Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

quarta-feira, maio 30, 2007

Microcrédito - Uma relação de confiança







1. O nascimento do conceito

Muhammad Yunus, distinguido em Dezembro de 2006 pela Academia Sueca das Ciências como Prémio Nobel da Paz, esteve recentemente e de novo em Portugal, onde interviu na conferência que o homenageou e que foi designada como “Microcrédito – Um contributo para a paz”.

Através da sua intervenção pudemos mais uma vez testemunhar e confirmar a obra e os seus resultados, daquele que é, sem dúvida, um dos nomes cujo contributo para a economia como ciência social, foi dos mais importantes.
Conhecido como o fundador do Grameen Bank (Banco da Aldeia) após regressar em 1972 dos EUA findo o seu doutoramento em economia, Yunus iniciaria a saga deste projecto quando decide emprestar 27 dólares a 42 pobres na aldeia de Jobra para que pudessem desenvolver pequenos negócios. Nasce assim o conceito do microcrédito cuja definição pode ser “ um financiamento de reduzido montante destinado a apoiar a criação de negócios de pessoas que não reúnem condições para aceder ao crédito tradicional”. De tal forma este conceito tocou as pessoas que levou à sua replicação por mais de 60 países envolvendo (segundo o Banco Mundial) cerca de sete mil instituições de microcrédito em todo o mundo. O microcrédito inverte o conceito usual da ajuda aos pobres porque rejeita a esmola, o subsidio ou o donativo como meio de fazer justiça social. Procura antes criar condições para o desenvolvimento da pessoa humana no sentido “de baixo para cima”, i.e. pelo seu próprio esforço, energia, capacidade e motivação, com a ajuda do pequeno crédito.

2. O testemunho

Yunus deixa-nos o seu testemunho nos seguintes aspectos:O Grameen Bank é fundado em 1976 no Bangladesh, país com 145 milhões de habitantes, talvez o mais populoso por km2, onde a esmagadora maioria das pessoas é muito pobre. Actualmente o banco tem 24 mil colaboradores, 7 milhões de clientes (e accionistas porque cada cliente é accionista do banco) 500 milhões de dólares de empréstimos, 97% dos quais atribuídos a mulheres. 70% dos recursos do banco são provenientes dos clientes...pobres.

Quanto ao impacto social no país, ao longo destes 20 anos, o banco assistiu a uma elevação considerável do nível de vida dos seus 7 milhões de clientes: todas as crianças destas familias frequentam a escola. Com o contributo do Grameen Bank, durante a década de 90 a pobreza reduziu-se no país em 10%. Do ano 2000 a 2005, assistiu-se já a uma igual taxa de redução da pobreza (com uma média de redução anual de 2%). A taxa de natalidade caíu de 5.6 para 3.5. (nascimentos por 1000 habitantes). As mulheres do país, outrora cidadãs de 2ª classe, ganharam dignidade e auto-confiança.

O Grameen Bank empresta sem garantias, sem colaterais e sem contratos. Dirige-se apenas a quem nada tem. Ninguém fecha um negócio no banco, antes vai este a casa das pessoas. Os seus clientes indicam e ajudam a identificar os muito pobres que são alvos como futuros clientes. O banco apenas pede às pessoas que deposite um valor infímo das suas poupanças todas as semanas. Esta acção constituirá a sua independência financeira futura.

3. O microcrédito em Portugal

O sistema do microcrédito em Portugal é, há semelhança de outros países, ainda débil encontrando-se ainda numa fase emergente,embora tenha nascido em 1999 através da Associção Nacional do Direito ao Crédito (ANDC ver em
www.microcredito.com.pt).
A ANDC concedeu nestes últimos sete anos 640 empréstimos cujo valor financiado atingiu os 2.794.573 € dos quais resultou a criação inicial de 762 empregos. Reuniu ainda 115.717 € no Fundo de Garantia, com um total de 320 associados. Os montantes a atribuir pela ANDC variam entre os mil e os 5 mil €, quando na Europa estes valores se situam entre os 500 e os 10 mil €. O valor médio dos empréstimos atribuídos desde a sua constituição situou-se nos 4.355 €. Lisboa concentra o maior volume de crédito atribuído com 38% do total, seguindo-se o Porto com 12% e Setúbal com 9%.

Para além da ANDC o sistema do microcrédito tem assentado ao longo destes anos no Estado, através do IEFP que actua como financiador da ANDC e ainda no Banco Millennium BCP, entidade que concede o microcrédito às pessoas escolhidas pela ANDC. A própria ANDC tem como missão identificar potenciais clientes alvo do microcrédito, que não têm crédito junto da banca, tornar-lhes possivel o acesso ao mesmo e reduzir-lhes os custos de transacção.

