os outros, para esta globalização e para este modelo fracassado do FMI e Banco Mundial com uma análise formidável do que se passou em países da América Latina. A não perder (ou a reler).

É pois tempo da Europa se unir e analisar de forma crítica mas atenta, como este modelo de austeridade pura e dura não estará a levar os países com necessidades de ajuda ao melhor caminho e aos objectivos desejados. Mais do que nunca, espera-se da Europa um espírito de união e uma capacidade de encontrar soluções globais, ajustadas localmente, aos seus países membros respeitando e atendendo às idiossincrasias de cada um deles.

Porque esta crise é global e não se insere apenas na esfera dos países em termos individuais, havendo, por isso, necessidade de respostas à escala europeia uma vez que é do interesse europeu que se trata. Nenhum país que necessitou de ajuda ou que vier a necessitar terá nas suas mãos a capacidade e os instrumentos, para, por si só, os resolver. Esperemos que a Europa possa daqui a tempos dizer, como em tempos disse Tony Blair num outro contexto: We act because we must.

Um prémio certo na hora certa


Perdemos a memória das duas grandes guerras mundiais que devastaram a Europa. A memória vivida perdeu-se quando deixámos de conviver com quem as viveu. Esses dois devastadores conflitos existem hoje sobretudo, ou quase exclusivamente, em filmes, documentários, livros de História, mas já não na memória das gentes.

Mas ao projeto europeu se devem mais de seis décadas ininterruptas de paz na Europa. Não é, pois, de estranhar a atribuição do Prémio Nobel da Paz à União Europeia (UE). Porém, alguma da nossa intelligentzia, cujo nível de vida em grande parte se deve à União Europeia, zurze hoje na sua atribuição, não raramente confundindo as instituições com os seus atores momentâneos. Penso que só mesmo por ignorância do que foi a história da Europa e do que foi a história da Europa do séc. XX se pode questioná-lo. O prémio é justíssimo. 

Nos países do Sul grita-se e barafusta-se contra a UE, aponta-se-lhe a falta de coesão, de entendimento, de diálogo, de solidariedade, e vaticina-se mesmo a sua destruição iminente. Creio, porém, que essa escatologia é bem capaz de ser mais baseada na espuma das ondas do que no movimento profundo das marés.

Se olharmos mesmo para o momento presente, certamente o mais difícil da história da UE, notaremos que tem, ainda que com dificuldades, avanços, recuos, imperado um sentimento de família, de pertença, de comunidade... É mais o que nos une, desde a moeda que temos nos bolsos, aos regimes políticos que partilhamos, às leis e instituições que nos regulam, ao legado da civilização e da cultura ocidentais, do que o que nos separa… Se conseguirmos o distanciamento necessário, veremos que, mesmo agora, o velho lema militar de que «ninguém fica para trás» tem, apesar de tudo, dominado. E a atitude perante Grécia, sempre muito criticada, é um bom exemplo disso. É que mesmo depois de dois pedidos de resgate e de um perdão de 50% da dívida, o dinheiro continua a chegar... E os gregos, chamados a pronunciar-se, manifestam-se favoráveis à continuidade no euro…

Além de justo por tudo o que a União Europeia fez pela paz na Europa, o prémio é oportuno, por ser dado no momento em que é. É que o prémio coloca nos ombros dos decisores europeus a responsabilidade acrescida que é «honrá-lo»…

Este é, pois, um prémio certo, na hora certa...
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terça-feira, outubro 09, 2012

Turismo em Portugal



Em tempos conturbados como os actuais e num país em profunda crise económica e social, resta ainda a Portugal uma réstia de Sol. Como já alguém disse, ou escreveu, “o sol, o sal e o mar, trarão a Portugal no futuro, os recursos para a educação, para a saúde e para o progresso”.

Num país atordoado pela crise económica e financeira e num quadro de carência social preocupante, o país ainda consegue ser galardoado pelo sector do qual dependerá grande parte da sua sobrevivência no futuro – o turismo.

