Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

segunda-feira, outubro 17, 2011

O que terá mudado? - Parte I (O problema)

Discutindo apenas e só a tributação dos rendimentos do trabalho e admitindo-a como necessária e indispensável, este Governo decretou, para 2011, a redução de 50% do subsídio de Natal para trabalhadores públicos, privados e pensionistas. Utilizou inclusive uma fórmula engenhosa que subtrai ao que é descontado o equivalente ao salário mínimo nacional, retirando 50% do remanescente, o que penaliza – e bem – menos os rendimentos mais baixos. Marcou com isso também uma diferença em relação ao Governo anterior quando tributou apenas os rendimentos do trabalho da Administração Pública e do sector empresarial do Estado superiores a €1500, deixando de fora, por exemplo, as pensões de iguais montantes.

Continuando a discutir apenas e só a tributação dos rendimentos do trabalho e admitindo-a novamente como necessária e indispensável, o mesmo Governo suprime, para 2012, o subsídio de férias e o subsídio de Natal aos trabalhadores públicos e pensionistas, deixando de fora os trabalhadores do sector privado! Nele utiliza uma fórmula que – e bem – penaliza mais os rendimentos mais altos: a medida é progressiva e nos rendimentos entre o salário mínimo nacional e os 1000€ dar-se-á apenas a supressão do equivalente a um subsídio.

Porém, uma questão fica, para a qual não encontro manifestamente uma boa resposta. O que terá mudado para, em poucas semanas, duas medidas simétricas, uma para 2011 e outra para 2012, num caso abranger os sectores público e privado e agora apenas os trabalhadores do sector público? E como classificar socialmente uma medida que penaliza com uma redução equivalente a um subsídio uma pensão ou um salário de 485€ e deixa intocado um salário de dezenas de milhares de euros só por se tratar de um trabalhador do sector privado?

(continua)

3 comentários:

Mário de Jesus disse...

Caro Paulo

Há de facto aqui um aroma e um sentimento de alguma injustiça, sentido por todos. Mesmo as pessoas do sector privado que ouvimos manifestam essa sensação. Agora a realidade é que a lei não permite o corte destas verbas (rendimentos)no sector privado nem esse corte teria repercussões directas nas despesas do Estado pois não se tratam de despesas públicas mas sim despesas das organizações onde as pessoas trabalham. A única compensação seria mais um imposto. Mas aí, surgia outra questão: impostos aos privados e não aos do sector público. Não sei se haveria enquadramento legal para isto. Deduzo que não.

Paulo J. S. Barata disse...

Caro Mário
Dizes tu que a lei não permite esse corte no sector privado? Mas, desculpa, não vais receber quase menos 50% do subsídio de Natal para o mês que vem, tal como eu? Não se criou enquadramento legal para isso? Criou.
Dizes ainda que isso não teria repercussões nas despesas do Estado? Mas, desculpa, não vão os teus quase 50% do subsídio de Natal contribuir para a redução do défice deste ano, tal como os meus? Vão.
Dizes tb que seria mais um imposto? Mas, desculpa, não vão os teus quase 50% de subsídio de Natal serem-te retirados através de uma sobretaxa especial, tal como os meus? Vão.
Falas em enquadramento legal?!?!?! Mas, desculpa, por estes dias, há lei que impeça que se faça alguma coisa sobre o trabalho?!?!?! Tens consciência de que o Estado de Direito sobre o trabalho tem vindo a ser paulatinamente derrogado. O MárioF há uns dias um decreto onde se diz que o direito ao subsídio de férias e ao subsídio de Natal é inalienável. O significado da palavra é claro e está em todos os dicionários. Queres que te mande o que dizem os normativos que regem as remunerações na Administração Pública?! Queres que te elenque o conjunto de leis e normas que esta medida de supressão dos subsídios viola para os trabalhadores públicos e pensionistas públicos e privados?! Achas que a lei é impedimento para alguma coisa, por estes dias?! Aliás, as empresas públicas têm todas contratação colectiva. E isso é motivo para que isto não seja aplicado?! O Estado de Direito ainda existe para o capital, porque o capital pode pagar bons advogados e fazer vergar o Estado a indemnizações colossais! Isso já não existe para o trabalho que tem organizações sindicais fracas! Veremos, porém, até quando é possível manter a coesão social! A terminologia trabalho/capital é usada para facilitar a oposição. Desconta-lhe a conotação marxista!
É óbvio que essa medida no sector privado teria de ser efectuada através de uma sobretaxa especial e sobre o público tb o deveria ser. As violações legais não são argumento e existem para ambos os lados.
De qualquer modo permanece sem resposta a minha questão de base que gostava de ver respondida. O que terá mudado em semanas, para que, para 2011, uma medida simétrica afecte todos os rendimentos do trabalho (incluindo pensões) e para 2012, só os rendimentos do trabalho do sector público e as pensões públicas e privadas?

Paulo J. S. Barata disse...

Caso queiras responder e para te inspirar na resposta, deixo um poema de Brecht:
"Primeiro levaram os negros,
mas não me importei com isso,
eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários,
mas não me importei com isso,
... eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis,
mas não me importei com isso,
porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados,
mas como tenho o meu emprego,
também não me importei.
Agora estão a levar-me,
mas já é tarde,
porque ninguém também se importa comigo."
Mas mesmo assim, no cenário que tu traças, eu - leigo e profundamente ignorante em matéria económica - vou-te dar uma solução. Admitindo que estas medidas sobre o trabalho são absolutamente necessárias.
A serem tomadas e para manter a coesão social e o Povo - utilizo a expressão no sentido em que Santo Agostinho a usou - sentir que as medidas são equitativas, mesmo que apenas no que respeita aos rendimentos do trabalho, que tal isto:
Simetricamente, para o sector privado, seria revisto o Código do Trabalho, suprimindo os subsídios de férias e de Natal, invocando o princípio da necessidade;
O dinheiro daí resultante não seria um imposto, porque esse dinheiro não serviria para reduzir o défice mas ficaria nas empresas, servindo para embaratecer o factor trabalho e por consequência os bens e os serviços que elas produzem; ao termos bens e serviços mais baratos isso ajudava a manter a procura interna resultante da perca do poder de compra, atenuando a retracção que se estima, e seria um estímulo às exportações porque os produtos ficavam mais baratos e ao investimento estrangeiro que teria mão-de-obra mais barata; as importações ficavam mais caras, claro, porque teríamos menos poder de compra face ao exterior mas isso tb ajudava a reduzir a procura por bens importados, equilibrando a nossa balança comercial.
Com isso teríamos um efeito simétrico para o trabalho privado do que temos para o público e todos - os trabalhadores - sentíriamos estar a contribuir em igual proporção modo para a recuperação do País.