Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, outubro 26, 2011

O que terá mudado? – Parte III (As soluções)

Assim, e considerando-se absolutamente essenciais o corte dos salários e das pensões públicas, porque não, para o sector privado, cumprindo escrupulosamente os termos do acordo com a troika, proceder à revisão do Código do Trabalho, suprimindo os subsídios de férias e de Natal, invocando o princípio da igualdade, da equidade fiscal, o que fosse. Estender-se-ia, assim, não pela via dos impostos, mas pela via da desoneração do custo do trabalho das empresas, fomentando a sua competitividade, esta medida ao sector privado. O dinheiro daí resultante não seria um imposto, isto é, não serviria para reduzir o défice mas ficaria nas empresas, embaratecendo o factor trabalho e, por consequência, o custo unitário dos bens e os serviços que elas produzem. Ao termos bens e serviços mais baratos, poderíamos atenuar o efeito recessivo que se estima, mantendo ou até incrementando a procura interna, o que constituiria um estímulo natural e não artificial às exportações, porque os produtos ficariam mais baratos. Estímulo que se estenderia ao investimento estrangeiro, que encontraria mão-de-obra mais barata, compensando alguns custos de contexto em relação a alguma concorrência europeia. As importações ficavam obviamente mais caras, porque teríamos menos poder de compra face ao exterior, mas isso também ajudaria a reduzir a procura de bens importados, equilibrando a nossa balança comercial. E não teríamos toda a gente a clamar acerca da inexistência política do Ministro da Economia, porque, por essa via, aumentávamos a competitividade das empresas. Aliás, também me pergunto o que poderá Álvaro Santos Pereira, naquela pasta específica, fazer para estimular a economia num Estado sem dinheiro e já sem quase nenhum controlo dos factores de produção?!

Com esta medida assegurava-se a coesão social, não dividindo em duas fatias a sociedade portuguesa, fazendo incidir desequilibradamente os custos da crise sobre uma delas. Não se aumentavam os impostos, mas pelo contrário, até se diminuíam. E todos, trabalhadores públicos e privados, sentiriam estar a contribuir em igual proporção e modo para a recuperação do País. Obviamente que o Estado perderia o encaixe da tributação desses dois subsídios, mas que poderia ser compensado pela arrecadação de receita resultante da manutenção do consumo. E também não teria, no futuro, o encargo relativo aos subsídios suprimidos quando tivesse de pagar as respectivas pensões. E sobretudo garantir-se-ia a coesão social que por estes dias é um factor e um bem que não tem preço.

Uma nota final: sou capaz de entender este corte e todo o pacote de medidas de aumentos de impostos como um prenúncio ao corte nas transferências do Estado. Ou seja, que o Governo, em 2012, possa, levando na carteira negocial todos estes cortes, em relação às parcerias público-privadas, às concessões nas mais diversas áreas, ao lóbi energético, etc., renegociar os termos dos contratos existentes pelo menos em montante percentual igual ao que foi penalizado o trabalho. E se, do outro lado, não houver disponibilidade negocial, o Estado deve avançar para tribunal, invocando o estado de emergência nacional, o princípio da necessidade, o que seja, munido de uma análise séria dos dossiers que demonstre inequivocamente o facto de se tratar, como parece evidente em muitos deles, de contratos leoninos para os privados. É que se isso não for feito temo que a compreensão da população, que, apesar das manifestações, está extremamente – direi mesmo demasiadamente – calma possa explodir por acumulação excessiva de pressão, devido, mais do que aos cortes, à injustiça dos mesmos…

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O que terá mudado? – Parte II (As justificações)

A resposta mais sólida que encontrei para o que mudou nas semanas que antecederam o corte do subsídio de Natal para 2011 e o corte dos subsídios de Natal e de férias para 2012 foi a de que há o compromisso de a consolidação ser efectuada 2/3 do lado da despesa e 1/3 do lado da receita, sendo que salários e pensões são efectivamente despesa do Estado.

Esta resposta é defensável. Não carecia, aliás, das explicações adicionais, designadamente:
  1. A da média salarial na Administração Pública ser 15% superior ao privado;
  2. O corte nos salários e nas pensões ajudar ao défice e o dos privados não;
  3. Os trabalhadores da Administração Pública terem uma maior segurança no emprego, sendo a alternativa a isto a dispensa entre 50 e 100 mil funcionários.
Todas elas são argumentativamente frágeis, falaciosas, discutíveis.

A primeira carece em absoluto de demonstração. Que estudo a sustenta? Fiz uma pesquisa à PORDATA e cheguei a conclusões substancialmente diferentes, quase sempre em desfavor da Administração Pública, quer falássemos de média global, quer da média específica de quadros superiores ou de quadros intermédios. Aliás, duvido mesmo que exista um estudo actualizado e sério sobre isso que considere todas as variáveis. Ou seja, o salário-base, as remunerações adicionais e outros benefícios, tais como automóvel, seguro de saúde, pagamentos e apoios à educação e à formação, taxas de juro mais baixas para a compra de habitação própria, cartões de crédito, e toda uma miríade de vantagens de que algum sector privado beneficia.