Esta semana o país obteve várias distinções do World Traveler Awards o qual atribuiu a Portugal a distinção do melhor destino para a prática de golfe e o melhor destino de praia da Europa.

Para além daquelas, foram igualmente dadas distinções a 4 hotéis, como sendo dos melhores hotéis da Europa.

Se a isto somarmos todas as distinções que, por exemplo, Lisboa tem obtido no circuito internacional das melhores cidades para fazer férias e negócios, entende-se mal porque é que o país não apostou mais em si próprio, de uma forma consistente neste activo que o distingue em várias frentes.

Soma-se a isto os resultados de um estudo recentemente realizado pelo Turismo de Portugal que conclui que 85% dos turistas querem voltar de férias a Portugal e que 89% destes ficaram muito satisfeitos com as suas férias no país. Há aliás uma franja de 34% destes visitantes que afirma que ficaram acima das suas expectativas.

Note-se que 40% escolhem o destino Portugal através da Internet, vejamos a importância deste meio, ou a falta de melhores acções e estratégias internas alternativas, o Algarve é destino para 46% dos visitantes e a região de Lisboa de 42%. A cidade de Guimarães ficou com 6% devido certamente à Capital Europeia da Cultura.

Para percebermos a importância deste sector refira-se que o turismo é responsável por 46% do peso das exportações de bens e serviços, representa 10% do PIB e 10% do emprego em Portugal.

domingo, setembro 30, 2012

A Europa na demanda do seu rumo




Primeiro Atenas, depois Barcelona, Lisboa, Madrid e agora Paris.

Em cada uma destas cidades os cidadãos dão voz ao seu desencanto e ao seu desagrado com a política e os seus representantes.

Não é só, afinal nos países do sul da Europa, nos deserdados PIGS, que assistimos ao grito da revolta dos cidadãos. As frustrações com a delapidação do estado social, das condições de vida, os cortes dos salários e as subidas de impostos, sobem já para o centro da Europa. Desta vez é na França que se manifestam.

E é nesta Europa em retalhos, sem rumo definido, perdida nas suas diferenças, escondida nos egoísmos nacionais, falhada nas suas propostas e soluções, é nesta Europa que radicam as frustrações dos seus cidadãos, outrora orgulhosos dessa mesma Europa.

Não é apenas a falta de lideranças, sólidas, firmes e de gente feita de craveira politica, visionária e internacional que faz gravitar em torno dos países para de seguida os atingir, esta profunda crise.

A Europa procura um novo lugar neste mundo, feito de desigualdades, de falta de emprego, guiado e moldado pela evolução tecnológica e pela velocidade estonteante das inovações e das formas de interligação, interdependência e de comunicação. Todos estão ligados a todos, nunca ninguém se sentiu tão só.

Nada será como dantes. O progresso do conhecimento e da tecnologia continuará a afastar as pessoas dos seus postos de trabalho. As novas empresas empregarão muito menos pessoas ainda que mais cérebros, que são no entanto poucos.

A Europa tem que ajudar as suas empresas e os seus empreendedores a trilhar também eles, outros rumos. Unir esforços e definir politicas comuns que os suportem. De norte a sul.

A Europa terá que descobrir um novo caminho nesta demanda e novas formas de apoiar os seus cidadãos acompanhando ao mesmo tempo o progresso.



quinta-feira, agosto 30, 2012

Sinaléticas e viagens de carro ao preço de avião



Nestas férias viajei como de costume até ao Algarve. Atento o preço dos combustíveis e o preço das portagens, que tornam os custos de uma viagem de automóvel de menos de 300 Km equivalentes a muitas viagens de avião, decidi fazer uns ajustes ao percurso habitual. Costumava ir sempre pela autoestrada (A1 e A22), desta vez optei por fazer um percurso misto. Há partes da A1 a que só dificilmente se pode escapar e optar pela EN 125 em alternativa à A22 (via do Infante) não é exequível. Na maior parte do percurso, porém, o IC1 é uma alternativa satisfatória.

