Fórum de Reflexão Económica e Social

«Se não interviermos e desistirmos, falhamos»

sexta-feira, abril 21, 2006

Inteligência vs competências

O conceito de Inteligência Emocional (IE) parte de um conjunto de competências que, em conjunto, definem o que é entendido como relevante para o sucesso individual e organizacional. O conceito não foi inovador, mas Daniel Goleman terá sido responsável pela redefinição, com repercussões mais alargadas na sociedade (principalmente no meio empresarial) da "inteligência" como fonte de sucesso. Assim, a inteligência lógico-matemática perde preponderância para competências como a autopercepção, a percepção social, a auto gestão e a gestão de relações.

Uma competência é uma característica de um indivíduo que está causalmente relacionada com uma performance superior ou efectiva, criteriosamente orientada para uma tarefa ou situação (Spencer & Spencer, Competence at Work).

A Inteligência Emocional aparece, mais tarde que cedo, como uma nova forma de "embalar" um conceito que se define pelos objectivos a atingir. aparece quase como uma emancipação de um conjunto de outras competências que eram consideradas de natureza inferior face ao "status" de um conjunto limitado de competências "superiores" às quais me parece forçado atribuir a exclusividade da racionalidade.

Pessoalmente, parece-me mais útil falarmos de competências (empatia, autopercepção, socialização, de auto-motivação, liderança ...) e de sucesso, seja em que objectivos for. O conjunto de competências que Goleman resolveu "empacotar" na conceito de IE resulta da preponderância de objectivos organizacionais, numa perspectiva de gestão.

Mais útil que empacotar competências parece-me que cada um de nós estabeleça o que para si é sucesso, i.e., o que pretende atingir. O passo seguinte será a detecção das competências necessárias à prossecução desses objectivos como foco de um processo de desenvolvimento pessoal. A boa notícia é que se podem identificar para cima de 70 competências para as quais existem técnicas de desenvolvimento, que podem ser aprendidas e desenvolvidas. A má notícia é que não existe nenhuma "escola" para particulares que resolvam entrar num processo de desenvolvimento pessoal. Existem apenas consultoras ou consultores que se dedicam mais ao mercado empresarial, focados nas necessidades das organizações, e que normalmente se fazem pagar a peso em ouro!

Resta-nos a vasta bibliografia dedicada ao tema e a proficiência no conjunto de competências que compõem a capacidade de autodidactismo. A outra má notícia é que existe uma grande distância entre aprendizagem tácita e explícita de competências. Se um conceito matemático pode ser apreendido mais facilmente por meios explícitos, estes revelam-se claramente insuficientes para o desenvolvimento de competências. Se um curso de liderança baseado em aulas e testes pode ajudar a compreender conceitos de liderança, dificilmente ajudaria alguém a tornar-se melhor líder. O desenvolvimento de competências torna-se possível como resultado de um processo orientado de tentativa e erro, como forma de treino de reacções conscientes e inconscientes. Um desenvolvimento de competências eficaz requer treino, treinador, mentor, ambiente, um local e de uma maneira geral muito mais que a existência de bibliografia sobre o assunto!

Se as organizacões têm merecido a oferta de serviços orientados para o desenvolvimento dos seus recursos humanos, de um conjunto crescente de profissionais e empresas, desde os primórdios da Gestão, os individuais particulares ainda carecem da atenção de uma oferta profissional adequada. Por outro lado, vale a pena analisar a relação entre competências e desenvolvimento económico ao nível das nações, senão na forma de relações de causalidade, pelo menos no estabelecimento de correlações, como fonte motivadora de propostas de abordagem e de teorias de desenvolvimento do recurso mais valioso de qualquer região - as pessoas.


João Mateus

sexta-feira, abril 07, 2006

O ensino técnico-profissional

Em minha opinião o ensino em Portugal vive uma situação de alguma ambivalência, se quisermos focalizar esta análise no âmbito do ensino de nível médio (considerando nesta classificação uma formação de cariz mais técnico-profissional) e do ensino de nível superior universitário.
Ao efectuarmos uma leitura mais atenta à realidade actual do ensino superior universitário, chegamos de forma imediata a quatro principais conclusões : o número de candidatos ao ensino superior diminuiu 10% em 2004 face ao ano anterior; há excesso de universidades para o universo de estudante actuais e potenciais do país, opinião que é partilhada entre os peritos da educação; há uma proliferação excessiva de cursos superiores sem qualquer aderência à realidade da procura e do mercado de trabalho; e por fim, cresce o nível de desemprego entre os detentores de um curso superior. Para melhor ilustrar esta última conclusão, basta referir que, segundo dados recentes do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) o desemprego entre licenciados cresceu 51.5% em 2004 face a 2003.