A segunda é capciosa porque isso resolvia-se, aliás, como se resolveu com o corte do subsídio de Natal deste ano, ou seja, através de uma sobretaxa especial sobre os salários do sector privado.
A terceira – e apesar de existir o sistema de mobilidade especial onde estão algumas centenas de trabalhadores e de ser frequente a dispensa na Administração Pública de trabalhadores com vínculos precários – ainda é globalmente verdadeira, mas está (estará), porventura, a caminho de deixar de o ser. Há, porém, mesmo aqui, um aspecto que importa considerar. É que os encargos com o desemprego, e existem cerca de 600.00 desempregados, são encargos do Estado. Ou seja, as empresas quando despedem libertam-se dos encargos de quem despedem, que são assumidos pelo Estado. Mas o Estado quando despede, ou se despedir, assume integralmente esse encargo, apenas o mudando de rubrica orçamental. Esse custo adicional que o Estado tem se despedir não é, pois, negligenciável. Aliás, mesmo deixando de lado a imensa tragédia social e pessoal que despedimentos em massa no Estado implicariam, tenho dúvidas sobre as vantagens económicas dessa opção! Basta olhar para a média etária dos trabalhadores do Estado para se perceber que, em menos de uma década, com um adequado controle de admissões, teremos uma administração bastante mais enxuta. Valeria a pena, isso sim, fazer a reforma do Estado e flexibilizar a mobilidade de pessoal entre organismos e funções, deixando que o ajustamento do efectivo se fizesse sem dor.

Esta é, porém, a parte técnica da questão, ou seja, o equilíbrio puro e simples das contas públicas, de preferência até ao valor zero, idealmente mesmo até ao superavit para assegurar alguma redução da dívida pública. Só que os Governos, ao contrário das empresas, são entidades políticas que tomam decisões económicas. Ou, dito de outro modo, as decisões económicas dos Governos são eminentemente políticas. E algo absolutamente vital nesta equação entre economia e política é a coesão social. E essa, com esta medida, foi quebrada. Pode admitir-se a quebra do contrato social estabelecido com os trabalhadores do sector público e com os pensionistas com base no princípio da necessidade, alegando o interesse nacional e invocando constitucionalmente o estado de emergência ou outra qualquer figura jurídica. Não faltarão constitucionalistas e juristas para enquadrar adequadamente a questão. Se o Estado não tem dinheiro e as rubricas dos salários e das pensões são das mais importantes do orçamento, por muito que isso custe, é aceitável que elas possam ser reduzidas, apesar do contrato social existente, porque há razões gerais, de interesse nacional, que derrogam as particulares. Isto, porém, deveria necessariamente ser enquadrado do ponto de vista jurídico-constitucional, sob pena de postergarmos o Estado de Direito, alicerce essencial da nossa vida colectiva, recuando a uma sociedade sem lei. E dever-se-ia ainda, até ao limite, manter a coesão social, criando uma medida simétrica no que respeita aos rendimentos do trabalho no sector privado.

O enquadramento jurídico, a explicação lisa e cabal e a universalidade desta medida deveriam ter sido asseguradas.

(continua)

terça-feira, outubro 18, 2011

O Inverno do nosso descontentamento



Era inevitável. O país não tem dinheiro que chegue para pagar a dívida externa, para equilibrar o déficit da nação incluindo o das empresas públicas nem capacidade de pagar as despesas correntes (salários, pensões, saúde, gestão).


Também é certo que o actual governo não tem culpa da actual situação. Foi agora eleito e está lá para resolver os problemas e a sucessão de erros criados ao longo de mais de 20 anos. E nós, cidadãos, temos a nossa parte na culpa porque não antecipamos isto, porque votámos, bem ou mal, nas pessoas que tomaram as decisões erradas. Porque não participámos civicamente nem contribuímos para a mudança de rumo. Teríamos que ter obrigatoriamente um orçamento duro, de grande ingratidão social e de grande exigência fiscal. Esperemos agora que ele resulte. Parece que é agora que se observa a coragem política para enfrentar directamente a situação real.


Mas com a responsabilidade de tomar decisões ainda que herdando os problemas, o governo não se poderá esquecer da necessária equidade.


O esforço caiu em cima dos funcionários públicos, os quais passam a ver reduzidos, no espaço de 2 anos, cerca de 25% dos seus rendimentos (quero dizer que não fiz as contas mas apenas consultei a literatura de imprensa sobre isto e ouvi os analistas e comentadores). São os mesmos a pagar a mesma crise com um esforço especial daqueles que recebem pensões de 600 ou de 1.000 Euros. Em especial porque parece não se seguir o princípio da equidade nos esforços exigidos, onde os que mais ganham deveriam contribuir com maior esforço. Por isso tanto paga o pensionista ou o trabalhador de 800 Euros como o que aufere 4.500 Euros. O esforço relativo pedido é o mesmo. O que não parece correcto.


Parece que pouco se fará em relação aos maiores detentores do capital e em relação à tributação dos patrimónios mais elevados (apenas se actua na redução da isenção do IMI de forma igual para todos) e pouco esforço aparenta haver da parte de quem usufrui de dividendos e mais-valias financeiras não reinvestidas.