Ao fazer este percurso misto constato que na A1, cuja concessionária é a Brisa, não existe – que me apercebesse – uma única placa de identificação a indicar-nos o o IC1 como alternativa para o Algarve. Ao passo que no IC1 existem várias placas indicando-nos a A1. Obviamente que há o conhecimento empírico dos automobilistas nacionais, os aparelhos de GPS, etc., mas isso não dispensa, complementarmente, a existência de sinalética na via. Claro que à Brisa, concessionária da A1, identificar na estrada que gere o IC1 seria um tiro no pé, pelo que caberia ao Estado, que aliás é o dono da estrada, obrigar a concessionária a assinalar a alternativa. No que respeita à «concorrência» o que o Estado nós dá são apenas placards com as alternativas de postos de combustível que ou não têm diferença de preços entre si ou têm diferenças de 0,01€. Aliás, se dúvidas houvesse quanto à inexistência de uma verdadeira concorrência no sector dos combustíveis, os placards das autoestradas são prova material de que ela não existe.

Até por pequenos pormenores, como a sinalética, fico sempre com a sensação de que o Estado não sabe negociar, nem exigir no que é seu, e em relação aos preços dos combustíveis, que também não sabe regular. 

Acresce ainda que não tinha via Verde e fui forçado pelas circunstâncias a aderir a esse sistema este Verão para circular nas ex-SCUT, em concreto na A22, ou sujeitar-me-ia a um calvário logístico e administrativo para efetuar o pagamento. Em nome dos lucros, quer as ex-SCUT, quer as outras estradas concessionadas, são estradas humanamente desertas. É preferível coagir os nacionais a aderir à via Verde ou ao Dispositivo Eletrónico de Matrícula e sujeitar os estrangeiros a indignas filas num país que se diz turístico, do que dotar as estradas com cabines e portageiros. Não nos admiremos depois de os níveis de desemprego estarem como estão, sobrecarregando o Estado... 

quarta-feira, julho 25, 2012

Portugal e as suas clivagens



Portugal parece-me ser, no momento, um país a duas velocidades. Há normalmente entre alguns de nós, economistas, a tendência para ir observando os fenómenos sócio-económicos com que nos vamos defrontando e que ocorrem ao nosso lado no dia-a-dia. Por vezes também me acontece. E é exactamente do fruto dessa observação que retiro a ideia que me parece que o país continua a registar, e até fico com a sensação, a agravar, algumas clivagens sociais que aparentam surgir aos nossos olhos de forma cada vez mais vincada.

Hoje, quando tanto se fala no Estado Social, na sua importância para os cidadãos menos favorecidos e quando este Estado Social é tão posto em causa, quer aqui quer na Europa, e é tão difícil de manter dada a difícil situação financeira do país e a falta de dinheiro para o suportar, há no entanto quem alerte, e alguns outros alertas surgem no horizonte, para o perigo da situação. Se por um lado o Estado Social é difícil, para uns, impossível, para outros, de manter, o desmantelamento do mesmo arrisca provocar ainda maiores clivagens na sociedade civil. Corremos o perigo de vermos agravar-se a separação entre os portugueses que mantêm o seu estatuto de vida e nível financeiro e aqueles que viram a sua situação pessoal, económica e familiar degradar-se cada vez mais. E esta separação arrisca ainda a criar um fosso que dificilmente se fechará entre os que estão nos degraus acima da pirâmide social. Silva Lopes alertou para este perigo ainda não há muito tempo.

E neste quadro de observações que refiro, confronto-me dia-a-dia com estas diferenças. Desde os restaurantes porta-a-porta ou lado a lado, em que um deles está invariavelmente cheio, com a mesma clientela do costume, que pode pagar preços mais elevados e cujo valor médio da refeição oferecida está acima do “bolso médio” do cidadão comum, e o outro ao lado de gama mais baixa e preços mais modestos que se encontra invariavelmente vazio. Ou dos salões de cabeleireiro cujos preços pelos serviços prestados estão 30% a 50% acima do cabeleireiro “médio” mas que invariavelmente a clientela lhe é fiel quando os outros lutam pela sobrevivência. Ou ainda quando não assistimos ao encerramento de nenhuma das marcas de roupa e moda topo de gama e de marcas internacionais de elite quando diariamente encerram inúmeros estabelecimentos de moda e vestuário da gama média ou média baixa.

