Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sexta-feira, novembro 17, 2006

Ainda a propósito do Prémio Nobel da Paz - A dimensão económica do microcrédito

(Artigo publicado no Semanário Económico)

Os princípios e as experiências inerentes ao conceito do microcrédito, representam uma abordagem contrária aos princípios do crédito bancário tradicional. A criação e desenvolvimento deste conceito, destinava-se a ajudar os mais pobres e desfavorecidos a obter o apoio financeiro necessário à criação de um projecto, desenvolvimento de uma actividade, empresarial ou comercial, em pequena escala, quer a título individual ou colectivo, como forma de subsistência e até de elevação humana. A essência do microcrédito assenta, por isso, em princípios e práticas inovadoras ainda que contrárias à actividade bancária desenvolvida nos países mais avançados e ao conceito do crédito segundo o modelo mais ortodoxo.

A dimensão social do microcrédito é reforçada pelo facto de, na sua génese, ter sido dirigido principalmente às mulheres, dado que, nas sociedades mais antigas, foram desde sempre estas as responsáveis pela gestão dos meios de subsistência da família. Prova disto é o facto de 95% dos actuais 3.12 milhões de beneficiários do microcrédito concedidos pelo Grameen Bank, serem mulheres.

A experiência do microcrédito, criada e desenvolvida há 21 anos no Bangladesh através do Grameen Bank por Muhammad Yunus, então professor de economia, é actualmente um conceito de crédito aplicado em mais de 60 países em todos os continentes, ainda que estas experiências sejam adaptadas localmente em função das características sociais, económicas e demográficas dos seus beneficiários, adoptando até diferentes designações. Em todo o caso importa referir que, seja qual for o modelo sob o qual este conceito seja aplicado, estamos perante uma actividade bancária lucrativa, através da qual se empresta dinheiro e se cobram juros e não perante acções de solidariedade social. O que é neste caso assinalável é o facto de 99% dos empréstimos concedidos, por exemplo, pelo Grameen Bank, apresentarem um retorno nos prazos e condições acordadas.

Em Portugal, a filosofia do microcrédito é desenvolvida pela ANDC – Associação Nacional do Direito ao Crédito. A Missão da ANDC é, segundo a própria, definida como “ o desenvolvimento de uma actividade que facilite a concessão de crédito a pessoas que não têm acesso ao crédito bancário, mas que querem desenvolver uma actividade económica concreta, para a qual reúnem condições e capacidades pessoais, de modo a que possam contrair esses empréstimos para esse fim junto dos bancos”.
Esta associação tem actualmente 304 sócios, dos quais cerca de 95% são particulares sendo os restantes 5% empresas e instituições de solidariedade social, desenvolvimento regional, ou formação profissional entre outras. Em cinco anos permitiu a concessão de 310 empréstimos que criaram 396 empregos, tendo o valor acumulado dos empréstimos atingido 1.298.674 EUR ( dados da própria ANDC).

A actividade desta associação só tem sido possível devido à colaboração e parceria obtidas junto de um conjunto de instituições activas no combate à pobreza, exclusão social e desemprego. Entre estas instituições encontram-se associações para o desenvolvimento e formação profissional, misericórdias, centros sociais e paroquiais, associações de acção social e familiar, fundações, autarquias e outros organismos públicos. A estas instituições a ANDC solicita a identificação de potenciais micro-empresários e o seu encaminhamento para os seus serviços.

Para o crescimento e sucesso da ANDC é essencial o reforço da colaboração com um maior número de instituições como as já referidas, para além de novos protocolos com diversas entidades bancárias, o que garantirá o crescimento do número de projectos financiados e da criação de emprego, o que, para além disto, representará uma maior partilha de risco. É de salientar que o primeiro ( e julgamos único) protocolo estabelecido pela ANDC com a banca, foi concretizado com o BCP.

Um outro aspecto relevante para a actividade do microcrédito desenvolvido pela ANDC diz respeito à necessidade de reforço do Fundo de Garantia que actualmente apresenta ainda valores pouco significativos. Em face disto seria importante a obtenção de um crescimento acentuado do numero de sócios institucionais, os quais poderiam contribuir positivamente para o reforço deste Fundo. Neste capítulo, o desenvolvimento de uma estratégia de Marketing e comunicação, divulgando a ANDC, poderá ser um veículo importante para atingir este objectivo.

Para melhor entendermos o papel que o microcrédito pode desempenhar em Portugal, basta analisar a estrutura do tecido empresarial do país. Este é constituído essencialmente por PME, as quais representam 99.5% do total das empresas nacionais, num universo de perto de 1.2 milhões de empresas, das quais cerca de três quartos estão constituídas sob a forma de empresários em nome individual ( isto é cerca de 900 mil empresas). Acresce a isto as conclusões obtidas através de um estudo apresentado pelo comissário europeu para as empresas, Erkki Liikanen, as quais indicaram que cerca de dois terços da população portuguesa pretende trabalhar por conta própria, o que nos leva também a concluir que não restam dúvidas quanto à tendência nacional para o individualismo em termos profissionais, bem como à reduzida dimensão dos negócios em Portugal. Ora este é sem dúvida um mercado de elevado potencial para o microcrédito.

Neste cenário o papel da ANDC como promotora do microcrédito poderá ser essencial para ajudar a revitalizar a iniciativa individual e o espírito empresarial, o que potencia o crescimento económico e reforça a competitividade. Este projecto é tanto mais relevante quanto poderá ser implementado não só ao nível do microcrédito comercial mas também no âmbito agrícola, o que certamente constituirá um instrumento de apoio importante para os pequenos empresários agrícolas em Portugal. Neste quadro, será determinante para a ANDC o estabelecimento de protocolos de cooperação junto de entidades como o IEFP ou Ministério do Trabalho, pela sua possível intervenção ao nível da criação de emprego, ou até junto de novas ONG´s que actuem no âmbito do desenvolvimento económico e social.

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