Em 8 de Novembro de 2005 o Millennium BCP lançou uma rede comercial autónoma para o microcrédito com o objectivo de captar 2.500 clientes e uma carteira de crédito de 6 milhões € em dois anos. Com 3 lojas em Lisboa, Porto e Braga, tem como principais beneficiários os desempregados, jovens licenciados, imigrantes, reformados e micro-empresas familiares. O montante máximo de crédito não ultrapassará os 15 mil € e terá a duração máxima de 4 anos, com um período de carência que poderá ir aos 6 meses. Este projecto conta com a ajuda financeira da Fundação Calouste Gulbenkian. Em Maio de 2006 este banco renovava ainda por mais 3 anos o protocolo de cooperação com a ANDC, reforçando as suas preocupações sociais e tendo como objectivo desenvolver projectos de microcrédito tendo em vista apoiar pessoas em situação de exclusão social ou em risco.
No seu primeiro ano de actividade este banco aprovou 187 empréstimos num montante global de 2.1 milhões de €, tendo como resultado a criação de 327 empregos e um investimento de 4.1 milhões de €.

Também a Caixa Geral de Depósitos (CGD) entra em Dezembro de 2005 no sistema do microcrédito através do estabelecimento de um protocolo com duas associações: a ANDC e a Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE). Com uma linha de 1 milhão de € que terá a validade de 3 anos, a CGD propõe disponibilizar à ANDC o montante de 250 mil € aos projectos dela provenientes e de 750 mil € para projectos de investimento da ANJE. Com agências em Lisboa, Porto, Faro e Coimbra a CGD disponibilizará à ANDC empréstimos que variam entre os mil e 5 mil € por um prazo máximo de 36 meses. No caso de investimentos da ANJE os empréstimos podem atingir o máximo de 25 mil €, num máximo de 80% do investimento a realizar e pelo prazo máximo de 48 meses.

De igual forma o IEFP assinou em Dezembro de 2006 com a ANDC um novo acordo que permitirá disponibilizar cerca de 700 mil € nos próximos 3 anos para ajudar à concretização de 220 projectos por ano, permitindo ainda duplicar o montante máximo de 5.800 para 12 mil € por empréstimo.Os bancos que financiam estes projectos são a CGD, o Millennium BCP e o BES.

Uma análise do perfil da pessoa que recorre ao microcrédito permite concluir que 85% são de nacionalidade portuguesa, 53% são mulheres, 39% solteiros, 32% casados, 28% com o ensino secundário, 25% com o terceiro ciclo e 12.5% com ensino superior. Cerca de 51% não têm filhos, 33% são desempregados, 22.8% trabalhadores independentes e 22.1% empresários em nome individual.

4. Um modelo de financiamento

“O microcrédito tem contribuido de forma eficaz para melhorar o bem estar dos seus beneficiários, não só gerando acréscimos significativos de rendimento, mas também contribuindo positivamente para outras dimensões da inclusão social” (conclusão do Relatório Preliminar sobre a avaliação do sistema de microcrédito em Portugal).

Dada a relevância do impacto sócio económico do microcrédito podemos aqui propor um novo modelo de financiamento deste sistema no qual participem as empresas. Estas poderão afectar, voluntáriamente, uma parte do lucro (através da aplicação a este de uma taxa a variar entre os 0,1% a 0,5% - dedutível em sede de IRC) cujo valor será atribuído a um fundo de investimento privado (Fundo de Investimento de Apoio Empresarial). Este fundo poderá financiar directamente o sistema de microcrédito através dos bancos que já intervêm no mesmo ou garantindo o risco deste mesmos bancos, melhorando a qualidade deste crédito, através da colaterização de fundos ou por aval a estes empréstimos de pequena escala. Assim, o contributo das empresas a pequenos projectos (inovadores ou simplesmente de subsistência) de pessoas ou microempresas, dinamizará a criação de novas empresas, de mais emprego, de inovação e a criação de riqueza e bem estar.

6 comentários:

Anónimo disse...

Estimado Mario de Jesus,

Excelente artigo de opinião.
Foi também publicado na Imprensa tradicional?

Mário de Jesus disse...

Sim

No Jornal de Negócios e no Semanário Vida Económica.

CPs

Anónimo disse...

Os artigos são de factos muito bons, algunsna minha opinião um pouco extensos para um Blog, fica aqui a dica

Mário de Jesus disse...

Agradecemos muito a sua leitura e as sugestões, que, para nós, são sempre importantes.

Henrique Abreu disse...

Mario,

Gostei muito da ideia de propor um novo modelo de financiamento para o microcrédito no qual participem as empresas.....um "endorsment" que está de acordo com a linha do desenvolvimento sustentado e a "corporate social awareness e responsability"

Anónimo disse...

Um artigo deveras interessante

Antonio