Os indicadores sociais do INE de 2010 dizem-nos, segundo notícias recentes, que a pobreza se agravou em Portugal e que mais de 1,8 mio de pessoas vivem abaixo de determinado limiar de pobreza. Isto já em 2010 antes das medidas do Governo exigidas pela Troika.

Portugal necessita de crescer para conseguir de alguma forma manter, pelo menos, este Estado Social enfermo. E é curioso quando há dias ouvi o economista João César das Neves referir-se ao problema do crescimento económico e da produtividade nestes termos: Portugal não tem nenhum problema de crescimento ou produtividade. Ninguém percebeu ainda que o nosso problema é um problema de demografia. Antigamente, as pessoas reformavam-se aos 65 para morrerem aos 70. Hoje reformam-se aos 65 para morrerem aos 80 ou aos 85 e logo há muito menos a contribuir para a produtividade e mais a usufruir do que é produzido. Resolva-se o problema da demografia e resolve-se este problema. O que há a fazer é, naturalmente, adiar e chutar para a frente a idade da reforma. Simples não é? Até parece fácil.

Não nos podemos esquecer que a solidariedade social é um dos maiores valores de uma civilização e da democracia tal qual a concebemos. É o suporte da humanidade nos tempos modernos. De nada serve chamar para aqui as regras do mercado porque essas não ajudam a resolver, antes agravam, a situação sócio-económica dos povos e das nações. Mais do que nunca é necessário mudar o paradigma social e económico em que assentam as bases desta democracia. Pelo menos mudá-lo transitoriamente. O que os povos conquistaram não aceitam abdicar de forma abrupta, dolorosa e violenta porque simplesmente não o entendem. Há que ter isto em atenção e actuar em conformidade. O caminho faz-se caminhando e os ajustamentos, ajustando. Nada pode ser feito de uma vez só. Também aqui o tempo é o melhor conselheiro e o melhor instrumento de uso para legitimar as politica sociais agressivas. Exige-se bom senso.

segunda-feira, julho 23, 2012

CAMARADAS FRESIANOS

Camaradas fresianos

Em tertúlias e reflexões

Desmontam os desenganos

Estão despidos de ambições

 

Gente anónima de imagem

Mas ousada em pensamento

Das mais sensatas dimensões

O seu Deus é a coragem

Do grupo vem o alento

Estão despidos de ambições

 

Decerto o futuro avança

Pois só a razão comanda

De si mesmo soberanos

Nada os derrota nem cansa

Imunes à propaganda

Desmontam os desenganos

 

Com perseverança e prazer

A lógica está em cena

Fieis às próprias convicções

Modo independente de ver

Sua análise é serena

Em tertúlias e reflexões

 

E nos convívios de ascensão

Combatem‑se frente a frente

Sem causar feridas ou danos

Em altaneira gratidão

Jamais alguém se ressente

Camaradas fresianos



Autor Fresiano que preferiu o anonimato

sábado, julho 14, 2012

Reformas e pensões: o «critério material»


As pensões e as reformas não são uma dádiva, são uma obrigação, pois o Estado apenas foi o fiel depositário do dinheiro que elas representam. Esta é uma afirmação simplista que de tantas vezes repetida ganha foros de verdade absoluta no debate público. Porém, se é tolerável no plano político, pela narrativa muitas vezes demagógica que os agentes interiorizaram e os cidadãos aceitam, é-o menos na dimensão técnica, por princípio mais neutra, e menos ainda na dimensão judicial, por princípio independente, equilibrada e justa. O recente Acórdão do Tribunal Constitucional (TC) enferma de uma conceção semelhante quando, acerca dos cortes dos subsídios aplicados aos reformados e pensionistas, refere: «as pensões, apesar de serem pagas por organismos públicos e de as respetivas verbas estarem inscritas em orçamentos públicos, resultam de contribuições de pessoas que, por assim dizer, as colocam nas mãos daqueles organismos para serem geridas e depois devolvidas na forma de pensões. […] Não se vislumbra, assim, qualquer critério material que justifique a sujeição destas categorias de pessoas a esta diminuição dos seus rendimentos […] O que distingue os reformados/pensionistas do setor privado, dos trabalhadores ativos do setor privado, é que os primeiros já pagaram as suas contribuições, recebendo agora a respetiva pensão de acordo com o que contribuíram, enquanto os segundos estão a pagar para vir a receber a pensão correspondente». 