E o que parece mais grave é sabermos que medidas de austeridade deste calibre sobre uma recessão como esta, provavelmente agravarão a recessão e projectarão o desemprego dos actuais 12% para valores acima dos 13,5%. E agravarão a recessão porque as empresas não podem, e não podem, porque as famílias não podem. E as famílias não podem porque aumentam os impostos, em quase tudo, reduzem-se os benefícios, em quase tudo, pouco restando, quase nada.

E aparenta ser difícil detectar as medidas com impacto directo no crescimento e na competitividade. É difícil prever qual o impacto de mais meia hora de trabalho exigida nas empresas no contributo para a competitividade e produtividade. Assim, sem mais nem menos. Trabalharão as pessoas com mais afinco essa meia hora diária? Com mais motivação? Ou sentirão que não vale a pena? E os custos para as empresas de mais meia hora de gastos com água, electricidade, telecomunicações, café? Os economistas que ouvimos não conseguem calcular os verdadeiros ganhos de competitividade que isto trará, antes pelo contrário, vigora algum cepticismo.


Num momento em que o país até está a crescer e bem nas exportações com taxas de crescimento conhecidas até Agosto à volta dos 14%. Será uma oportunidade perdida? Deveria ser aqui que se justificaria actuar de imediato. No fomento das exportações e ajuda às empresas mediante politicas de facilitação da penetração em novos mercados promovidas pela diplomacia económica e com a reposição do crédito na economia.


O tempo corre contra o país, contra nós. O tempo que nos foi exigido para regularizar o deficit para os valores acordados no memorando de entendimento assinado com a troika é insuficiente para que o país consiga responder afirmativa e positivamente sem o prejuízo de provocar sequelas perigosas e potencialmente graves. Desde a instabilidade social, agravamento da criminalidade até à sobrevivência de muitas famílias.


É urgente pedir mais tempo. Exigir renegociar o memorando de modo a que seja possível obter um maior escalonamento no pagamento da dívida por um período mais longo dando assim todas as condições para que Portugal consiga colocar os valores do deficit tal como exigido e acordado. Para que Portugal consiga reduzir inclusivamente o esforço financeiro e obter melhores condições sob a forma de taxas de juros mais favoráveis. Dar assim mais tempo para que os ajustamentos necessários sejam concretizados, sem falhas e lapsos, dando assim uma imagem de credibilidade do país mas assegurando ao mesmo tempo que as pessoas não sofrerão, demasiado e provavelmente sem os resultados desejáveis, este ataque à sua sobrevivência.


A prova está no que sabemos hoje. O país dá sinais de não aguentar esta pressão. Hoje mesmo Bruxelas desconfia. Num discurso citado pelas agências, o comissário dos assuntos económicos afirmou que apesar do esforço português, "as últimas informações" sugerem que o cumprimento dos objectivos de 2011 que estão inscritos no programa não está garantido. "Isso é lamentável e prova que houve falhas no planeamento e execução do orçamento [de 2011] que têm de ser corrigidas", notou o responsável europeu. Olli Rehn falava sobre o objectivo fixado para 2011 de baixar o défice português para 5,9% do PIB.



Este poderá muito bem ser o Inverno do nosso descontentamento.

segunda-feira, outubro 17, 2011

O que terá mudado? - Parte I (O problema)

Discutindo apenas e só a tributação dos rendimentos do trabalho e admitindo-a como necessária e indispensável, este Governo decretou, para 2011, a redução de 50% do subsídio de Natal para trabalhadores públicos, privados e pensionistas. Utilizou inclusive uma fórmula engenhosa que subtrai ao que é descontado o equivalente ao salário mínimo nacional, retirando 50% do remanescente, o que penaliza – e bem – menos os rendimentos mais baixos. Marcou com isso também uma diferença em relação ao Governo anterior quando tributou apenas os rendimentos do trabalho da Administração Pública e do sector empresarial do Estado superiores a €1500, deixando de fora, por exemplo, as pensões de iguais montantes.

Continuando a discutir apenas e só a tributação dos rendimentos do trabalho e admitindo-a novamente como necessária e indispensável, o mesmo Governo suprime, para 2012, o subsídio de férias e o subsídio de Natal aos trabalhadores públicos e pensionistas, deixando de fora os trabalhadores do sector privado! Nele utiliza uma fórmula que – e bem – penaliza mais os rendimentos mais altos: a medida é progressiva e nos rendimentos entre o salário mínimo nacional e os 1000€ dar-se-á apenas a supressão do equivalente a um subsídio.

Porém, uma questão fica, para a qual não encontro manifestamente uma boa resposta. O que terá mudado para, em poucas semanas, duas medidas simétricas, uma para 2011 e outra para 2012, num caso abranger os sectores público e privado e agora apenas os trabalhadores do sector público? E como classificar socialmente uma medida que penaliza com uma redução equivalente a um subsídio uma pensão ou um salário de 485€ e deixa intocado um salário de dezenas de milhares de euros só por se tratar de um trabalhador do sector privado?

(continua)