Creio não ser polémica a afirmação de que o actual ensino em Portugal (público ou privado quer seja de nível médio ou superior) é demasiado generalista, de débil relação com as necessidades do tecido empresarial e pouco adequado à realidade económica e social do país. É, nalguns casos, elitista, porque valoriza a formação superior teórica, abstracta e por vezes pouco consistente, face a uma formação de âmbito técnico-profissional de cariz mais prático, que é vista como o parente pobre do ensino. Este elitismo pouco contribui para o desenvolvimento económico e social do país em termos genéricos, sendo muitas vezes difícil aproveitar as suas valências em proveito da indústria e das empresas.

O ensino superior em Portugal, tendo em atenção o vasto leque de cursos disponíveis ( que vão desde as ciências puras às humanidades passando pelas novas tecnologias) está, nalguns casos, divorciado do sector económico e do mundo empresarial. Por um lado, porque o conteúdo programático de uma grande diversidade de cursos universitários pouco tem a ver com as necessidades das empresas, por outro lado, porque também não existem os interfaces adequados para colocar a formação obtida ao serviço e em proveito da indústria (e dentro desta ao nível da investigação e desenvolvimento). Por outras palavras, falta, no decorrer da progressão universitária, efectuar a ligação entre a universidade e a empresa.

Temos por isso em Portugal um ensino pouco ousado e inovador, na preparação dos alunos para uma carreira profissional de grande exigência competitiva, não apenas interna mas internacional. Privilegia-se antes uma formação quase exclusivamente teórica e académica – com grande importância dada aos títulos académicos – em prejuízo de uma sólida formação técnico-profissional. Por isso, Portugal revela carências significativas ao nível da formação média, de cariz mais profissional e experiêncial, em complemento ao ensino universitário actual. Para colmatar esta falha é essencial o desenvolvimento de uma formação de nível técnico-profissional vigorosa e inovadora, que privilegie a obtenção de um grau de especialização técnico-prática, focalizada no objectivo de preparar os jovens estudantes para a aprendizagem de uma profissão. É de pessoas com este tipo de formação que uma larga percentagem de empresas procuram, porque delas necessitam. Serão também estes profissionais de elevada aptidão técnica potencial, que ajudarão a colmatar as debilidades e a falta de competência profissional vigente no seio das empresas nacionais.

Estas são algumas das razões porque importa desenvolver com urgência em Portugal um ensino de grau médio, de vocação técnico-profissional, de cariz prático e experiêncial, como já referido, tendo como finalidade conduzir os alunos ao princípio fundamental do “ saber fazer”.

Seja qual for o ramo da industria nacional ou sector de actividade, existem carências de recursos humanos com estas valências, sendo um facto que existem dificuldades em encontrar profissionais competentes e disponíveis em profissões como electricistas, carpinteiros, pedreiros, canalizadores, ladrilhadores, frezadores, pintores ou torneiros, para dar apenas alguns exemplos. Falta ainda mão-de-obra especializada (com formação em mecânica) para operar nas indústrias utilizadoras de maquinaria mais complexa. Esta escassez de especialistas, contribui, numa boa quota parte, para os problemas de falta de competitividade e eficiência empresarial.

É aqui que se perfila também, a importância dos cursos secundários de cariz tecnológico ( antigos cursos comerciais e industriais já quase extintos) sendo desejável a sua recuperação (apoio e promoção às cerca de 200 escolas ainda existentes) pela adopção de um modelo de ensino secundário que poderá funcionar nos seguintes moldes: a formação secundária no âmbito da escolaridade obrigatória, processar-se-á em tronco comum até ao 9º ano de escolaridade. A partir deste patamar e pelos restantes 3 anos vingará a opção do aluno, podendo esta evoluir por duas vias distintas. Uma de formação mais teórica e generalista, cujo seguimento objectiva o ensino superior universitário. Uma outra via de formação com cariz técnico-profissional, geradora de profissionais bem preparados e melhor qualificados para o emprego com forte componente tecnológica e prática, introduzindo o ensino da informática como ferramenta base. Na primeira via, o aluno terá como destino a universidade, a segunda via, poderá estar concluída no final do secundário, podendo ter o seu seguimento ao nível de um grau de ensino médio, que consolidará os conhecimentos adquiridos ao nível secundário.

Quanto ao papel essencial das escolas neste modelo de ensino, o seu contributo deverá ser analisado tendo como base um modelo de avaliação das mesmas. Sendo estas escolas públicas ou privadas, de formação técnico-profissional mais ou menos acentuada, a sua avaliação poderia ser concretizada pela observação do volume de emprego gerado pela colocação dos seus alunos no mercado de trabalho, pelo que a existência de um ranking nacional será por certo um bom incentivo à melhoria do ensino praticado.


Mário de Jesus