Ora, na verdade os reformados e os pensionistas genericamente recebem uma pensão de acordo com o que lhe pediram que contribuíssem mas não de acordo com o que efetivamente contribuíram. Isto é, individualmente considerados, os descontos que efetuaram ao longo da vida não foram suficientes para o que estão e virão a receber. Este é um critério material que o TC teria também de conhecer e sopesar. Há estudos que referem que os descontos efetuados ao longo da vida cumulativamente por entidade patronal e trabalhador não chegam para suportar mais do que alguns anos de reforma/pensão. Aliás, mesmo hoje, basta olhar para o que cada um de nós desconta (11%), somar-lhe o que a entidade patronal desconta (23,5%), considerar um percurso contributivo de 40 anos e uma sobrevida de 18 anos aos 65 anos, o que está alinhado com a média atual, mesmo considerando a capitalização, para perceber que o que se descontou individualmente não será suficiente para assegurar uma reforma ou pensão sem quebras muito significativas de rendimento. Isto sem sequer debitar o que a Segurança Social nos devolve durante a vida ativa, em situação de doença, desemprego ou outra, uma vez que o bolo é o mesmo. Há estudos que referem que quem tem hoje 50 anos pode vir a perder na reforma 35% do rendimento, quem tem hoje 40 anos 45%, e quem tem hoje 30 anos 60%. Este pode ser um cenário dos futuros reformados e pensionistas face aos atuais.


É que o modelo de reforma/pensão dos atuais reformados/pensionistas assentou no benefício definido e não na contribuição acumulada. O que o TC parece considerar é que as reformas/pensões são uma espécie de conta individual para onde foram sendo transferidos e acumulados os descontos efetuados pelo beneficiário e em seu nome pela entidade patronal, a que se somaria um rendimento resultado da valorização do capital. Ora isto, por razões históricas e de modelo, nunca aconteceu e só um esquema semelhante, com mecanismos de ajustamento automático à evolução da esperança média de vida, poderia garantir a verificação integral das premissas consideradas pelo TC. Sabemos que hoje já é considerada toda a carreira contributiva mas também que o cálculo foi durante anos feito pelos 10 melhores anos dos últimos 15, sabemos que hoje já é considerado o chamado fator de sustentabilidade, que indexa o cálculo da pensão à esperança média de vida, mas que este só surgiu em 2008. Tudo isto são dados objetivos, tudo isto consubstancia o critério material que o TC deveria também equacionar na decisão, o qual, a ser considerado, poderia mesmo suscitar, a contrario sensu, o questionamento de uma parte das atuais reformas/pensões justamente à luz dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, em nome do contrato solidário entre gerações. Obviamente que não se considera aqui a esmagadora maioria pensões e reformas, socialmente indignas e que deveriam mesmo ser valorizadas, independentemente do que contribuíram ou não para o sistema, exatamente em nome do direito à segurança social constitucionalmente consagrado, direito que a atual geração de ativos deve às precedentes mas que a atual geração de reformados também deve às vindouras.
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quarta-feira, julho 11, 2012

PRESENTE NO FUTURO - Os Portugueses em 2030






Quero aqui referir e destacar o encontro a realizar no Centro Cultural de Belém nos dias 14 e 15 de Setembro designado “Presente no Futuro – Os Portugueses em 2030” organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Esta Conferência permitirá debater a ideia de como será Portugal em 2030 atendendo aos problemas demográficos e de envelhecimento da população que hoje se apresentam ao país. As questões centrais a debater irão centrar-se em quatro eixos: envelhecimento e conflito de gerações; famílias, trabalho e fecundidade; desigualdade: povoamento e recursos; fluxos de populacionais e projectos de futuro.

Num tempo em que a população regista um encolhimento e onde o saldo migratório foi pela primeira vez negativo desde 1993, i.e. houve mais pessoas a sair do que a entrar no país, estes são temas da maior importância para o contexto socioeconómico da nação.

Quando se sabe que em 2010 este saldo negativo foi de 61 mil pessoas e em 2011 de 24,3 mil pessoas, é urgente tomar medidas para contrariar esta tendência recente. Se considerarmos a diferença entre o nº de nascimentos e de mortes, Portugal registou um saldo populacional negativo de menos 65 mil pessoas em 2010 e de 30 mil pessoas em 2011. Somos cada vez menos e não sabemos como inverter este facto.

Para onde caminhamos é pois uma pergunta incontornável sabendo-se que menos população representa menos capacidade produtiva, menos conhecimento, menos criação de riqueza menor afirmação cultural e civilizacional no Mundo.

Para além da discussão do “como será o Portugal de 2030” e “que Portugueses teremos em 2030”, serão feitas várias projecções sobre o retrato de Portugal no futuro e de como será a próxima geração em Portugal. Que problemas, que dificuldades, em que contexto sócio económico viverá, que reformas foram feitas, como estará a saúde, a educação etc.

Estou em crer que se trata de uma discussão de extrema relevância, que ainda não foi vista no país e que urge como nunca concretizar. Aliás, digo-o há muito tempo, falta ao país definir a sua missão, clarificar o seu posicionamento no mundo, inscrever um rumo e reunir todos os recursos e esforços para partir nessa direcção. E esta discussão sobre o Portugal do futuro não foi feita até hoje. Devemos estar, por isso, expectantes e procurar estar informados.


quinta-feira, julho 05, 2012

Os «donos» do Estado...




Utilizo diariamente os transportes públicos, designadamente o Metropolitano e a Carris. Há já uns anos que viajo normalmente tendo por companhia um MP3, abstraindo-me um pouco das conversas circundantes, perdendo - tenho consciência disso - muito conhecimento do meu semelhante. Os transportes são, como se sabe, um curioso microcosmos antropológico. Geralmente até só ligo o telemóvel já nas imediações do meu local de trabalho, procurando criar logo pela manhã um pequeno momento Zen, que me prepare para o ritmo do dia. Ocasionalmente isso não acontece. 


Numa dessas ocasiões, num Metropolitano bastante composto de gente, e onde de forma forçada se encurtaram os espaços entre os passageiros, surpreendi uma conversa entre uma mulher e um homem. Ela, uma criatura de meia-idade, nem bonita nem feia, de atitude demasiadamente assertiva, e até mesmo um pouco desagradável nos modos, o que não a tornava simpática. Ele, um indivíduo mais jovem, barba de dois dias, fato e gravata, ar um pouco negligé, tímido mas do género insonso, diria que uma espécie de yuppie de gama baixa. Como íamos quase lado a lado, a conversa deles impôs-se-me. Ela falava mais alto, pelo que era impossível não ouvir, ele mais baixo. Dá-me ideia que ela teria tido funções numa instituição europeia, ele devia ser advogado. 


Numa parte da conversa – a viagem deve ter demorado menos de 10 minutos – ela recordava os deputados europeus e outro pessoal das instituições comunitárias que, há 15 ou 20 anos, via nas salas VIP dos aeroportos, a utilizar o telemóvel de um modo exibicionista para fazer chamadas particulares sobre trivialidades, deixando-se ouvir pelos demais, referindo-se àqueles que «à nossa conta» e com «o nosso dinheiro» torravam os saldos. Dou de barato que aqueles de quem ela falava tinham telemóvel pago e dou de barato ainda o facto de também ela exibir alarvemente as suas opiniões àquela parte da carruagem, nisso não se distinguindo dos primeiros. O que me chocou foi a forma boçal como ela se referia ao «nosso dinheiro». Coisa que, aliás, vejo repetida até à exaustão hoje em dia por todo e qualquer motivo e por tudo quanto é gente, e que assenta no pressuposto de que o dinheiro do Estado é de todos os cidadãos e o dinheiro das empresas e das pessoas é delas. Não contesto tanto o fundamento último do argumento, mas sobretudo a forma arrogante com que o mesmo é brandido. Não creio, aliás, que nenhum cliente de uma empresa diga que o dinheiro que aquela empresa gera é a ele que se deve e na verdade os lucros das empresas provêm do dinheiro de quem lhes compra os bens ou os serviços que elas produzem. Nem vejo nenhum pequeno acionista, ou até grandes, dizerem com essa jactância, a propósito da empresa de que detêm ações, que é «nossa» ou falar desse modo do «nosso dinheiro». Há mesmo quem, a propósito do Estado, diga «o meu dinheiro», o que então me parece profundamente ridículo, pela insignificância da contribuição, e mesmo os que dizem «o nosso dinheiro» apelam, com esse plural majestático, a que todos se irmanem dessa demagógica afirmação.


O jovem concordava, anuindo sem reservas, ou até mesmo corroborando com veemência, ajudando a carregar ainda mais no tom daquela carta. Até aqui nada de especial, uma conversa como tantas outras, num tom igual a tantos outros. Acontece que pouco depois, o jovem refere-se a uma prática profissional em uso na empresa onde trabalhava e que se resume a isto: o apoio telefónico aos clientes era cobrado em períodos mínimos de 15 minutos, pelo que uma chamada de 5 minutos, ou menos, era cobrada como sendo de 15, uma chamada de 16 era cobrada como sendo de 30, e por aí em diante. Ao referir isto ele esboçou um sorriso algo comprometido e ela embatucou, devolvendo-lhe um sorriso alvar. Tudo isto não mereceu qualquer comentário ou crítica daqueles dois. E eu, para dentro, não deixei de analisar que sobre uma realidade que tinha em comum o telefone, mas em que a segunda era profundamente mais danosa, a diferença de postura entre o que se exige ao Estado e o que se exige às empresas. Da conversa entre eles resultou o espancamento verbal dos deputados ou funcionários europeus por fazerem umas chamadas particulares e de trivialidades com o telemóvel que lhes estava atribuído, não merecendo qualquer comentário a prática de uma empresa que, no limite, pode cobrar até 14 vezes mais pelo apoio telefónico que presta…


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terça-feira, junho 19, 2012

PPR público: um caso de degradação na confiança pública do Estado

Em 2009 paguei o que restava do meu empréstimo à habitação. Sem dívidas e com alguma liquidez propus-me investir num Plano Poupança-Reforma (PPR). A situação da Segurança Social, com a redução do nível de pensões e a evolução previsível do modelo Defined-Benefit para Defined-Contribution, a juntar à evolução da demografia e aos incentivos fiscais àquele tipo de produtos ajudaram à decisão final.

Como relativamente ao risco, o Estado me merecia mais confiança do que o setor privado, não equacionei sequer a adesão aos PPR comercializados por bancos e seguradoras, e aderi ao Regime Público de Capitalização – Certificados Públicos de Reforma, o chamado PPR do Estado, gerido pelo Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP. Na opção privilegiei o menor risco expectável (Estado) à maior rendibilidade expectável (Bancos e Seguradoras).

Aquando da subscrição, li a legislação que regulamentava o PPR do Estado e logo ali intui das desvantagens do regime público face ao privado, designadamente as condições leoninas que impossibilitam o resgate do dinheiro antes da idade de reforma, mesmo devolvendo os benefícios fiscais e sofrendo penalizações. Mas, apesar de tudo, isso era contrabalançado pelo facto de aquele dinheiro ser impenhorável, e sobretudo pelo aval seguro do Estado. Quanto à garantia de capital, e face a uma redação da lei que me parecia ambígua, questionei a Segurança Social se o capital estava garantido e foi-me dito que sim, tendo-me sido sublinhado o caráter público do fundo como garantia de boa-fé e solidez.
Aderi na modalidade máxima permitida, ou seja, com uma taxa contributiva correspondente a 4% do meu vencimento mensal bruto. Porém, em 2011, face à redução salarial que tive, exatamente por trabalhar para o Estado, efetuei a alteração da base de incidência mensal, e tive curiosidade em verificar a rendibilidade do dinheiro que confiei à Segurança Social. Comparei o valor que me foi sacado, com o valor da minha posição no fundo, constatando, para meu espanto, um saldo negativo. Cancelei de imediato a adesão e iniciei um périplo de reclamações junto do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, IP, da Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, e da Provedoria de Justiça, o qual parece ter agora chegado ao fim, com explicações redutoras, estribadas de forma estrita na letra de uma lei pouco clara, senão mesmo capciosa, e sem explicações cabais para o essencial do que estava em causa: a diferença de regimes entre público e privado. O Estado agrupa-se e defende em bloco.

A par do PPR do Estado, existem no mercado, só no ramo Vida, mais de 70 produtos com a mesma finalidade, constituir uma poupança a utilizar na velhice, em que todos garantem o capital e a esmagadora maioria garante a rendibilidade. Naqueles em que existem valores apurados a rendibilidade efetiva em 2010 só não é positiva num caso e na média dos últimos três é sempre positiva.

Assim, o PPR do Estado parece ter sido o único produto existente no mercado, pelo menos por comparação com os do ramo Vida, que não garante o capital e o único com uma rendibilidade negativa, pelo menos para o período em que aderi.

Além do mais, na legislação que regulamenta os planos de poupança-reforma comercializados por privados – banca, seguros, etc. – é assegurada a transparência da informação prestada ao consumidor/cliente quer no que respeita à garantia do capital, quer no que respeita à rendibilidade, bem como a possibilidade de reembolso antecipado e de transferência entre fundos, coisa que não acontece no PPR do Estado.

Há, assim, um enquadramento legislativo e normativo dos PPR privados que assegura a informação clara do risco do capital e da rendibilidade, e garante a flexibilidade no reembolso antecipado e a transferência entre fundos, e uma legislação que regulamenta o PPR público, em que a informação do risco de perda do capital investido não é clara, em que não há lugar a reembolso antecipado, nem à transferência para outros fundos com idêntica finalidade. Em conclusão, se tivesse aderido a um PPR privado conservador não teria tido perdas porque o Estado o não permite, como aderi ao PPR público tive perdas, porque ao Estado tudo lhe é permitido. E, pior, o dinheiro está cativo na posse do Estado até à reforma, sem que o possa reaver, mesmo com perdas, comissões de transferência ou devolução dos benefícios fiscais obtidos. E assim se anula a premissa que me levou a optar pelo Estado em detrimento dos privados. E assim se destrói a confiança que (ainda) tinha no Estado.

Este episódio pode parecer singelo mas parece-me profundamente danoso para a confiança pública nas instituições do Estado, no Estado de Direito e na própria Democracia. A sensação com que fiquei foi a de, numa área sensível e muito delicada, a poupança para a velhice, estar inteiramente à mercê da ação discricionária do Estado, o que como se sabe não é característico de regimes democráticos mas de outros regimes…

Confesso que me interrogo: este fundo é recente, teve uma adesão limitada e os montantes individuais lá colocados serão certamente em média pouco significativos. Imaginemos, porém, que o mesmo era antigo, de adesão generalizada e que os montantes individuais eram muito significativos. E que no último terço da vida, em situação de maior fragilidade, os aderentes, depois de décadas de trabalho e de poupanças amealhadas e confiadas ao Estado para suportar a velhice, registavam perdas no capital depositado ou rendibilidades muito baixas? Que problema teria o Estado criado? É bom que se saiba que este não é um cenário hipotético, mas real.